4º Festival de Agroecologia – fotos do Instagram do festival

Entre os dias 07 e 08 de outubro, aconteceu o Festival de Agroecologia. O evento, que já está em sua quarta edição, tem como objetivo unir diversos atores sociais que compartilham um futuro mais sustentável e saudável, através da valorização de produtores locais e da economia solidária. 

As interações agroecológicas aproximam diferentes gerações por meio da troca e divulgação de saberes para o manejo sustentável dos alimentos, incentivando o trabalho de agricultores e a produção de conhecimentos científicos relacionados à agroecologia para superação do modelo agrícola vigente, baseado na monocultura.

Nesse sentido, o evento é uma forma de dialogar com a sociedade sobre a crise climática e, portanto, sobre o oceano. Uma vez que as atividades do agronegócio contribuem excessivamente para as emissões de gases do efeito estufa como o carbono, que, ao se acumularem na atmosfera, são absorvidos pela bomba física do oceano, causando o processo de acidificação. Além disso, o uso indiscriminado de agrotóxicos libera uma alta concentração de fósforo e nitrogênio no solo, que é transportada ao mar, desregulando cadeias tróficas.

Portanto, é preciso alinhar a agroecologia ao mar, compreendendo as relações entre os cultivos sustentáveis em terra e oceano para valorização de uma alimentação saudável e acessível a todos.

Maricultura: oportunidades e desafios

 O cultivo de alimentos não ocorre somente em terra. Há centenas de anos, comunidades ribeirinhas utilizam-se da pesca artesanal e da coleta de mariscos para sobreviverem. Em larga escala, fazendas marinhas criam peixes e outros seres vivos no mar. A maricultura – criação e cultivo de organismos marinhos, como peixes, moluscos, crustáceos e algas – no Brasil se concentra, especialmente em Santa Catarina, que responde por 95% da produção de ostras e mexilhões, colocando o país na segunda posição da América Latina.

A maricultura apresenta grandes oportunidades para a produção de alimentos. O oceano está repleto de comida azul, as algas por exemplo, são uma das opções mais sustentáveis do momento, e algumas espécies apresentam mais proteínas do que a carne. Além, de serem base alimentar são usadas no setor de cosméticos, biofertilizantes, biocombustíveis – etanol de terceira geração – e no mercado de crédito de carbono, já que elas sequestram esse composto, pois são fotossintetizantes, ou seja, produzem seu próprio alimento.

Miguel Sepúlveda que é biólogo marinho deu iniciou ao cultivo de algas no Brasil e está desde 1998 em Ilha Grande cultivando macroalgas da espécie Kappaphycus alvarezii, usadas especialmente para a produção da carragena – ficocolóides utilizados como estabilizantes e gelificante em alimentos.

Miguel Sepúlveda, pioneiro no cultivo de algas no Brasil – foto de Jonne Roriz

Para a maricultura de origem animal, se destaca a criação de moluscos como as ostras e mexilhões. Esse grupo de animais filtradores presta serviços importantes para o ecossistema pela habilidade de despoluir ambientes contaminados. Embora limpem o oceano, removendo fósforo e nitrogênio — poluidores quando em altas concentrações, cuja liberação está associada ao uso de agrotóxicos — as ostras também podem armazenar em sua carne patógenos causadores de doenças em humanos. Isso torna esses moluscos tóxicos para humanos se ingeridos, principalmente de forma crua. Por isso, os ostreicultores brasileiros se empenham na preservação da qualidade do mar.

Por outro lado, assim como a agropecuária foi a causa da degradação do solo e desmatamento, a maricultura apresenta uma série de implicações ambientais quando realizada sem os cuidados necessários. Estudo feito pela pesquisadora especialista em aquicultura Carole Ruth Engle demonstrou contaminação no mar por efluentes com níveis de nutrientes prejudiciais, como antibióticos e agrotóxicos. Ocorrem também outras formas de impacto, como a transmissão de doenças com a introdução de espécies exóticas, a remoção de manguezais da zona costeira e a utilização de alto nível de farinha de peixe na dieta para criação de espécies de interesse. 

Venenos da terra ao mar

Os agrotóxicos, sendo um dos grandes vilões do meio ambiente na atualidade, foram tema da palestra do agrônomo Sebastião Pinheiro, que se dedica há décadas às atividades de povos desprivilegiados e movimentos sociais, como o MST. É autor e coautor de dezenas de livros como “Agroecologia 7.0” e “A Máfia dos Alimentos no Brasil”

Sebastião Pinheiro durante a palestra “Por que os governos se submetem aos agrotóxicos”
Sebastião Pinheiro durante a palestra “Por que os governos se submetem aos agrotóxicos”

Durante a conversa, Sebastião apontou que esses compostos químicos são fabricados para a guerra e não para a agricultura. Ele explica citando o discurso  do presidente dos EUA em 1959, Dwight David “Ike” Eisenhower: “O complexo industrial militar está tomando tal peso dentro da Casa Branca que perderemos nossa liberdade democrática se continuarmos assim”. Sebastião revela que, através desse discurso, é possível notar que este complexo industrial são as empresas que dominam a síntese de produtos e são usados como arma química. Dessa forma, a questão do agrotóxico não é de natureza ideológica; a questão é militar. 

