Há alguns meses uma notícia circulou pelos jornais de Mato Grosso do Sul. Uma  onça pintada atacou de forma fatal um caseiro de uma chácara no Pantanal. Episódios de animais silvestres atacando e predando seres humanos são comuns e frequentes? O que há de explicação para esses fatos? Neste texto, discutiremos sobre os casos de ataques de pessoas por animais silvestres e as possíveis causas que levaram a essa situação. 

Carla Marques Sant’Ana

Revisão: Gildo Girotto, Mayara de Carvalho, Letícia Kurihara.

O que está acontecendo?

“Onça devora caseiro no MS: governo lança equipes para capturar o animal” [4]

“VÍDEO: onça circula por rua comercial, se esconde em garagem de prédio e assusta moradores de Iconha, no ES” [11]

“Aparição de onça perto de colégio em Santana de Parnaíba aconteceu há um mês, diz prefeitura” [5]

Recentemente, notícias como estas têm sido destaques mais frequentes. Notícias que envolvem seres humanos em contato com animais silvestres e, às vezes, sendo predados na situação. O acontecimento citado na primeira manchete, no qual o caseiro e pescador Jorge Ávalo foi morto, pode ter alguns motivos, como por exemplo a ausência de presas em seus habitat natural pela alteração gerada pela própria ação humana (como o desmatamento). Claramente, este é um dos vários fatores possíveis e tal fato contribuiu para aumentar o risco da ocorrência do ataque animal, já que normalmente os humanos não são as presas naturais de tais mamíferos, sendo o ataque mais comumente associado a situações específicas de defesa  [8].

Vale destacar também que os animais silvestres estão tendo cada vez menor disponibilidade de espaço e, com isso sendo expostos ao convívio humano, condicionados a alimentos impróprios e insuficientes e, por isso, necessitando procurar fontes alternativas de alimentação em lugares fora de seus habitats [15].

Mas por quê?

Mas no fim, o que será que aconteceu para a onça-pintada ter procurado possíveis presas ao redor da casa do caseiro? 

A região em que o caseiro morava é caracterizada pela natureza selvagem e por ser uma área que integra o Pantanal, um dos biomas mais importantes do Brasil. Infelizmente o Pantanal vem enfrentando grandes incêndios florestais de modo que as queimadas nessa região foram responsáveis pela destruição de 17% do bioma, além da emissão de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso. Esses últimos, gases responsáveis pelo efeito estufa, na atmosfera em uma quantidade de 183 megatoneladas, valor que ultrapassa a média anual de aproximadamente 161,6 megatoneladas [1, 10].

  Com isso, além da condição precária de saúde que a onça-pintada se encontrava, por apresentar anemia leve, gastroenterite, fígado e rins comprometidos, de acordo com o boletim veterinário, a mesma pode ter atacado e se alimentado de Jorge Ávalo por causa de uma escassez de presas naturais no ambiente. Com o aumento das queimadas massivas no Pantanal, animais que se alimentam da vegetação local estão sendo privados de sua alimentação convencional, estando sujeitos a uma maior exposição aos predadores da região. Isso, em razão dos esconderijos que os mesmos utilizavam e encontravam na natureza estarem sendo devastados pelo incêndio. Além disso, pela pobreza de recursos ambientais, a estrutura alimentar do ecossistema é perturbada através de alterações, causando a migração desses seres vivos para outros lugares [3, 7, 14].

Ou seja, uma vez que um sistema começa a ser desgastado por ações não naturais, o mesmo sofre com mudanças que afetam todos os seres que o habitam, gerando o desequilíbrio ambiental mais amplo.

Por exemplo, o Pantanal desempenha um papel fundamental na biodiversidade brasileira, com pelo menos 4.700 espécies e uma área de 610.000 km². Ela é, portanto, vital para o equilíbrio ecológico. [9] 

Sua bacia hidrográfica nasce em áreas mais elevadas e flui para a chamadas planícies inundáveis, transportando consigo sedimentos e nutrientes para a fauna e flora do local. A ação humana nessas águas é extremamente danosa para todo o resto do bioma.

 O desmatamento e a intensificação das práticas agrícolas, por exemplo, aceleram o assoreamento dos rios, e consequentemente a diminuição do fluxo de água, degradando diretamente a vida local, ameaçando a flora e obrigando a migração da fauna para biomas adjacentes. Ou seja, na adaptação destes animais ao novo nicho ecológico, há a possibilidade de que, para a própria sobrevivência, seja necessário a invasão do ambiente dominado pelo homem.

Desequilíbrio Ambiental?

O desequilíbrio ambiental é o resultado de alterações que prejudicam um ecossistema, as quais muitas vezes tem nas atividades humanas a sua responsabilidade, como por exemplo a  poluição, o desmatamento, a caça e as queimadas. É mais ou menos como aquele meme – É raro mas acontece muito!

O Pantanal, como citado anteriormente neste texto, é um bioma brasileiro em que as queimadas e o desmatamento, induzidos pelo homem muitas vezes para expansão de terra para a pecuária, são os agentes protagonistas para a degradação do habitat, afetando diretamente o ecossistema. Assim, com a degradação ambiental do Pantanal, toda a cadeia alimentar do bioma é alterada, impactando na sobrevivência de diversos seres vivos, assim como ocorreu no caso da onça-pintada, que matou o caseiro por um instinto de sobrevivência com o objetivo de suprir sua nutrição [6, 9, 12-13].

