Dragões favoritos da cultura pop (e o que a ciência tem a dizer sobre eles)

Cinema

Por Bianca Bosso de Medeiros Fonseca e Carolina Stefano Mantovani 

 

Quando falamos em criaturas mitológicas, os dragões são uma das primeiras imagens que nos vêm à cabeça. Eles são representados em diversos livros, filmes e séries da cultura pop com as mais variadas formas e habilidades. Alguns são capazes de voar, soltar fogo e até mesmo falar!

Mas o que será que a ciência diz sobre os dragões da ficção? Seria possível que eles existissem no mundo real? Embarque Nas Asas do Dragão e confira uma análise científica das características mais comuns dos dragões da ficção a partir de comparações com o que os cientistas já conhecem sobre o mundo animal!

 

Três pares de membros

Grande parte dos dragões da ficção como o Banguela (de “Como Treinar Seu Dragão”), o Tiamat (da “Caverna do Dragão”), a forma draconiana da vilã Malévola e o Smaug (pelo menos o do livro “O Hobbit”) apresentam dois pares de pernas e um par de asas. Mas será realmente que a existência e funcionamento normal de três pares de membros é algo anatomicamente possível? Pois é, infelizmente, se o desenvolvimento de um dragão se desse de acordo com o que conhecemos dos demais vertebrados, isso não seria possível!

Diferente do que ocorre em insetos, em que as asas não são relacionadas às pernas (1), em vertebrados a origem evolutiva das asas se deu a partir de modificações no par de pernas dianteiro, como podemos ver nas aves, morcegos e nos já extintos pterossauros. Isso quer dizer que, em animais com coluna vertebral, possuir asas é uma troca: ou possuem braços ou asas (2).

O surgimento de um par adicional de membros até pode acontecer, mas geralmente devido a mutações que afetam o desenvolvimento embrionário e fazem com que o animal já nasça com esse defeito. As patas extras formadas não são capazes de funcionar normalmente, já que não há espaço anatômico para a formação de novas articulações que conectem adequadamente as patas com o restante do corpo. Assim, os membros extras ficam com o aspecto de “pendurados”, como é possível ver na foto deste bezerro:

Bezerro com um terceiro par de membros que ficam pendurados a partir de suas costas

Imagem retirada de: https://www.dailymail.co.uk/news/article-2178248/Lilli-cow-legs-surgery-remove-extra-limbs.html

Agora imaginem só um dragão com as asas penduradas, que não conseguem sustentar o animal no ar? Essas asas acabariam até mesmo se tornando um peso que poderia atrapalhar a vida desses animais, dificultando seu equilíbrio e agilidade. Isso levaria então à diminuição de suas chances de sobrevivência na natureza! A realidade científica não seria nada glamurosa, não é mesmo?

 

Capacidade de voar

A maioria dos dragões da ficção, mesmo aqueles desprovidos de asas, são capazes de voar. Este é o caso do Banguela, do Rabo Córneo Húngaro (de “Harry Potter”), de Haku (“A Viagem de Chihiro”), do Shenlong (de “Dragon Ball”) e do Falcor (de “Uma História Sem Fim”), por exemplo. 

Por mais incrível que seja imaginar o voo de tais criaturas gigantes, vamos verificar agora que adaptações evolutivas seriam necessárias para tornar essa habilidade possível. Já vimos que o mais provável seria que as patas da frente dos animais se modificassem em asas, como já ocorreu em outros grupos de animais. Com gigantes asas que lhe conferiam envergadura de onze metros, os pterossauros azharquídeos constituem um dos grupos que poderia ter evoluído para os dragões voadores com asas. Estes répteis foram, possivelmente, os maiores animais a já terem voado!

O corpo dos pterossauros era adaptado para essa habilidade: assim como os pássaros atuais, possuíam um esqueleto oco para reduzir o peso do corpo. Além disso, eram dotados de robustos membros superiores para dar suporte aos músculos responsáveis pelo voo, já que a força para alçar voo era obtida diretamente das asas. Essas adaptações (ou outras equivalentes) precisariam estar presentes para que os dragões também fossem capazes de voar (2).

