O lado negro de compartilhar videos de animais fofos na internet

slow loris

[AVISO: esse post contem imagens fortes]

Quem não gosta de compartilhar animais fofos na internet? Os gatos são inegavelmente os reis da rede, mas outras espécies menos comuns recentemente ganharam popularidade. Filhotes de lontra abandonadas? Quase 8 milhões de visualizações. Quatis sonolentos sendo acariaciados? Quase 6 milhões.

Talvez o grande apelo desses videos seja o fato de que as pessoas são expostas a animais que antes eram desconhecidos, e ficam surpresos em como esses animais podem ser belos, inteligentes e, sem sombra de duvida, fofos. E que mal há em dividir um pouco de fofisse animal na rede?

Segundo o artigo de Nekaris e colaboradores publicado na PLOS em 2013, talvez a atividade não seja tão inocente assim.

Os autores analisaram um video de um Loris recebendo cócegas e aparentemente gostando da experiência. Um loris, para quem não sabe (ver foto acima), é um tipo de primata associado à lêmures. Recebem muitas vezes a alcunha “lentos” por se movimentarem de forma pausada por entre as árvores. Assim como grandes primatas (como chimpanzés, gorilas e humanos) não possuem rabos, mas isso é uma convergência evolutiva, ou seja, não é explicado por ancestralidade comum. Diferente da maioria dos mamíferos, os loris apresentam um arma muito estranha: uma glândula de veneno no sovaco. A secreção dessa glândula, quando misturada com saliva, confere aos loris uma mordida venenosa, usada para caçar pequenas presas e para defesa de predadores e competidores.

 

De qualquer forma, por motivos que me fogem completamente, esse video foi visualizado um numero gigantesco de vezes, ultrapassando a marca de 12 milhões de visualizações, se somarmos todas as versões do video.

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Tabela 1 de Nekaris e colaboradores (2013) mostrando o total de visualizações do video do Loris em diversos canais do YouTube e Vimeo.

Ok, e qual é o problema? Os autores apontam que nesses videos, os principais tipos de comentários se referiam sobre o como os animais eram bonitinhos, sobre o que ele estava fazendo e sobre como o comentador queria um daqueles animais como bicho de estimação. E é nesse ultimo que mora o perigo.

Todas as espécies de Loris se encontram ameaçadas de extinção por devastação de áreas naturais, caça e, obviamente, por tráfico de animais para servirem de bichos de estimação e ornamentais. Visto que a venda dessas espécies é considerada ilegal em grande parte das nações desenvolvidas, é muito provável que a presença desses animais nas mãos de particulares implica na extração de animais da natureza para satisfazer nossa necessidade por fofura. Mas não tem nada de fofo no que os animais passam para virarem “pets”.

O artigo de Nekaris e colaboradores citam alguns exemplos horríveis: Em Taiwan, em 1993, uma remessa de losises pigmeus confiscadas teve uma taxa de mortalidade de 80%. Em Praga, entre 1990 e 2000, todos os lorises pigmeus confiscados entrando no aeroporto morreram durante a quarentena.

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Na esquerda, uma remessa confiscada na Thailandia de lorises pigmeus (exóticos à região). Na direita, uma remessa de animais (todos mortos) confiscada pelas autoridades da Indonésia de Lorises da Sumatra, a espécie mais ameaçada. Foto originalmente publicadas em Nekaris e colaboradores (2013).

E, como se não bastasse, animais que eventualmente sobrevivem a experiência tem que passar por mais um ritual bárbaro: a remoção de seus dentes incisivos, para impedir o envenenamento de seus futuros donos.

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Sim, isso é um cortador de unhas

A remoção dos dentes, além de ser potencialmente letal (até 34% de mortalidade em um dos casos relatados pelos autores), impede que os sobreviventes sejam reintroduzidos na natureza.

Mas o que isso tudo tem a ver com videos na internet? É bem simples: se esses animais são o produto do trafego trafico de animais, esses videos são a propaganda que expõem esses animais a novos mercados consumidores, em escala mundial. E o anuncio por parte de cerca de de 10% dos comentadores de que gostariam de ter esse animais pode ser um incentivo a mais para traficantes de animais intensificarem a exploração de populações nativas.

Obviamente isso não significa que tais videos devam ser removidos da rede. Isso é quase que efetivamente impossível. Mas os autores do artigo argumentam que campanhas de conscientização podem reverter a opinião pública, e transformar uma “propaganda gratis” para traficantes de animais, em campanha de conscientização contra a a exploração desses animais.

Então, da próxima vez que você ver uma foto ou video de um animal silvestre fofo, lembre dos loris:

Traffic - In cage

e se pergunte: De onde esse animal vem? Ele é ameaçado de extinção? Ele é traficado ilegalmente?

E se alguma das ultimas perguntas for sim, talvez, por mais fofo que esses animais sejam, o lugar deles é na natureza ou, na pior das hipóteses, no zoológico*.

 

*Ver aqui e aqui para posts prévios discutindo sobre o assunto.

Aranhas, Beagles e as Mentiras que os Cientistas contam.

Meu primeiro estágio em pesquisa científica foi no Instituto Butantan, pesquisando o comportamento de caça de um gênero muito curioso de aranhas, as Scytodes. Esse gênero é diferente de todas as outras aranhas por uma modificação anatômica muito curiosa: diferente das outras aranhas que apresentam glândulas de veneno, os animais desse gênero apresentam enormes glândulas cefálicas que produzem uma substância pegajosa, que a aranha é capaz de ejetar sobre sua preza, capturando-a a distância:

[youtube_sc url=”http://youtu.be/9PJlfzc4SiE?t=2m20s”]

*A ejeção de cola é rápida demais para ser vista em vídeos normais. Clique aqui e aqui  para ver algumas imagens em close das queliceras.

Esse tipo de habilidade não vem sem um custo: as quelíceras, provavelmente por serem muito modificadas para “cuspir”, não são muito poderosas. Isso faz com que esses animais tenham que caçar animais de exoesqueleto frágil, principalmente aranhas. O fato das Scytodes poderem capturar animais à distância faz com que elas se deem bem contra outros predadores perigosissímos, como a aranha marrom, e até mesmo as espertas e Salticidae.

 

“Glup… ela já foi embola?”

Para desenvolver essa pesquisa eu pedi uma bolsa de iniciação científica para a FAPESP. Para quem nunca teve a experiência, uma das requisições dessa agência para a concessão da bolsa é que precisa estar devidamente justificado o mérito do projeto. Na época isso não ficou muito claro para mim… que tipo de mérito eles queriam? Porque valia a pena pesquisar essas aranhas? “Oras, porque elas são fascinantes!” não me parecia uma resposta muito profissional. Na época o meu orientador me instruiu a descrever os potenciais benefícios para nós, seres humanos, desse estudo.

Meu raciocínio foi simples: aranhas marrons podem ser um problema, eu ia estudar um bicho que come aranhas marrons e SHAZAM… por motivos não explicitados isso soava como uma ótima aplicação prática desse tipo de estudo. “Potenciais aplicações práticas para controle de aranhas marrons” ou coisa que o valha.

