A biologia do Spam


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Um dos fenômenos que acho mais interessantes na biologia é a recorrência. É impressionante como um mesmo padrão pode se repetir em situações bastante diferentes que seguem o mesmo princípio. Entre eles está o Spam.

Não importa se estamos falando do e-mail, do Twitter, do Orkut ou do nosso genoma. Sistemas de informação de sucesso atraem parasitas e aproveitadores, e com eles ruído. Veja o caso do nosso genoma: basta uma polimerase de DNA fiel o suficiente para manter a informação íntegra e um ótimo sistema de controle do fluxo de informação pelo RNA e voilà, quase metade do nosso genoma [pdf] é feito de parasitas genéticos capazes de replicar e se inserir em novos locais. Mas não se trata de uma exclusividade nossa.
Formigas também
Para manter um formigueiro com milhares de indivíduos coordenados, a maioria das formigas baseia sua comunicação em toques e cheiros. Antenas e patas que se encostam, e feromônios bastante diversos e específicos para espécies e situações diferentes garantem a integração do grupo.
Uma série de outros animais, como os besouros da sub-família Paussinae e algumas borboletas são capazes de produzir os mesmos cheiros ou imitar os toques para invadir formigueiros e receber comida como se fossem formigas do grupo. Alguns aproveitam inclusive para comer as larvas do ninho, sem serem incomodados. Imagino o besouro passando para a formiga a mensagem “sou um príncipe africano e tenho milhares de dólares em minha conta, basta me levar para seu ninho”.
Vagalumes também
Muitos insetos se baseiam em som e cheiros para comunicação, o que tem diversas restrições. Fatores como a umidade do ar e o vento podem atrapalhar a propagação do sinal sonoro ou do cheiro. Sons de outros animais fazem com que muitos dependam de horários específicos para cantar. Já os vagalumes arrumaram uma forma bem pouco explorada de comunicação, os sinais luminosos.
Graças às luciferinas quebradas pelas luciferases, machos e fêmeas de várias espécies destes besouros conseguem piscar em certas frequências e conversar à distância. E não estão livres de aproveitadores. Fêmeas do gênero Photuris são capazes de imitar os sinais de fêmeas de outras espécies, atraindo machos que são devorados assim que chegam perto. A imagem de pr0n com “você ganhou, um clique aqui” que é sinônimo de complicação.
Nós demos o troco para as bactérias
Agora uma situação reversa que encontrei no Not Exactly Rocket Science e adorei. No primeiro exemplo de transferência lateral de genes (de um organismo para outro que não seu descendente) entre humanos e bactérias, linhagens da bactéria causadora da gonorréia Neisseria gonorrheae foram encontradas portando um retrotransposon nosso. O L1, um fragmento longo de DNA que é retrotranscrito para RNA, de volta para DNA e inserido em novos pontos (daí o nome retrotransposon), compondo quase 20% do genoma humano com meio milhão de cópias.
Talvez incorporado por uma bactéria que aproveitou os genes liberados por uma célula morta, pelo menos 3 das 14 linhagens estudadas possuem o gene L1 conservado e inserido na mesma posição, o que dimuinui bastante a chance de ser uma contaminação pelo DNA dos pesquisadores. 
Depois de milhões de anos incoporando os genes de parasitas que passaram por nossos ancestrais, retribuímos o Spam dando um transposon para a N. gonorrheae. Um e-mail com o anexo “nossasfotos.exe” onde ela clicou sem querem.

One response to “A biologia do Spam”

  1. Bem legal! O caso dos vagalumes do gênero Phothuris é um exemplo interessante de mimetismo Peckhameriano. Outro exemplo é de um gafanhoto predador da Áustrália (tinha que ser de lá), o Chlorobalius leucoviridis que utiliza um truque para capturar cigarras. Imita o som que a fêmea faz quando está receptiva ao macho para atraí-lo. E quando eles chegam perto do gafanhoto, são devorados.

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