Já para os hipotéticos dragões voadores sem asas, como o Haku, a história seria um pouco diferente: eles provavelmente não teriam a capacidade de voar propriamente dita, mas de planar, como é o caso da Serpente-voadora (Chrysopelea), que consegue planar longas distâncias através de movimentos físicos que alteram sua aerodinâmica (é como se ela “dançasse” no ar) (4). É também o caso dos lagartos voadores do gênero Draco, que têm algumas costelas alongadas interconectadas por uma aba de pele (chamada de patágio) que os permite planar por cerca de 8 metros entre árvores (5). Veja os vídeos abaixo para conferir o “voo” dessas serpentes e lagartos voadores:

https://www.youtube.com/watch?v=P1tkE1MpwUo

Agora, voar ou flutuar magicamente sem ter nenhum tipo de habilidade ou estrutura que permita a sustentação do animal no ar por algum tempo, aí a ciência não tem como explicar. Temos que deixar para o mundo da fantasia e da imaginação!

 

Cuspir fogo

Uma das características mais marcantes das representações draconianas na ficção é a capacidade de soltar fogo. Banguela, Smaug, etc., são exemplos de como essa habilidade é explorada nos dragões da cultura pop. Mas, cientificamente falando, isso seria mesmo possível?

Não se tem conhecimento de animais na natureza capazes de soltar fogo. No entanto, o besouro-artilheiro ou besouro-bombardeiro (Stenaptinus insignis) chega bem perto disso! Este inseto armazena hidroquinona e peróxido de hidrogênio (famosa água oxigenada) em seu abdômen. Quando se sente ameaçado, inicia uma reação química que resulta em um jato quente sobre quem o ataca.  Em maior escala, considerando que os dragões da vida real seriam grandes répteis, se esse mesmo mecanismo pudesse ser aproveitado, os dragões seriam capazes de ferir facilmente suas presas ou qualquer um que o atacasse (2, 6).

Besouro-artilheiro esguichando líquido quente

Imagem retirade de: https://loucosapiens.wordpress.com/2015/09/17/besouro-bombardeiro/amp/?usqp=mq331AQCKAE%3D

Em entrevista à revista “Discover”, Henry Gee, autor do livro “A ciência da Terra Média”, diz que provavelmente o composto que melhor se encaixaria neste processo para os dragões é o éter etílico (etoxietano), um líquido inflamável produzido pelo aquecimento de etanol com ácido sulfúrico. Leveduras e outros micro-organismos produzem etanol como resíduo metabólico e há bactérias que excretam ácido sulfúrico. Desta forma, uma comunidade microbiana desses dois tipos precisaria viver em estruturas bucais específicas do dragão, mas ainda assim faltaria conseguir alguma forma de ignição que permitisse esse líquido inflamar, e, assim, permitir ao dragão cuspir fogo (3).

Além disso, as estruturas bucais do dragão precisariam ser muito resistentes ao calor e aos subprodutos químicos. Para isso, as células dos dragões ou as próprias bactérias possivelmente teriam que produzir algum tipo de muco ou camada protetora, de forma semelhante ao que ocorre no nosso estômago, protegendo-o do ácido clorídrico do suco gástrico, que auxilia na digestão dos alimentos (7).

 

Super inteligência

Outra característica comumente associada aos dragões é a super-inteligência. Essa habilidade aparece, por exemplo, no Drako, do filme Coração de Dragão, que apresenta ainda valores como bondade e justiça.

O estudo da cognição em répteis ainda é um assunto muito recente, no entanto, tem gerado resultados consideráveis. Em um estudo com jabutis, Anna Wilkinson, da Universidade de Lincoln, parece ter presenciado habilidades de navegação (como uso de pontos de referência) e flexibilidade comportamental (capacidade de alterar o comportamento de acordo com o ambiente imposto) nestes animais (8).

Outros estudos demonstraram soluções de problemas semelhantes, como, inclusive o uso de ferramentas e o aprendizado (2, 8)! Ao que tudo indica, alguns dos mais inteligentes répteis são as espécies maiores em tamanho e cérebros proporcionais, como crocodilos e lagartos-monitores (2), o que indica a possibilidade de que os dragões realmente pudessem ter algum nível de inteligência.  

Encontramos mais informações intrigantes numa reportagem sobre a descoberta das semelhanças entre o padrão de atividade cerebral que ocorre durante o sono dos répteis e o padrão que possibilita os sonhos em humanos (9). Será que então poderíamos ter dragões inteligentes e sonhadores?