Bem, na época eu ganhei a bolsa, realizei o projeto e, eventualmente publiquei um artigo sobre o assunto. “Codificando caracteres comportamentais para analises cladisticas: usando homologia dinâmica sem parcimônia.” Se você acha que soa hermético e totalmente alienado de qualquer aplicação prática, então você pegou a ideia certa.

Na época um colega me perguntou “como você justifica o uso de dinheiro público para estudar comportamento de aranhas?”.

“Eu não sei. Só espero que nunca descubram”.

Eu não acho que essa minha inépcia nesse ponto seja particularmente fora do padrão. A grande maioria dos pesquisadores que conheço sequer pensa sobre como justificar sua pesquisa frente a sociedade. Talvez a maior evidência disso seja o Projeto Genoma Humano, que gastou 3 bilhões de dólares com a desculpa que ajudaria a curar doenças genéticas, cancer ou alguma porcaria assim, quando na verdade poucos avanços terapêuticos reais vieram dai. Não me entendam mal… o projeto genôma humano foi um grande avanço para a ciência. Assim como o projeto do genôma do Ornitorrinco, mas ninguém nem tentou justificar esse com base nos benefícios terapêuticos para o bichinho.

O ponto é: acadêmicos e cientistas de maneira geral não estão treinados para responder esse tipo de questionamento. Me recordo quando, em uma mesa redonda sobre Direitos Animais, o neurocientista Sidarta Ribeiro ficou simplesmente sem ação quando veganos na plateia lhe perguntaram se ele era a favor do uso de animais em pesquisa. “Sim”, ele disse, e isso foi o suficiente para levar a plateia aos gritos.

O que me trás aos beagles… A não ser que você tenha estado debaixo de uma pedra nos últimos dias, você sabe que houve uma invasão ao Instituto Royal, e cerca de 150 beagles que estavam sendo usados para testes farmacêuticos foram libertados. Rapidamente, muitos cientistas vieram repudiar a ação, algo que foi bem exemplificado pelo pronunciamento da ABC e da SBPC sobre o assunto. Muitos de meus colegas no meio acadêmico ficaram boquiabertos. Afinal, uso de animais em pesquisas científicas é algo justificadamente importante, e seria inconcebível imaginar como alguém racional e instruído poderia ser contra o uso (consciente e dentro das normas, que fique bem claro) de animais em laboratórios, certo? Certo???

Bem, eu não acho que seja bem por ai. Acho sim que a questão de uso de animais em pesquisas e testes é algo que sim deve ser colocada em discussão, e que está longe de ser evidente. Mas não quero argumentar contra ou a favor da ação dos ativistas, nem defender ou atacar o uso de animais em pesquisas, muito menos mais testes laboratoriais. Quero apenas fazer uma pergunta para meus amigos da academia: podemos dizer com cara limpa que nós fizemos direito o trabalho de expor e justificar nossa pesquisa frente a sociedade ao ponto que toda a opinião contrária ao uso de animais em experimentação científica seja associado ou a fundamentalismo fanático ou ignorância?

Será?

Bebês são amorais (e porque publicar seus resultados)

Em 2007, Hamlin e colegas elaboraram um experimento para avaliar a moralidade inata de infantes. Especificamente, esses pesquisadores queriam investigar a capacidade de avaliação social, ou seja, a capacidade de discernir entre indivíduos considerados bons dos indivíduos considerados ruins, algo essencial para a construção de nossas normas morais e de nosso convívio em sociedade.

Este estudo foi desenhado de forma relativamente simples. Os bebês eram expostos a uma cena onde um personagem (a bola rosa com olhos) tentava escalar uma colina. Em um dos casos, o escalador era auxiliado por um ajudante (triângulo amarelo) a subir a colina e no outro caso o escalador era impedido de atingir o topo por um terceiro agente (um cubo cinza).

Caso onde o escalador era auxiliado na sua escalada

Caso onde o escalador era impedido de atingir o topo.

Após as cenas, era dada aos bebês a possibilidade de fazer uma escolha entre dois personagens. Em um dos casos, os bebês podiam escolher entre o ajudante e um personagem neutro, e em outro caso eles podiam escolher entre o personagem neutro e o impedidor. No primeiro caso, os bebês escolhiam preferivelmente o ajudante ao personagem neutro, e no segundo caso, eles preferiam o personagem neutro ao que atrapalha. Isso é impressionante porque mostra que o bebê não apenas prefere “ajudantes”, como também repudia “impedidores”. E tem mais: isso mostra que os bebês conseguiam reconhecer a narrativa apresentada, atribuindo personalidades aos personagens, identificando intenção e objetivo (como isso não é o ponto do artigo, suponho que isso já fosse conhecido, mas achei digno de nota). E tudo isso em bebês de 6 e 10 meses! Bastante impressionante de fato!

Porém Scarf e colaboradores, ao investigarem os vídeos do procedimento experimental de Hamlin e colegas, notaram uma coisa estranha: no caso em que o escalador é auxiliado, ao terminar o seu percurso, ele chacoalha (presumidamente para passar a ideia de satisfação), porém isso não acontece quando ele é impedido de subir. Esses pesquisadores suspeitaram que o que estava acontecendo ali não era uma avaliação social, mas sim uma simples associação: coisas que chacoalham são mais atraentes para bebês e chamam a atenção. Sendo assim, a escolha pelo ajudante seria uma função do chacoalhar do escalador ao fim do percurso, uma hipótese que me parece intuitivamente válida. Afinal, bebês não são criaturas particularmente brilhantes, e todo pai sabe que eles são atraídos por cores fortes, por sons e por movimentos.

Para testar tal hipótese, a equipe de Scarf replicou o experimento, porém agora adicionando o “chacoalhar” seja quando o escalador conseguia chegar ao topo, seja quando ele era impedido de chegar ao topo e retornava ao cume. Cada bebê observava mais de um evento, delimitando 3 tipos de tratamento:

  1. No primeiro grupo os bebês viam o evento “ajudado” com chacoalhar e o evento “impedido” sem chacoalhar (grupo “Top” da figura);
  2. No segundo, os bebês viam ambos os eventos com o chacoalhar, tanto quando o escalador era impedido de chegar ao topo, quanto quando ele atingia o topo (grupo “Both)”;
  3. No último grupo os bebês viam apenas o episódio “impedido” com um chacoalhar, e enquanto o não o “ajudado” não apresentava a chacoalhada (grupo “Bottom”).
A previsão dos pesquisadores é simples: se o chacoalhar é o que determina a escolha do bebê, então veríamos que no primeiro grupo, mais bebês escolheriam o ajudante e que no ultimo grupo, mais bebês escolheriam o impedidor, enquanto no segundo grupo, onde existe chacoalhada em ambos os casos, os bebês selecionariam os personagens aleatoriamente. E os resultados são perfeitamente consistentes com tais previsões:
Porcentagem de bebês que escolhem os personagens nos 3 grupos experimentais : Primeiro grupo (“Top”), Segundo grupo (“Both”) e Terceiro grupo (“Bottom”). O tamanho das barras indica a porcentagem de bebês que escolheu um dado personagem, e a cor da barra indica o personagem escolhido: Amarelo- Ajudante; Azul- Impedidor.
Curioso que a proporção de bebês que seleciona o personagem quando há o chacoalho é similar no primeiro e último grupos (da minha parte eu ficaria feliz com umas barras de erro nisso aí). De qualquer forma, a hipótese de associação simples (ou seja “coisas coloridas, que chacoalham e fazem barulho são mais legais”) explica muito melhor os dados do que a de que bebês conseguem atuar em cima de alguma forma primitiva de julgamento moral. Sendo assim, tal capacidade (como vista em seres humanos adultos) seria adquirida em um momento posterior no desenvolvimento, presumidamente por aprendizado social.