Lembram-se da notícia feita pelo G1 no início deste ano que mostrou que Bolsonaro liberou 2.182 agrotóxicos durante seu mandato? Nenhum outro governo brasileiro aprovou tantos produtos desse tipo. Enquanto isso, a Alemanha disse que eliminará até 2023 o uso do glifosato, vendido com o nome comercial de roundup, que é classificado como carcinogênico e responsável pela perda de insetos, principalmente as abelhas. A  Ministra alemã, Svenja Schulze veio a público dizer que precisamos de mais zumbido, e o que afeta os insetos também prejudica as pessoas.  

O uso do agrotóxico, comenta Sebastião, ocorre quando a neve derrete e deixa o solo exposto para as primeiras plantas nascerem, que são as ervas daninhas, principalmente, o dente-de-leão. As abelhas vão atrás das suas flores buscarem o néctar, só que os agricultores não têm interesse econômico nessas plantas, então eles jogam o veneno, contaminando o alimento das abelhas.

Além dos agrotóxicos, outro grande vilão são os antibióticos, usados e descartados indevidamente ao mar. Sebastião cita, por exemplo, as fazendas de salmão no Chile, que acumulam uma quantidade exagerada de antibióticos no mar, além de outros compostos como fungicidas e pesticidas. Sebastião ainda, fez um alerta sobre o cultivo de alimentos nas big farms, ao apontar que em grandes fazendas surgem grandes epidemias. Vide a gripe aviária que agora está acometendo mamíferos marinhos, sendo notificado um novo foco dia 09 de outubro, que caso se confirme, será o terceiro caso de morte pela doença, no Rio Grande do Sul. 

Sob a perspectiva do clima e da biodiversidade, isso é um problema seríssimo, assim como é um problema sanitário, já que afeta a saúde das pessoas. Sebastião comenta que vivemos uma epidemia da doença renal crônica. Na América Central e no Brasil foram registrados inúmeros casos da doença em trabalhadores rurais, que pode ser causada pela exposição de agrotóxicos, altas temperaturas e falta de hidratação.

A agroecologia e a comida azul 

Apesar das inúmeras denúncias sobre a realidade em que vivemos, Sebastião traz esperança sobre o futuro. Ele acredita que através de conhecimento técnico e de qualidade se educa para construir uma nova realidade.  Cita um trabalho que encabeçou junto com vários colegas do movimento social que culminou no maior festival de agroecologia do mundo, na cidade de Porto Alegre em 1976, em meio a ditadura militar. Mesmo com desafios, Sebastião aposta na agroecologia camponesa, no desenvolvimento de biofertilizantes naturais, como o super magro, o pó de rocha, os fosfitos e o carvão mineral para cultivar alimentos saudáveis e de qualidade. 

Seja a produção de alimentos na terra, seja em águas dulcícolas e marinhas, cada região possui sua própria complexidade, fruto das interações entre os seres vivos e os componentes não vivos. É preciso conhecer as especificidades de cada uma delas porque são únicas no mundo. Abrigam uma biodiversidade que regula o clima e mantêm viva a diversidade que existe em cada um de nós e na nossa fonte de alimento. 

Sebastião menciona com esperança o trabalho da cientista venezuelana, María Gloria Domínguez Bello, que estuda a microbiota do intestino de povos indígenas. Através de sua pesquisa divulgada pela Revista Cell em 2016, foi revelada a maior diversidade microbiana do mundo, encontrada em Yanomamis. A diversidade bacteriana é sinal de uma alimentação saudável e equilibrada, além de ser fruto da evolução da espécie humana com os micróbios. 

A perda gradativa dessas bactérias boas leva ao desenvolvimento de infecções intestinais que se tornam cada vez mais frequentes. Dentre os tratamentos mais estudados para essas doenças, estão o transplante de fezes e as pílulas a base de bactérias fecais

E ele finaliza dizendo que “pode parecer escatológico, ‘comer fezes’ para replantar um bioma perdido, mas, os excrementos são constituídos 98% de microrganismos, a maior parte deles essenciais para o funcionamento e manutenção dos organismos. Aqui está a regularização e a recolonização do clima e da vida no planeta, que são fundamentais para a harmonia climatica”. 

Para ler mais:
  1. Comida azul: as oportunidades e os desafios para o cultivo de alimentos no oceano. Nosso Impacto, 2022
  2. Como as ostras produzidas em Santa Catarina podem ajudar a limpar os mares. National Geographic, 2018.
  3. Agroecologia 7.0. Juquira Candiru Satyagraha, 2018.

Parceria:


Juliana Di Beo

sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

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