Créditos: Oceans20 Brasil

Apesar do oceano cobrir cerca de 71% da superfície do planeta, ser o principal regulador do clima e atenuador das mudanças climáticas absorvendo mais de 25% de gás carbônico emitido pelas atividades humanas e 90% do excesso de calor causado principalmente por esse gás, ele ainda não figura no palco das decisões sobre políticas públicas globais. Essa verdade inconveniente, tem causado preocupação, o que tem levado o tema paulatinamente para espaços de discussão de grande importância internacional.    

Com um oceano de desafios, mas também de soluções, especialistas, representantes de organizações não-governamentais e líderes políticos se reuniram na Casa de Cultura Laura Alvim em Ipanema no Rio de Janeiro nesta segunda feira (18) para o primeiro evento do Oceans20 (O20) no Brasil, dentro do escopo da agenda do G20. O O20 é um dos 13 grupos de engajamento social que foi inicialmente pensado e embrionado em encontros anteriores do G20, na Índia e Indonésia entre 2021 e 2022, mas somente agora com a presidência brasileira foi de fato criado. 

Por meio deste primeiro evento disruptivo e sem precedentes, o Brasil inaugura um reconhecimento histórico ao buscar colocar o oceano no palco das discussões e “no coração e mente dos chefes de Estado do G20”, destaca Alexander Turra, coordenador da  Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano e um dos idealizadores do O20 no Brasil. 

A economia azul precisa ser pensada além da sustentabilidade

Créditos: The Ocean Agency

O oceano está na encruzilhada dos grandes desafios que enfrentamos hoje, que são também ambições do grupo do G20: a crise do clima, a perda de biodiversidade, a poluição, o combate à fome e a redução das desigualdades. “É impossível discutir esses desafios sem olhar para o oceano, como ator e como palco das relações internacionais. As três prioridades brasileiras do G20 vão se encontrar com a agenda oceânica”, destacou Lucas Padilha, coordenador de relações internacionais e presidente do comitê do G20 da prefeitura do Rio de Janeiro. “É importante que todos e todas aqui, na academia, dos negócios, dos organismos multilaterais, dos bancos de desenvolvimento, dos governos locais, tenhamos a sensibilidade para trabalhar juntos”, ressaltou, referindo-se a necessidade de unir esforços para vencer os principais desafios mencionados acima.

O encontro discutiu o papel da economia azul para o desenvolvimento econômico de forma sustentável e como fonte de emissões de carbono e poluição que precisam ser superadas. Oriana Romano chefe da Unidade, Governança e Economia Circular da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), recomendou uma abordagem de economia azul que considere que ela tem duas faces que caminham juntas, a econômica e a ambiental. Segundo Oriana, deveríamos ir além da sustentabilidade, mas considerar a resiliência, a inclusão e a circularidade. “Em um mundo que está crescendo em termos de população para a qual a demanda de recursos naturais aumenta, em um mundo com mudanças climáticas que são potencializadas pela urbanização, a economia azul não deve ser apenas sustentável para o futuro, acreditamos que ela deveria ser resiliente a choques econômicos e ambientais”.

Oriana destacou também a importância de adotar uma abordagem integral da água, considerando não apenas o oceano, mas outros corpos de água para resolver problemas como a poluição. Ana Asti, da subsecretaria de recursos hídricos e sustentabilidade do estado do Rio de Janeiro, seguiu nesta mesma linha ao mencionar que precisamos olhar para o oceano de forma integrada ao ecossistema de água doce. Segundo Ana, se quisermos ter um oceano saudável e produtivo precisamos limpar nossos rios e promover o saneamento, porque toda a poluição que sai da terra chega ao mar. “Até 2033 queremos chegar a 100% do saneamento básico na região Metropolitana do Rio de Janeiro, hoje temos 46%, então ainda há um desafio enorme pela frente”, afirmou.

Letícia Cotrim, professora de oceanografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), destacou a importância de trazer a descarbonização, o corte de emissões de gases do efeito estufa (GEEs) e a transição energética como temas chaves para abordar o oceano na agenda do G20. Letícia que também é co-autora do Sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ressalta que o relatório aponta que o oceano mudou de maneira que não vai voltar a ser o que era antes do período pré-industrial. “O principal desafio aqui é planejar incluindo a descarbonização e transição energética, caso contrário vamos pagar um alto custo de adaptação e mitigação, embora estejamos protegendo algumas áreas”, concluiu, referindo-se aos impactos do aumento da temperatura no planeta.  

Próximos passos do Oceans20

O O20 é coordenado pela Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo em colaboração com o Fórum Econômico Mundial, o Pacto Global da ONU, o Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio) e o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicos (INPO/MCTI). A realização desse primeiro evento do Oceans20 marca o início de uma série de eventos que darão continuidade às discussões do grupo sobre temas como financiamento para a economia azul, conservação do oceano, nexo oceano-clima, justiça social e equidade, ciência, tecnologia e inovação e governança global. Um próximo evento oficial vai acontecer em setembro, o “Ocean-Summit” para levar um resumo do que conseguiram avançar do temas para os outros grupos e para o G20. 

Como sendo parte de um dos grupos de engajamento social, que marca a nova proposta do atual governo em promover espaços de escuta da sociedade civil para criação de políticas públicas, será feita uma chamada para a participação social no meio desses eventos, o “Ocean-Dialogues”. “Este grupo de engajamento inédito busca contribuir para a agenda da presidência brasileira do G20, dando lugar às diversas vozes que falam pelo nosso Oceano”, enfatiza  Simone Pennafirme, da Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano e Gerente do Núcleo de Vida Marinha da Secretaria de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro, durante a inauguração oficial do O20.

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Juliana Di Beo

sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

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