Esse tipo de debate é interessante por vários motivos óbvios, mas pelo menos por um não-obvio e bastante importante: divulgação de dados científicos. Tal discussão jamais teria ocorrido se os autores do primeiro trabalho não tivessem divulgado vídeos demonstrando seus procedimentos experimentais, possibilitando o segundo grupo de pesquisadores replicar e testar os seus achados. Por mais que fique a sensação que o primeiro grupo pisou na bola (e pisou), foi sua honestidade que possibilitou a descoberta do erro e do avanço do conhecimento.

Parafraseando Robert Price: Todos os resultados de investigação honesta contém em si as sementes da sua própria destruição. Acho que essa é um ótimo ideal a ser seguido.

Isso, e nunca confiar em bebês, pois eles são um bando amorais. Sempre desconfiei.

Referências

  Hamlin, J., Wynn, K., & Bloom, P. (2007). Social evaluation by preverbal infants Nature, 450 (7169), 557-559 DOI: 10.1038/nature06288

  Scarf, D., Imuta, K., Colombo, M., & Hayne, H. (2012). Social Evaluation or Simple Association? Simple Associations May Explain Moral Reasoning in Infants PLoS ONE, 7 (8) DOI: 10.1371/journal.pone.0042698

Cotas e Discriminação Estatística

Como havia comentado anteriormente, aqui vai um dos minhas muitas opiniões sobre o assunto de cotas raciais e sociais. Minha opinião sobre o assunto já havia mencionada brevemente no guest post do Rony, mas ela não tem muito a ver sobre o assunto que vou expor abaixo.

No post a seguir, meu objetivo é delimitar a metodologia ética baseada em discriminação estatística de Maitzen (1991) e analizar se cotas raciais ou sociais são ou não são éticas. Para frustração de alguns, não entrarei no mérito de se o princípio por trás das cotas é válido (eu acredito que sim, e posso retornar nesse assunto no futuro se achar necessário).

Discriminação estatística

Discriminação estatística refere-se à prática de se valer de características observáveis para extrapolar características não-observáveis que são de interesse para uma dada tomada de decisões.

Por exemplo, quando vamos à feira e apertamos as frutas, não estamos realmente interessados na consistência da fruta (pelo menos não na maioria dos casos). O que estamos normalmente fazendo é nos valendo de uma informação que está disponível (a consistência da fruta), para estimar alguma variável oculta, no caso, se a fruta está madura, verde ou podre. Nesse exemplo, estamos baseando nossa tomada de decisão (comprar ou não a fruta) em uma correlação imperfeita (nem toda fruta dura está verde, assim como frutas podres podem ter uma consistência “boa”), porém que temos como boa o suficiente para a maior parte dos casos. A prática é chamada de “discriminação” pois está relacionado ao ato de diferenciar coisas, e é “estatística” por ser baseada em inferências estatísticas (correlações) sobre tais variáveis de interesse.

Em economia, discriminação estatística normalmente se refere a teorias sobre desigualdade entre gêneros ou etnias decorrente de incompetência dos empregadores em estimar corretamente a capacidade dos empregados, normalmente se valendo de algum tipo de estereótipo. Se todos acreditam que índios são de fato mais preguiçosos, é bem provável que seus empregadores paguem menos a eles. Igualmente, se “mulheres não são boas com números”, elas vão ser consideradas menos capazes e, consequentemente, serão pior remuneradas para realizar trabalhos que envolvem contabilidade, ou engenharia.

Nem todo caso de discriminação estatística é necessariamente danosa: o Estatuto da Criança e do Adolescente assume implicitamente que crianças são indivíduos em formação mental, física e moral, e institucionalizam normas que asseguram que tal desenvolvimento não será prejudicado. Obviamente, isso não é verdade para muitas crianças e adolescentes, mas de modo geral não vemos a aplicação universal do estatuto como injusto.

É importante reconhecer que existem dois aspectos essenciais durante qualquer discriminação estatística. A primeira é o benefício (ou utilidade) que vai se obter com a identificação correta do que é o melhor naquele caso, seja “o melhor” comprar uma fruta madura ou recompensar justamente um profissional (para o manter na empresa, por exemplo). O segundo aspecto é referente ao custo da obtenção de informação a respeito do que de fato queremos medir. Se o empregador é capaz de avaliar quantas vendas foram feitas por cada empregado, e quanto lucro cada um gerou, o seu sexo ou cor de pele é irrelevante para a tomada de decisão (assumindo que o empregador é racional). Porém, se a medida de competência é difícil de se obter, ela pode gerar um custo, o que força o tomador de decisões a pagar esse custo para obter a melhor informação possível para sua decisão, ou se basear em informações (e correlações) imperfeitas, correndo o risco de falsamente recompensar um empregado incompetente ou não reconhecer um empregado valioso.

De forma geral parece sempre pouco razoável assumirmos que temos, no presente momento, informação perfeita sobre qualquer situação que precisamos tomar uma decisão. Sendo assim, quase todas nossas decisões se baseiam em informações (e correlações) imperfeitas. Isso, porém, não significa que seria impossível elevar esse nível de informação mediante a um custo: poderíamos, por exemplo, realizar uma inspeção psicológica e médica em toda criança para investigar qual é o seu grau de desenvolvimento físico, mental e moral, para avaliar se elas ainda podem ser protegidas sob o Estatuto da Criança e do Adolescente. A questão então é: vale a pena pagar o custo pelos benefícios que serão recebidos?

Essa relação entre custo e benefício pode ser entendida como uma função simples:

Figura 1a de Maitzen (1991) modificada.



Onde x é o custo do aumento da informação, e y é o ganho (ou utilidade) que tal informação extra irá nos dar, e r é o valor máximo de ganho que podemos obter, que teoricamente pode nunca ser alcançado (em outras palavras, r é o valor assintótico da função). Visto que sempre é possível aumentar x, precisamos avaliar qual é o valor que nos dá o melhor ganho relativo, e a partir de qual ponto teremos prejuízo se continuarmos investindo (aumentando x). Tal valor é dado pelo ponto E, que é quando a vantagem ganha pelo aumento de informação é igual ao custo pelo aumento de informação (ou seja, onde a tangente da reta é igual a 1). A partir daquele ponto, estaremos investindo muito mais e ganhando proporcionalmente pouco. Analogamente, antes desse ponto, qualquer investimento resulta em ganhos maiores do que o investimento, ou seja, lucro. Assim, apenas vale a pena se valer de discriminação estatística se o aumento do custo do refinamento da informação causa lucro, e não prejuizo.

Tais custos e benefícios não precisam ser entendidos apenas como financeiros (apesar de ser mais prático pensar assim), mas também como sociais. Assim, teríamos que existem custos sociais (financeiros incluso) de se aumentar a informação e benefícios sociais que seriam ganhos em decorrência dessa informações. De um ponto de vista utilitatista, essa seria uma base ética para julgar a validade de políticas públicas baseadas em discriminação estatística. Uma política publica baseada em correlações imperfeitas só seria justa se ela não causa déficit social ou se fosse possível ter um grande ganho social com um pequeno investimento social em obtenção de informações. 