Os diferentes seres vivos têm necessidades naturais que buscam dentro dos ambientes em que vivem. Portanto, alterar o ambiente gera consequências diversas. Trouxemos aqui um caso dentre tantos outros que poderiam ser citados. O intuito, mais do que pensar neste caso, que foi uma tragédia, é pensar um pouco mais amplamente em como as ações diversas de dominação dos seres humanos podem interferir nos diferentes ecossistemas.

Referências 

[1] BATISTA, Everton L. Pantanal teve 17% da área total queimada em 2024, apontam dados de satélite. Folha de S.Paulo. 24 de jan. de 2025. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/01/pantanal-teve-17-da-area-total-queimada-em-2024-apontam-dados-de-satelite.shtml> Acesso em: 6 de maio de 2025.

[2] BIERNATH, André. Amazônia e Pantanal têm piores queimadas das últimas duas décadas, alerta agência europeia. BBC News Brasil. 22 de set. de 2024. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cr5423pgvd9o> Acesso em: 6 de maio de 2025.

[3] CAMARGO, Naiara. Onça que matou caseiro está com anemia e gastroenterite. Correio do Estado. 28 de abr. de 2025. Disponível em: <https://correiodoestado.com.br/cidades/onca-que-matou-caseiro-esta-com-anemia-e-gastroenterite/447355/> Acesso em: 15 de maio de 2025.

[4] COELHO, Thomaz. Onça devora caseiro no MS: governo lança equipes para capturar o animal. CNN Brasil. 23 de abr. de 2025. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/onca-devora-caseiro-no-ms-governo-lanca-equipes-para-capturar-o-animal/> Acesso em: 15 de abr. de 2025.

[5] FOLHA DE ALPHAVILLE. Aparição de jaguatirica perto de colégio em Santana de Parnaíba aconteceu há um mês, diz prefeitura. Folha de Alphaville. 25 de abr. de 2025. Disponível em: <https://www.folhadealphaville.com.br/cidades/aparicao-de-jaguatirica-perto-de-colegio-em-santana-de-parnaiba-aconteceu-ha-m-mes-diz-prefeitura> Acesso em: 15 de maio de 2025.

[6] FRANZÃO, Luana. Entenda os impactos do recorde de queimadas no Pantanal nos animais da região. CNN Brasil. 29 de set. de 2020. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/entenda-os-impactos-do-recorde-de-queimadas-no-pantanal-nos-animais-da-regiao/> Acesso em: 19 de maio de 2025.

[7] GODOY, João P. Falta de alimentos, desequilíbrio, risco de extinção: como as queimadas afetam os animais do Pantanal. g1 MS. 28 de set. de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2020/09/28/falta-de-alimentos-desequilibrio-risco-de-extincao-como-as-queimadas-afetam-os-animais-do-pantanal.ghtml> Acesso em: 18 de maio de 2025. 

[8] GRASSO, Mariana. Onça-pintada: animal não vê humano como presa natural, diz instituto. CNN Brasil. 24 de abr. de 2025. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/centro-oeste/ms/onca-pintada-animal-nao-ve-humano-como-presa-natural-diz-instituto/> Acesso em: 15 de maio de 2025. 

[9] Guardiões da Natureza: A Importância dos Biomas Pantanal, Cerrado e Amazônia na Região Centro-Oeste. Oakpar Foundation, [s.d.] Disponível em: <https://oakparfoundation.org/2023/06/14/guardioes-da-natureza-a-importancia-dos-biomas-pantanal-cerrado-e-amazonia-na-regiao-centro-oeste/?utm_source=chatgpt.com> Acesso em: 13 de maio de 2025.

[10] MIRANDA, Giuliana. Incêndios na amazônia e no pantanal disparam emissões de carbono do Brasil. Folha de S.Paulo. 22 de set. de 2024. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/09/incendios-na-amazonia-e-no-pantanal-disparam-emissoes-de-carbono-do-brasil.shtml> Acesso em: 18 de maio de 2025.

[11] NOBRES, Juirana; OLIVEIRA, Isabelle. VÍDEO: onça circula por rua comercial, se esconde em garagem de prédio e assusta moradores de Iconha, no ES. g1 ES e TV Gazeta. 2 de maio de 2025. Disponível em: <https://g1.globo.com/es/espirito-santo/sul-es/noticia/2025/05/02/video-onca-circula-por-rua-comercial-se-esconde-em-garagem-de-predio-e-assusta-moradores-de-iconha-no-es.ghtml> Acesso em: 08 de maio de 2025.

[12] SANTOS, Vanessa S. Desequilíbrio ambiental. Brasil Escola, [s.d.]. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/biologia/desequilibrio-ambiental.htm> Acesso em: 19 de maio de 2025.

[13] SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS. Ameaças à biodiversidade do Pantanal brasileiro pelo uso e ocupação da terra. Ambiente & Sociedade, v. 22, 2019. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/asoc/a/BqQNwh94qn5g9kh56FZchYj/?lang=pt> Acesso em: 15 de maio de 2025.

[14] SOUZA, Beto. Entenda o que pode ter influenciado ataque de onça contra caseiro em MS. CNN Brasil. 25 de abr. de 2025. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/centro-oeste/ms/entenda-o-que-pode-ter-influenciado-ataque-de-onca-contra-caseiro-em-ms/> Acesso em: 6 de maio de 2025.

[15] WWF BRASIL. Animal Silvestre. WWF Brasil, [s.d.]. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/#:~:text=Tamb%C3%A9m%20sofrem%20porque%20ficam%20em,animais%20dom%C3%A9sticos%20ou%20at%C3%A9%20humanos> Acesso em: 15 de maio de 2025.