Desde que foi nomeado, foram levantados vários alertas para o fato de que ministro Marcelo Crivella (PRB-RJ), membro da bancada teocrática, talvez fosse uma péssima escolha para gerir um ministério da pesca. O video abaixo, que mostra Crivella falando sobre a teoria evolutiva, demonstra que tais preocupações estavam corretas.
Criacionista, Crivella filosofa sobre origem da ameba
A passagem é tão recheada de erros-por-minuto que proponho a criação de uma métrica: o Crivella. A seguir transcrevo na integra a fala para que possamos apreciar toda vossa regurgitância:
Há 150 anos, o inglês naturalista, Charles Darwin, propôs uma teoria na qual haveria, segundo ele, a evolução de todos os seres vivos a partir de uma ameba.
Bom, talvez não todos os seres vivos, apenas organismos pluricelulares e alguns unicelulares. Nem estou certo de que a ameba (ou um ancestral dela) foi proposta por Darwin como ancestral comum de toda a vida. O que ele colocou foi que a vida na terra teria uma ou poucas formas de vida originais. Visto que Darwin tinha alguma idéia de filogênese e da possibilidade do aumento da complexidade por seleção natural, é justo assumir que ele tinha em mente algum tipo de organismo unicelular mais primitivo que bactérias atuais. Definitivamente algo diferente de uma ameba.
E de que as especies iriam não só evoluir no seu gênero, mas também criar novas espécies. Ele falava também em uma transformação evolutiva de invertebrados para vertebrados. Todas essas teorias no mundo científico foram debatidas em 150 anos. Não passam de teorias.
Mas é obvio que não passam de teorias. Afinal, é uma das teorias mais bem corroboradas da ciência. A unica coisa que ela poderia ser, se não uma teoria, é uma hipótese descartada.
Infelizmente pessoas em geral, e criacionistas em especial, acreditam que existe uma progressão de idéias cientificas, que começam como teorias (ou hipóteses) e, se são comprovadas, evoluem para leis. Essa noção não poderia estar mais distante da realidade. Em ciência, uma teoria não é uma “mera especulação”, mas um conjunto teórico de postulados, modelos e hipóteses destinados à explicar e estudar um certo tipo de fenômeno natural. E são dentro das teorias que as leis se encaixam: como modelos formais (não necessariamente matemáticos, apesar dos mais conhecidos serem) que buscam explicar algum aspecto abordado por aquela teoria, como o movimento de objetos ou a herança de caracteres. Se existe algum tipo de hierarquia, leis estão subordinadas às teorias.
E portanto, sr. Presidente, não há provas conclusivas de que haja qualquer indicio na natureza de que uma espécie possa gerar outra espécie. Se a teoria de Darwin fosse uma realidade, teria o consenso da comunidade científica, como tem as leis de Newton. Ou as leis de Einstein, mais recentemente.
Mas ela tem consenso na comunidade científica: seus detratores ou são pesquisadores de outras áreas não correlacionadas (medicina, matemática, engenharia, filosofia) ou são uma minoria de biólogos que não trabalham na área de diversificação da vida. Ou sequer pesquisadores são.
Mas ciência não é concurso de popularidade. Mesmo que apenas um indivíduo discordasse, e apresentasse conclusões sólidas para sua discordância, a ortodoxia científica iria ter que mudar. Porém não é isso que acontece: Não existem publicações científicas que refutem a teoria evolutiva moderna e, mesmo os seus detratores mais radicais (dentro da área) propôem apenas a emenda da teoria com novos processos evolutivos que melhorem nossa compreensão da diversificação da vida.
Esse consenso, que o ministro ignora existir, não é o que causa a aceitação da teoria científica no meio acadêmico. É o fato de que a evolução é uma teoria sólida, com 150 anos de corroboração, que a torna quase que predominantemente aceita. É o reconhecimento do valor científico de uma ideia, e não uma posição ideológica.
Ironicamente, o exemplo dado pelo ministro de leis [sic] que são predominantemente aceitas, as Leis de Newton, não são mais predominantemente aceitas, pelo fato de que foram substituidas pelas teorias de Einstein.
Ela também é uma lei que depende das pessoas acreditarem em um milagre. Porque o surgimento da vida a partir de uma ameba, traz o primeiro questionamento: “e a ameba, surgiu da onde?”
Se entendo corretamente o que o ministro quer dizer, ele está sugerindo que o surgimento da vida só pode ser explicado por um milagre, fato que é necessário para se aceitar a teoria evolutiva. Mas essa linha de raciocínio me intriga profundamente. Afinal, se todo sistema de crenças que necessite da crença em milagres é, de alguma forma, invalido, o que diríamos de um que pregue que o filho de Deus veio a Terra, se sacrificou e ressuscitou dos mortos? Devemos acreditar que o ministro repentinamente virou ateu, ou que talvez ele não tenha parado para pensar antes de abrir a boca?
A insistência de criacionistas em tentar transformar ciência em religião é sintomática. É uma admissão freudiana de que há algo fundamentalmente errado na forma que eles pensam mas, tudo bem! Desde que todos pensem de formas fundamentalmente erradas também, todos podemos sair por ai nos sentido justificados em nossas crenças. Não é apenas uma evidência de negação psicológica: é uma ode à ignorância.
De qualquer forma, essa é uma questão totalmente fora do escopo da teoria evolutiva. Afinal, evolução trata sobre a diversificação da vida, não da sua origem, assim como a teoria de gravidade não trata de sua origem, apenas de sua mecânica.
Ora, e se a doutrina do evolucionismo está correta, se um gênero se transforma em outro, e a natureza assim evolui, porque não se encontrou até hoje um fóssil sequer, em que seja metade anfíbio e metade ave, ou peixe? Ou um fóssil sequer que traga características metade homem, metade macaco? Aonde está esse elo perdido?
Mas tais fósseis foram achados! Na verdade a transição entre anfibios e aves não necessita sequer de fósseis, pois temos grupos vivos que são transicionais entre esses grupos: os lagartos e, principalmente, os crocodilos. De qualquer forma, temos uma infinidade de dinossauros (transição répteis-aves), tetrapodas basais (transição peixe-anfíbio) e uma multitude de interemediários meio-homem, meio-macaco que o ministro tão indignadamente demanda, sendo que inclusive falei em outro post sobre o mais recente deles: Ardi. É óbvio que o ministro, assim como a maioria dos criacionistas, conhecem esses fósseis, e sabem que eles são considerados transicionais. Eles sabem, mas negam de qualquer forma.
Tal festival do absurdo não é exatamente surpreendente. Afinal o ministro é evangélico pentecostal, o que torna a probabilidade dele ser criacionista um tanto quanto mais elevada. Seu comando sobre o ministério da pesca seria preocupante, visto que evolução desencadeada por pressão de pesca é um problema real para os estoques naturais de peixes. Não apenas isso: o ministro demonstra não entender nada de ciência. Porém o histórico do ministério e a recente nomeação do ministro apenas sustentam minhas suspeitas que ele (o ministério) não passa de mais um cordeiro político que foi sacrificado na tentativa de apaziguar a bancada teocrática.
Alias, 1 Crivella = 5 erros/minuto.