E o que isso tudo tem a ver com cotas universitárias, afinal?

Cotas são ferramentas que suprem diversas expectativas e necessidades ao mesmo tempo. Por exemplo, se cotas são implementadas apenas para aumentar a proporção de certas etnias ou grupos sociais dentro da universidade, então não há discriminação estatística, pois não há uma premissa oculta de que tal etnia é (em média) mais ou menos capacitada. Tais considerações são irrelevantes, se a única preocupação é elevar a diversidade dentro da universidade, ou a participação social de segmentos excluídos. Cotas, como meio de engenharia social, não são foco de críticas ou análises no sentido de discriminação estatística. Porém, quando falamos de equiparação histórica ou de oferecer oportunidades mais justas (que são os argumentos que escuto mais comumente), estamos necessariamente falando de discriminação estatística.


O presente projeto de lei PLC180 estipula que 50% das vagas das universidades estatuais serão destinadas à vestibulandos provenientes de escolas públicas, sendo que metade dessas vagas serão ofertadas para os que tiverem renda inferior à 1,5 salários mínimos, e todas elas serão distribuídas de forma equitativa no quesito racial, obedecendo a proporção racial observada em uma dada unidade federativa (nota: a PLC180 não é perfeita, inclusive no quesito equitatividade racial, mas deixo isso para um possível futuro post). Tanto o critério racial, quanto o de renda podem ambos ser encarados como casos de estimulo à inclusão social: no caso da questão racial é mais obvio, pois o texto especifica explicitamente que o número deve obedecer a proporção na população. Já na questão de renda, apesar de não explicitado, aproximadamente metade da população pode ser enquadrada nessa categoria, o que significa que esse critério também procuraria equitatividade social.

Quanto a tais características serem bons indicativos de capacidade reduzida de performance acadêmica, acredito que o quesito de baixa renda não seja foco de duvidas. Mas seria a questão racial um bom critério? Ao meu ver sim. Recentes dados do IBGE revelam que existe uma desigualdade social na distribuição de renda em diferentes etnias ou grupos raciais.

Exemplo da distribuição de renda per capta (em salários mínimos) por diferentes etnias no Sudeste do Brasil.


Muito tem-se argumentado sobre a imperfeição da auto-identificação para a definição de raça, e estudos genéticos sobre a hereditariedade de diversas pessoas são levantadas como sendo evidência de correlação imperfeita entre raça auto-proclamada e a história genealógica do indivíduo. Porém, do ponto de vista que coloquei acima, tal investigação não é justificada, pois aceitamos a informação imperfeita por consideramos que os custos para a elevação da informação não compensa o ganho social que será obtido. Um motivo para isso é que não é a composição genética do indivíduo que se correlaciona com o fenômenos que queremos observar (defasagem acadêmica), mas a percepção social de grupos étnicos, algo que auto-percepção parece ser muito mais eficiente em avaliar (ou talvez seja a única forma de se avaliar isso).

Um argumento comum contra a auto-identificação é que pessoas podem mentir durante a realização de vestibulares e outros concursos, o que é verdade. Por esse motivo, qualquer implementação de cota racial que parta deste princípio deve ter agregado um custo da vigilância para possíveis mentirosos, e possivelmente a aprovação de leis que punam os transgressores. Mentirosos e usurpadores devem ser postos em xeque, e o eventual custo social da vigilância e o da punição devem ser adicionados em nossa avaliação dos benefícios sociais que serão derivados desse tipo de política. Analogamente, se o critério não é auto-identificação, mas caracterização por terceiros, devem existir leis que permitam recorrer a decisões mal-feitas, algo que também deve ser contabilizado.

Mas e o critério relacionado a escola de origem? Em um primeiro momento ela pode ser justificada por ser considerada um bom correlato estatístico com baixa renda ou mesmo raça. Porém nenhum desses argumentos se sustenta, moralmente, pois o custo x para a obtenção da informação necessária é baixíssimo. De fato, ele é tão baixo que ele já é incluído no sistema de cotas, de forma que ele apenas funciona como mecanismo de exclusão, principalmente no caso de indivíduos de baixa renda que não vieram de escolas públicas (bolsistas de escolas particulares, ou mesmo indivíduos sem ensino formal) ou membros de etnias discriminadas que estudaram em escolas particulares (e não me parece haver motivo algum para acreditar que eles não sofreram discriminação e não tiveram seu desenvolvimento acadêmico comprometido em decorrência disso). Nesse ponto, ou acreditamos que a escola pública é um indicativo forte de baixo desempenho acadêmico por si só, à exclusão dos outros dois critérios étnicos e financeiros, ou somos forçados a admitir que tal critério é imoral. Se cursar escola pública leva a um baixo desempenho acadêmico (e provavelmente leva), então o estabelecimento desse tipo de cota está apenas endossando uma falha do próprio estado, não muito diferente da lógica do Progressão Continuada, algo que é dificilmente uma solução para qualquer coisa.

Em suma,

  • Não vejo uma boa justificativa moral para a implementação de cotas “sociais” no sentido de conferir cotas a alunos advindos de escolas públicas, sendo que é possível elevar o nível de informação com um custo social proporcionalmente inferior ao ganho social: este esquema de cotas estaria abaixo do ponto E

  •  cotas raciais e as baseadas em renda me parecem plenamente justificadas, desde que explicitamente destinadas a promover a equitatividade, pois agregam a informação necessária para combater o problema social percebido, estando ambas próximas ao ponto E. Isso não significa que tais cotas são perfeitas, mas que, dada nossa percepção do problema, elas parecem ser uma solução adequada, logo ética.

Fonte:
Maitzen, S (1991). The ethics of statistical discrimination. Social Theory and Practice, 17, 23-45 : 10.5840/soctheorpract199117114

Cotas: preparando o terreno

Enquanto termino de preparar meu post um pouco mais estendido sobre cotas universitárias, gostaria de dividir esse documentário muito interessante sobre a questão de cotas raciais na UnB.

Acho que muitos bons pontos são levantados de ambos lados. Enquanto concordo de forma geral que todas as formas de sectarismo são perversos, não posso deixar de reconhecer que tal sectarismo está presente na mentalidade e na nossa cultura, de uma forma ou outra.

Um ponto que me chamam a atenção profundamente nesse documentário é a prevalência de indivíduos brancos combatendo as cotas raciais. Não sei se foi algo intencional dos produtores do documentário, mas é algo que nos faz pensar.

20 perguntas que os ateus têm dificuldade em responder


Semana passada Peter Saunder compilou uma lista de 20 perguntas a ateus que, segundo ele, não tiveram respostas decentes nos últimos 40 anos. Decentes para Saunder, pelo menos. De qualquer forma, eu falho em ver o ponto dessas perguntas. Afinal, a incapacidade ou dificuldade de ateus responderem tais perguntas não torna uma alternativa supernatural necessariamente uma resposta válida. Adicionalmente, muitas dessas perguntas tem cunho científico. Qual é a suposição oculta aqui? Que apenas ateus são cientistas (ou que ciência é ateia?).