 

Capacidade de falar

Não há nenhum estudo que demonstre a possibilidade de comunicação verbal em lagartos como aquela apresentada por Drako e Smaug. Inclusive, há apenas um grupo de lagartos que possuem cordas vocais, os geckos (10). Esse grupo é capaz de emitir sinais sonoros para atrair parceiros e assustar predadores e competidores.

No entanto, os répteis são capazes de se comunicar através de um rico repertório de códigos, que incluem sinais químicos, sonoros e visuais (como padrões de coloração, postura e movimento) (10). As iguanas, por exemplo, se comunicam através de movimentos de porções do corpo específicas para enviar mensagens (como fazemos quando brincamos de mímica!) (11).

 

Mais de uma cabeça

Outra característica peculiar que aparece em alguns dragões, como Tiamat (de “A Caverna do Dragão”), é a ocorrência de mais de uma cabeça (no caso do Tiamat, são cinco!). Mas caso os dragões existissem, será que isso seria possível?

Geralmente, animais que possuem mais de uma cabeça são resultados de falhas durante as divisões do embrião. Também é possível que dois embriões se fundam parcialmente. Há relatos de diversos animais nascidos com duas cabeças, como tartarugas, tubarões e cobras. A mitologia também relata animais com mais de uma cabeça, como a Hidra (12, 13).

Cobra de duas cabeças

Imagem retirada de: http://myclipta.blogspot.com/2012/01/amazing-two-headed-snakes.html?m=1

Porém, a presença de mais de uma cabeça dificultaria muito a obtenção de alimentos e a fuga de predadores, já que os movimentos devem ser extremamente coordenados para que o animal consiga realizar as atividades do dia a dia. Imagine só se cada cabeça se mover em uma direção diferente!? A dificuldade de se alimentar e fugir de predadores provavelmente resultaria em uma morte precoce.

Além de tudo isso, o cérebro é um dos órgãos que mais consomem energia no corpo dos animais, você sabia? Imagina só como seria difícil conseguir alimento suficiente para fornecer energia para dois cérebros ao mesmo tempo? Imaginem então para cinco! O animal provavelmente teria que passar o dia inteiro se alimentando, o que dificultaria ainda mais suas chances de sobrevivência! Talvez animais assim já tenham até existido como causa de mutações e erros do desenvolvimento. Porém, eles muito provavelmente não sobreviveram para contar a história e passar seus genes adiante!

 

Outras características

Quais outras características dos dragões vocês já se perguntaram se seriam ou não possíveis? Vocês têm outras ideias ou considerações para fazer sobre as características já mencionadas? Escrevam nos comentários para que possamos estender nossas discussões científicas a respeito dos dragões da cultura pop!

 

Referências:

  1. https://netnature.wordpress.com/2018/02/13/insecta-a-origem-das-asas/
  2. https://www.bbc.com/portuguese/vert-earth-37635731
  3. https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/o-fascinio-a-ciencia-por-tras-do-mito-dos-dragoes-11117735
  4. https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2014/01/140130_misterio_cobra_voadora_an
  5. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150506_vert_earth_dragoes_ml
  6. https://biointerativas.wordpress.com/2010/02/23/varias-formas-de-se-defender/
  7. https://super.abril.com.br/comportamento/muco-protege-estomago-do-suco-gastrico/
  8. https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2013/12/1382772-inteligencia-de-repteis-surpreende-cientistas.shtml
  9. https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2016/04/1765665-repteis-tem-atividade-cerebral-tipica-de-sonhos-humanos-revela-estudo.shtml
  10. Do livro “Lizards”, por David P. Badger. Disponível em: <https://books.google.com.br/books/about/Lizards.html?id=kYEqWKFuspkC&redir_esc=y> Acesso em: 13 de maio 2019.
  11. Do trabalho “Balança a cabeça e te direi quem és: comunicação visual dos lagartos Tropidurus do grupo semitaeniatus”. Disponível em: <https://proceedings.science/cbh/papers/balanca-a-cabeca-e-te-direi-quem-es%3A-comunicacao-visual-dos-lagartos-_tropidurus_-do-grupo-_semitaeniatus_> Acesso em: 14 de maio 2019.
  12. http://www.bbc.com/earth/story/20161018-the-two-headed-creatures-that-may-have-inspired-hydra
  13. https://www.abc.net.au/news/science/2018-10-05/two-headed-animals-causes-and-how-common-are-they/10337640

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