Não tenho a pretensão de responde-las completamente, principalmente porque algumas delas requerem o mínimo de pesquisa (e acreditem ou não, eu tenho outras coisas para fazer). De qualquer forma acho válido registrar minha opinião sobre esses assuntos.

1) O que causou a existência do universo?

Eu não estava ciente que já haviam demonstrado que o universo tinha tido uma causa. Afinal, a pergunta não é se o universo tem uma causa, mas qual é ela. Essa pergunta pode ir para qualquer lado. Afinal, se formos igualar “universo”=”o que teve inicio com o Big Bang”, então existem muitas respostas possíveis, incluindo a resposta dada por Lawrence Krauss. Note que a resposta de Krauss não responde “por que existe algo e não nada”, mas responde o porque o que existe assume a configuração que vemos, sendo que essa configuração é o que “teve inicio com o Big Bang”. Outra possibilidade é simplesmente que o universo não teve uma causa, seja porque ele é eterno, ou seja porque ele tem uma origem a-causal.

Responder porque existe algo e não nada é uma pergunta diferente.

2) O que explica o ajuste fino das constantes universais?

O ajuste fino das constantes universais, até onde me consta, é a descrição de um padrão visto nas leis usadas para descrever o comportamento dos sistemas físicos. Ou seja, o ajuste fino é apenas um padrão das nos parâmetros de modelos descritivos. Visto que tais leis lidam com contextos muito específicos e livres de erros, o “ajuste” dos parâmetros é uma simples função da ausência de erro nesses sistemas (ou erro nos experimentos criados para testa-las).

Perguntar o que causa o ajuste fino das constantes universais me soa como uma falácia de equivocação, na qual substituímos os modelos descritivos do universo pelo universo e assumimos que, visto que números variam em uma escala, e tais modelos tem parâmetros (constantes) numéricas, logo tais constantes  poderiam assumir quaisquer valores. Eu não estou certo de que isso é possível.

3) Porque o universo é racional?

Até onde sei, racionalidade é uma propriedade de cérebros, e não de universos. Talvez a pergunta seja “porque o universo pode ser descrito racionalmente?”. Se de fato a pergunta for essa, me parece que nossa capacidade de entender o universo é uma função do fato de que o universo é ordenado e que nossos cérebros evoluíram nesse contexto, nos fornecendo ferramentas para interpreta-lo.

Um exercício interessante é tentar imaginar como seria um universo que não é descritivel de forma racional. Tal “universo irracional” impediria qualquer tipo de inferência racional, o que me parece o mínimo necessário para o surgimento de seres racionais. Ou seja, se existisse vida em tal universo (o que eu também acho que seria impossível, visto que não haveria transferencia de informação), ela simplesmente nunca evoluiria para ser “racional”, pelo menos não da maneira que nós somos. Porém imagino que existiria a possibilidade de algum tipo de processamento axiomático eficiente e extrapolável, basicamente porque parece um jeito eficiente e versátil de exploração da realidade.

4) Como DNA e aminoácidos surgiram?

Através de processos químicos. Os aminoácidos são a parte mais fácil, obviamente. Desde os experimentos de Urey-Miller que sabemos que é possível criar aminoácidos através de processos químicos. Muito se fala que as condições ambientais simuladas nesses experimentos não refletiam as condições reais da Terra primordial, porém normalmente se deixa de fora o fato de que experimentos recentes, com condições mais próximas dos modelos atuais para atmosfera primitiva, conseguem produzir mais aminoácidos que os experimentos originais.

No caso do DNA a questão é um pouco mais complicada, porém tanto a origem de nucleotídeos quanto a polimerização de polinucleotideos pode ser atingida naturalmente. A formação de cadeias mais longas e codificantes provavelmente envolveu algum tipo de processo biológico.

5) De onde veio o código genético?

Existem 3 principais teorias da origem do código genético. A primeira é a teoria estero-quimica, na qual a associação entre códon, anti-codon e amnoácidos se dá por afinidades fisicoquímicas. A segunda é a teoria coevolutiva, que postula que a estrutura do código co-evoluiu com as rotas catalíticas dos amnoácidos. A terceira é a teoria do “acidente congelado”, na qual o fato de todos os organismos terem o mesmo código simplesmente por compartilhar um ancestral comum. Tais teorias não são mutualmente exclusivas.

6) Como cadeias de enzimas complexamente irredutíveis evoluem?

Vale lembrar que complexidade irredutível é definido de diversas formas, porém a mais usual é “uma estrutura complexa que deixa de exercer uma função se uma de suas partes é removida”. Disso normalmente se infere que é impossível evoluir tal estrutura por seleção natural, visto que é impossível exercer seleção para a melhora de uma função, sendo que o estado anterior hipotético não poderia ter essa função. Nesse contexto, basta termos rotas metabólicas que exercem outras funções sendo coaptadas para exercer uma nova função. Basta que o passo anterior seja levemente mais benéfico para o organismo que o anterior. Na verdade, acredito que muito da questão da complexidade irredutível vem do fato de que criacionistas avaliam as rotas metabólicas individualmente, ignorando que elas estão em organismos em um contexto ecológico. Mesmo uma pequena queda de aptidão para dada função pode ser compensada por um incremento maior de aptidão em outra característica. O que importa é a aptidão total do organismo e, consequentemente, a aptidão média da população.

Isso torna a dinâmica evolutiva bastante complicada e não linear, visto que não podemos traçar a evolução de dado sistema simplesmente avaliando a função atual do sistema. Mas o fato de ser complicado não significa que é impossivel, como os criacionistas costumam achar.

7) Como nós podemos explicar a origem de 116 famílias linguisticas distintas?

Suponho que através de algum principio de evolução cultural. Afinal, as famílias podem ser construtos artificiais que reconhecemos como discretos apenas porque as informações que agrupavam distintas famílias em grupos mais inclusivos foram superescritas por um longo processo de desenvolvimento cultural. As evidências parecem apontar para o fato de que a origem linguística é única e que processos culturais e padronização geográfica são essenciais para entender a evolução da linguagem.

De qualquer forma, as distintas linguagens não necessariamente surgiram de apenas uma linguagem ancestral. A capacidade para a linguagem parece estar presente em primatas não-humanos, assim como indícios de diferenciação cultural entre populações. Origem independente e fluxo cultural podem ter dominado o inicio da história da comunicação linguística humana.

8) Porque cidades surgiram subitamente por todo o mundo entre 3000 e 1000 AC?

Até onde sei, 2000 mil anos não é “súbito”, principalmente em termos de história humana. De qualquer forma, eu não sei se isso é verdade. Até onde sei, as primeiras cidades datam de até 7500 AC (Eridu – 5400AC; Uruk- 4000AC; Ur- <3000AC; Çatalhöyük-7500AC), o que é consistente com a idea de que a construção de ocupações mais permanentes e do estabelecimento de grandes áreas agricultáveis só foram possíveis com o aumento da temperatura após o ótimo climático do Holoceno.

9) Como é possível a existência de pensamento independente em um mundo governado por acaso e necessidade?

O que essa pergunta quer dizer exatamente, eu não tenho certeza. Saunder parece querer insinuar que necessidade implicam em ausência de escolha e que acaso implica em acausalidade e que pensamento independente (presumidamente livre-arbítrio) ocorre. Porém se minha interpretação está correta, essa pergunta é igual a uma que veem a seguir (explicitamente sobre livre-arbitrio).

Acho que nesse momento não é possivel responder a pergunta sem entender exatamente o que “pensamento independente” é.

10) Como explicamos a auto-consciência?*

Provavelmente como uma função superior de um cérebro complexo e modular, surgido através de evolução. Até onde sabemos, autoconsciência (“self-awareness”) está presente não apenas em humanos, chimpanzés, orangotangos e até alguns macacos. Apesar disso indicar que existe uma origem evolutiva comum para a consciência, nem todos grandes primatas apresentam a capacidade de auto-reconhecimento (usado como indicio de consciência), o que sugere que as bases para a consciência podem estar presentes em diversos graus em diferentes linhagens de primatas, mas as condições específicas para o seu surgimento possam envolver mais fatores, como capacidade de aprendizado, por exemplo.

11) Como o livre-arbítrio é possível em um mundo determinista?

A resposta é fácil: ele não é. Ou ao menos o livre-arbítrio libertario. Agora, se formos usar a definição de livre-arbítrio compatibilista, pela própria definição, o livre-arbítrio seria compatível com determinismo (não que eu entenda o ponto do livre-arbítrio compatibilista como sendo um tópico para discussão).

12) Como explicamos a consciência?*

Sabemos que pessoas com lesões cerebrais tem capacidades de raciocínio moral modificadas ou prejudicadas, como no famoso caso do Phineas Gage. Ou seja, a capacidade de pensamento moral são contingente em características estruturais de nosso cérebro. Curiosamente, muitas características típicas do comportamento de culpa estão presentes em outros animais sociais , e são usados como reforço de relações sociais e para minimizar os efeitos das transgressões contra parceiros de grupo, o que estabelece um continuo natural entre o comportamento visto nesses animais e o nosso comportamento moral.

13) Qual é a base de nossos julgamentos morais?

Nossas vontades, nossa capacidade de empatia e, sobretudo, razão. Não é nada mágico se você para pensar. Todos nós queremos coisas e sentimos obrigações morais para com outros membros de nosso grupo social. Não apenas isso, tais coisas que queremos normalmente são realizadas por intermédio da sociedade (que seja comprar uma Ferrari, afinal, você não tem uma manufatura de Ferraris no seu quintal), o que torna a transformação da sociedade um instrumento essencial para que possamos conseguir essas coisas. Claro, outros membros de nossa sociedade despertam nossa empatia, mas também nosso medo, é isso que significa ser parte de uma espécie de animais sociais. Sendo assim, regras gerais de conduta são estabelecidas para um convívio social menos tenso. 

Na minha opinião, a regra de ouro continua sendo o melhor ideal de conduta social, porém isso nem sempre leva em conta o fato de que os outros membros da sociedade podem ser cretinos e simplesmente fazer com você exatamente o que não querem que seja feito com eles.

14) Porque sofrimento importa?

Bom, ele não importa, ao menos para a grande maioria do universo. Ele importa para nós. O porque disso decorre, como falei acima, de nossa natureza (como um animal) social e nossos desejos para uma sociedade melhor (que está implícito em nossa busca por coisas boas). Nesse tipo de sistema, sofrimento é um indicativo relativamente forte de que as coisas andam mal e que, se um numero grande de pessoas sofrem no seu convívio social, é bem provável que você venha a sofrer também. 

15) Porque seres humanos importam?

De novo, eles importam para nós, que somos humanos pelos mesmos motivos colocados acima. Nós vivemos em um meio social: sem isso, até o mais desfavorecido dos seres humanos seria apenas um louco no meio do mato sem a capacidade de articular um pensamento coerente, se muito. Até em nossos estados mais primitivos nós dependíamos de nosso bando. Ou seja, imaginar um ser humano isolado do resto de seu convívio social é quase como remover do sistema qualquer pessoa que possa vir a se importar com algo.

16) Porque ligar para justiça?

Porque ela faz parte de uma sociedade funcional onde é possível (ao menos em tese) conseguir as coisas que desejamos, através da transformação da sociedade, como já coloquei. A justiça é o mecanismo que tenta impedir que cretinos (ou sociopatas) sejam cretinos.

Porém se a palavra justiça está relacionada à “retribuição”, então a resposta é que devemos ligar para ela porque algumas pessoas precisam disso para fazer algum tipo de racionalização de injustiças cometidas contra elas ou contra entes queridos. Retribuição, na forma de punição estatal, parece apenas funcionar como um dispositivo de coesão social, nesse sentido. Minha opinião é que, na maioria dos casos, não precisamos deles.

17) Como explicamos a quase universal crença no supernatural?

Através de predisposição cognitiva humana à pensamento teleológico e intencional (referencias aquiaqui e aqui). O que isso significa é que nós temos uma capacidade inata de reconhecer propósito e intencionalidade na natureza, mesmo quando essa não existe. Tal predisposição é independente de nossa bagagem cultural (principalmente por estar presente antes de que qualquer aprendizado expressivo ocorra), o que significa que não é religião que a perpetua, mas que ela é um dos mecanismos através da qual nossas crenças supernaturais se expressam. Tais mecanismos parecem ser exatamente os mesmos por trás do reconhecimento de design na natureza. Tais predisposições inatas parecem correlacionar negativamente com o nível de instrução até mesmo em idades pouco avançadas, sendo substituídas aos poucos por raciocínio mediado por regras (aprendidas). Não tão espantosamente, parece haver uma influencia negativa de religiosidade em grau de escolaridade científica.

18) Como sabemos que o supernatural não existe?

Eu não sei se tal pergunta sequer faz sentido. Em quase qualquer definição de “supernatural” que eu consiga conceber, a detecção dele implicaria que tal coisa que foi detectada não é supernatural, apenas desconhecida. Se o supernatural “real” existe de fato, ele não é apenas indetectável, como também não influencia nada em nossa realidade. Ou seja, o supernatural pode existir de forma que não ajude em nada o argumento teísta.

19) Como podemos saber se existe uma existência consciente após a morte?

Da forma que vejo, através de ciência. Afinal, basta descobrir um procedimento pelo qual nossa mente pode ser transmitida através de algum tipo de meio para tal tipo de existência. Existe um pequeno porém ai: sabemos que nossa mente é uma função fisiológica de nossos sistema nervoso central, que é amplamente influenciada não apenas pela conformação específica de sinapses de cada cérebro individual, assim como outros sistemas do nosso corpo. O que entendemos por “mente” é um aspecto de nosso corpo físico. Tal aspecto poderia ser transmitido para esse outro meio (não vejo nenhum tipo de impossibilidade lógica em isso acontecer), porém isso me parece que envolveria algum tipo de transferência de massa/energia para esse outro sistema (afinal, nossas mentes são materiais). E mesmo assim, não vejo como isso necessariamente implicaria em “consciência”. Afinal, a mente age através do corpo, e remover um aspecto apenas e dizer que aquilo apresenta as mesmas propriedades que o todo possuía (pelo menos a propriedade que nos importa) não me parece muito justificado. Seria como fazer um backup de um GPS de um carro e ainda assim achar que o seu pendrive pode te levar até Ubatuba.

20) Como explicar a tumba vazia, as aparições de Jesus após a morte e o crescimento da Igreja?

Eu não estou sequer convencido que Jesus realmente foi uma pessoa real (como acho que deixei a entender nesse post). A tumba vazia, assim como as aparições podem ser explicadas por qualquer outro mecanismo que gerou outros mitos equivalentes. Mesmo um cristão pode entender isso, a não ser que ele também aceite a ressurreição de Hercules, Apolônio de Tiana, Julio Cesar ou, em um exemplo mais recente, Elvis Presley. De forma equivalente, o crescimento da Igreja cristã pode ser explicado igualmente pelo mesmo processo que promoveu o crescimento de outras igrejas que apresentaram uma rápida expansão como o Islã.

Ou seja, a não ser que alguém advogue algum tipo extremo de sincretismo religioso (todas as religiões são verdadeiras ao mesmo tempo), todos nós vamos usar argumentos similares e naturalistas para explicar qualquer um desses fenômenos.

*Autoconsciência é do original “self-awareness” e consciência é do original “conscience”. Apesar de ambos serem traduzidos como “consciência”, o significado (pelo contexto e pelas discussões) parecia ser diferente: 1) capacidade de introspeção e de se reconhecer como aparte de outros e do meio e 2) guia moral interno, para autoconsciência e consciência, respectivamente.

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Nota: Peter Saunder já respondeu 6 perguntas, tentando mostrar como o teísmo faz um trabalho melhor em responder essas perguntas. Ele reiterou que não sabemos a resposta (o que é conveniente, quando você ignora ela), logo Jesus.

Burocracia em favor do preconceito

Como muitos devem saber, está sendo veiculada a noticia de que duas garotas foram expulsas de um colégio por serem homossexuais. Os detalhes são bem chocantes, como a atitude dos professores e a comparação de homossexualidade com assassinato. Porém não foi isso que me chamou atenção. Foi a desculpa dada pela escola para justificar as expulsões:

“A verdade é que ela infringiu uma regra clara da escola e por isso ela recebeu a sanção do afastamento, a questão da intimidade sexual. O aluno, independente se é um relacionamento homossexual ou heterossexual, ele recebe a mesma consequência”, afirma o diretor do colégio Weslei Zukowski.

Ou seja: “Não somos preconceituosos: reprimimos sexualmente todos nossos alunos.” Certo…

Porem não pude deixar de me recordar de um caso também ocorrido em uma escola, quando um garoto foi punido por não tirar o boné na hora da oração. Claro, a regra do colégio era que o boné não era permitido em sala de aula, então pedir que alguém remova o boné é totalmente condizente com as regras. Mas o ponto é que o mesmo não era cobrado de nenhum outro aluno em nenhum outro momento: apenas o aluno que se recusou a faze-lo em um momento específico (nota: a escola era pública).

Acredito que essa aplicação seletiva de leis como veículo de preconceito não seja uma questão pontual. A tempos lembro de ter lido em uma entrevista na Piauí (infelizmente não poderei referenciar) na qual um delegado explicava como a lei é construida para criminalizar o pobre. Um bom exemplo que vemos sempre são os acusados de crimes de “colarinho branco” respondendo em liberdade, enquanto “ladrões de galinha” são confinados por anos até um julgamento. O motivo disso, até onde me consta, é que um dos critérios para responder em liberdade é possuir um emprego fixo e uma residência, coisa que ladrões de galinha raramente possuem.

Esses são apenas alguns exemplos que podemos ver “legalismos” sendo usados para a perpetuação de ações preconceituosas (e injustiças), e acredito que existam muitos outros.

Porque devemos comer carne

Original: John S. Wilkins, evolvingthoughts.net

Humanos, assim como outros primatas, comem principalmente raízes, vegetais e nozes, mas irão comer carne quando disponível. Carne é uma valiosa fonte de proteínas e outros recursos nutricionais, e não pode ser desperdiçada. Mas, apesar dessa ser uma afirmação de fato, ela não é uma afirmação de obrigação ou permissão moral. Eu irei argumentar que nossa história evolutiva torna a ingestão de carne não apenas inevitável, mas algo que vale a pena, apesar de que eu não advogaria em favor da quantidade de carne que ingerimos hoje no mundo ocidental.

Existem muitas teorias de ética, mas uma das mais antigas e influenciais é a visão que pode ser traçada até Aristoteles: a Boa Vida é aquela que leva ao florescimento da vida humana. Isso é chamado de “eudaimonia” em Aristoteles. Agora, dessa perspectiva, o que devemos fazer é o que contribui para a eudaimoni, e por acaso todos concordam que humanos evoluíram para, e se desenvolvem melhor quando, comem uma dieta primariamente constituída de matéria vegetal, com uma pequena quantidade de carne, a famosa “pirâmide alimentar” da escola primária. Existem nutrientes que humanos requerem que a carne provêem e são impossíveis ou muito difíceis de serem obtidos de outra forma.

Eudaimonismo é uma ética “espécie-relativa”. Diferentemente da ética universal do vegetarianismo, direitos e deveres morais não são necessariamente estendidos para outras espécies, mas eles se aplicam à todos os humanos. Em “Expanding the Circle” (Expandindo o Circulo), Peter Singer argumenta que direitos morais são universais a todos os seres sencientes; uma visão eudaimoniana não presume isso. Esse é o universalismo de Kant, não de Bentham. Nós sabemos que todos humanos têm direitos e posturas morais; nós precisamos saber com que base nós devemos conferir direitos a animais. Nós presumimos que membros da especie humana têm uma natureza moral.

Sociedades escolhem conferir direitos baseados nas propriedades morais das pessoas. Pode ser objetado que essa visão faria crueldade contra animais permissível. Isso não procede. Como Kant notou, crueldade contra animais afeta seres humanos, degradando sua natureza moral, e apenas com base nisso ela deveria ser proibida. Mas nós podemos também conferir direitos para não-humanos com base no fato de deterêm algumas ou todas as propriedades morais dos humanos. Por exemplo, adultos de grandes primatas tem as capacidades cognitivas aproximadas de uma criança de três à cinco anos; e então eles deveriam ter os direitos e proteções conferidas a aqueles humanos.

Portanto não devemos comer, ou permitir que comam, grandes primatas ou outras espécies com capacidades cognitivas comparáveis. Mas os animais de abate não estão nessa classe (e aqueles que estão, em algumas culturas, como cachorros, deveriam ser excluidos da categoria de “animais de abate”). Nós deveríamos demandar que animais sejam abatidos (e criados) de forma humana (ou seja, sem crueldade ou dor), mas isso não é o suficiente para que seja proibido consumi-los.

Uma implicação disso entretanto é que nós devemos fazer todas as coisas que contribuem para o florescimento humano, e que isso irá incluir a redução da quantidade de carne ingerida, por vários motivos: muita carne leva a várias doenças, desde gota até problemas cardíacos; carne é um recurso caro e ultimamente insustentável nos níveis atuais; e animais de abate são rotineiramente invasores e ecologicamente nocivos.

Em todas as coisas, proporcionalidade é a chave para o florescimento. Muito de qualquer bem pode se tornar um mal. Um pouco de carne é bom; muito dela é um mal. Isso também é uma visão antiga dos gregos. Epicurianos diziam que o prazer é bom, mas muito dele não é. Em contraste com os extremismos do vegetarianismo, todas as coisas, em moderação, para o florescimento da humanidade, este é o caminho.

Chomsky chama Harris e Hitchens de fanáticos religiosos

Hoje Daniel Dannett publicou em sua página no Facebook um vídeo do Noam Chomsky, linguista e intelectual de esquerda, dando sua opinião sobre Sam Harris e Christopher Hitchens:

Em primeiro lugar eu acho que eles [Harris e Hitchens] são fanáticos religiosos. Eles por acaso acreditam na religião do Estado, que é muito mais perigosa do que outras religiões […]. Ambos são defensores da religião do Estado, a religião que diz que precisamos apoiar violência e atrocidades do nosso próprio governo porque está sendo feita por todos estes maravilhosos motivos, que é exatamente o que todo mundo diz em todo Estado.

Acho um tanto estranho chamar qualquer tipo de posição ideológica extremista como “religiosa”. Afinal, se religião é qualquer coisa, a ausência dela (secularismo) deveria ser algo que não pode ser classificado como religião. De qualquer forma, não posso dizer que discordo da crítica do Chomsky: o endosso que Hitchens ofereceu à invasão do Iraque sempre me foi desconfortável e as justificativas que ele ofereciam sempre me soavam boas o suficiente apenas se você assumia que intervencionismo militar era algo aceitável.

Essa crítica do Chomsky não é nova. De fato, ele parece ver o movimento “neo-ateísta” como inútil (por apenas oferecer uma mensagem à pessoas que já concordam) ou danoso (por endossar o tipo de violência que ele critica), opinião essa fortemente enviesada pela sua opinião sobre Harris e, principalmente, Hitchens. Tal discórdia parece ter começado logo após 11 de Setembro, quando Chomsky publicou um comentário sobre o atentado que foi interpretado por Hitchens e Harris como uma tentativa de justificar o ocorrido como consequência da política intervencionista Norte-Americana. O debate que se desenrolou não foi nada amistoso, sendo que umas das acusações mais sérias que Chomsky fez a Hitchens é que ele estava sendo deliberadamente enganoso.

Nos comentários do meu post passado, meu colega Xis indagou o porque dos “neo-ateus” tenderem para a direita. Meu chute foi que o 11 de Setembro teve um impacto grande na geração do movimento, e que a defesa de ações intervencionistas e autoritárias eram algo esperado dentro do movimento, visto que a motivação para a crítica à religião e para tais ações é a mesma (terrorismo muçulmano). O debate de Chomsky e Hitchens me parece consistente com essa narrativa, assim como o fato de Harris ter colocado que nenhuma de suas posições era particularmente nova.

Sam Harris: defendendo a discriminação?

Eu gosto de muito o que Sam Harris diz. Sua abordagem consequencialista sobre moralidade e sua visão sobre livre-arbitrio são ambas muito similares a o que penso e é sempre muito bom ver alguém com algum tipo de voz no cenário internacional difundindo ideias compatíveis com as suas sobre questões tão importantes como ética e moralidade. E é por esse motivo que fiquei profundamente decepcionado com um recente post em seu site.

Ele inicia comentando sobre o teatro que os passageiros tem que passar quando são aleatoriamente selecionados em aeroportos para serem revistados (muitas vezes de forma bastante invasiva) e terem seus sapatos removidos para a procura de material explosivo. Ele conta o caso de um casal de idosos e uma garotinha apavorada de três anos que teve que remover sua sandália para que fossem investigadas. Concordo que muitas dessas medidas são abusivas e desnecessárias, mas para Harris, o buraco é mais embaixo:

Existe algo que podemos fazer para parar essa tirania de justiça? Algum semblante de justiça faz sentido- e, desnecessário dizer, as malas de todos deveriam ser revistadas, apenas porque é possível colocar uma bomba na bagagem de outros. Mas a TSA [segurança dos aeroportos] tem uma quantidade finita de atenção: Cada momento revistando o Coral Góspel Mórmon subtrai do escrutínio destinado à ameaças mais prováveis. Quem poderia falhar em compreender isso?

Imagine o quão fátuo seria lutar uma guerra contra o IRA e mesmo assim se recusar à discriminar [para a revista] os Irlandeses? E mesmo assim é assim que nós estamos lutando nossa guerra contra o terrorismo Islamico.

Confesso, eu não tenho que passar pela experiência de ser continuamente discriminado. Sem dúvida seria frustrante. Mas se alguém vagamente parecido com o Ben Stiller fosse procurado por crimes contra a humanidade, eu entenderia se eu virasse algumas cabeças no aeroporto. Entretanto, se eu fosse forçado a esperar atrás de uma fila para uma revista desnecessária de mais pessoas, eu certamente iria ressentir a adicional perda do meu tempo.

Nos deveríamos descriminar muçulmanos, ou qualquer pessoa que concebivelmente possa ser um muçulmano e deveríamos ser honestos a respeito disso.

Yep, é isso mesmo. Ele não disputa a paranoia (que me parece obvia) ou mesmo sequer a inutilidade operacional de tais revistas, coisa que ele reconhece. Não… o problema é que não estão revistando quem deveria ser revistado: os muçulmanos, ou pessoas que se pareçam com um. E, aliás, o que diabos é “se parecer com um muçulmano”? Alguém de pele escura e de barba?

Isso sem contar a justificativa dada por Harris para a discriminação é absurda. Claro que se você parece com alguém que está sendo procurado pela polícia, é esperado que você seja abordado mais frequentemente. Mas os muçulmanos que seriam presumidamente parados nessas revistas não se parecem com ninguém: eles apenas se parecem com um estereótipo de muçulmano, um grupo que presumidamente tem maior chances de conter terroristas por algum motivo esdrúxulo. Ver alguém como Sam Harris defendendo uma prática claramente discriminatória por nenhum bom motivo é bastante embaraçoso.

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Atualização (04/05/2012)

Sam Harris publicou um adendo em seu blog sobre o assunto. Não é uma desculpa, é uma explicação sobre o porque de sua postura não ter se desviado do que ele já defendia. Ou seja, quem ficou impressionado, assustado ou decepcionado com sua postura na verdade não havia parado para pensar nas consequências do seu tipo de discurso. Eu posso aceitar isso e confesso que eu sou um dos que não parou para pensar, aparentemente.

Ele ainda reitera que ele não está defendendo discriminação racial (apenas discriminação, por assim dizer), mas aqui eu acredito que ele está sendo insincero. Ele sabe muito bem que muçulmanos são normalmente associados à um estereotipo racial, e defender o “profiling” com base em primeiras impressões é apelar para esse estereótipo ou qualquer outro aspecto fenotípico, estético ou estilístico. Estereótipos esses que falham, obviamente, como indicadores de inclinações terroristas. Harris então compara o “profiling” que ele ele advoga, com o “profiling” psicológico, algo que é obviamente impossível de ser feito em um aeroporto em uma fila de espera.

Ao meu ver, ou Harris está realmente confuso sobre o que ele de fato está defendendo, ou ele notou que foi descuidado em suas colocações e está tentando remediar da melhor maneira possível sem ferir profundamente seu ego.