Os manguezais brasileiros contribuem para o sequestro de 1,9 bilhão de toneladas de CO2 e podem reduzir danos materiais especulados em US$65 bilhões

Manguezal de Nova Viçosa, Bahia. Créditos: Heris Luiz Cordeiro Rocha/ Wikimedia Commons

A preocupação em proteger os manguezais, ecossistema costeiro conhecido por ser berçário de biodiversidade, levou Mayris Nascimento, empreendedora alagoana, a criar a startup Nosso Mangue, a primeira que pretende gerar créditos de carbono através da recuperação de manguezal. Partindo desse mesmo objetivo de aliar proteção de manguezais com a redução das emissões de carbono, a Plataforma Cazul se tornou a primeira iniciativa brasileira a reunir dados sobre o chamado carbono azul, que é o gás carbônico capturado no contexto de ambientes costeiros e marinhos, e a apresentar seus benefícios para os manguezais e comunidades. Para levar esse conhecimento para a sociedade, empresas e tomadores de decisão de forma acessível e atraente, a Cazul lançou o relatório  Oceano sem Mistérios: carbono azul dos manguezais no dia 24 de outubro, durante a 16ª Conferência de Biodiversidade da Organização das Nações Unidas (COP 16).    

Ambas iniciativas veem no manguezal oportunidades para o desenvolvimento da chamada economia azul e como aliado na adaptação e mitigação de mudanças climáticas. Por estes motivos e outros, o relatório deixa evidente que não há dúvidas para questionar a relevância deste ecossistema costeiro na vida humana, especialmente no Brasil. Primeiro porque o país tem a maior faixa contínua de manguezais do mundo, localizados na região amazônica, e é o segundo com a maior extensão de manguezais, onde vivem 40 milhões de pessoas, das quais 278 mil são pescadores de manguezais. Segundo porque este ecossistema possui uma capacidade de absorver uma série de impactos, como a proteção da linha de costa contra erosão e avanço do mar, além da contenção de ondas e tempestades, que reduzem danos materiais estimados em US$65 bilhões, além de serem exímios sequestradores de carbono. 

A economia azul engloba a geração de renda e lucro advindos do uso sustentável de recursos que vem do oceano. Créditos: Infográfico Oceano Sem Mistérios -Carbono Azul/Reprodução

O documento, de 22 páginas com versão inglês e português, é promovido pela Cazul em parceria com a ONG Guardiões do Mar e Fundação Grupo Boticário. Ele destaca, de forma objetiva e ilustrativa, a importância dos manguezais nas vidas humanas através de dados inéditos sobre o estoque e a valoração do carbono azul dos manguezais brasileiros e a sua relação com o mercado de créditos de carbono.  

Corrida para reduzir os gases de efeito estufa

O mundo vive hoje três grandes crises: perda de biodiversidade, crise do clima e poluição. Todas elas, de uma maneira ou de outra, convergem para um grande problema: a emissão antrópica de gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera, que gera o aquecimento do planeta. No esforço de reverter esse problema, países do mundo todo firmaram acordos para reduzir suas emissões de gases que produzem o efeito estufa, como o famoso Acordo de Paris, assinado em 2015 e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), contido no Protocolo de Quioto, assinado em 1997. Enquanto o primeiro quer compromissos para limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5 ºC, o segundo quer ajudar as nações a cumprirem suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. E é nesse contexto que entra o manguezal como moeda ambiental no mercado de crédito de carbono.

O potencial dos manguezais no sequestro de carbono

Os mangues assim como todos os biomas, em especial, as turfeiras, vegetação marinha, algas e algumas bactérias que habitam rios, lagos, oceano, solo e tronco de árvores possuem a capacidade fantástica de sequestrar carbono e outros gases que retém calor na atmosfera. No caso dos manguezais, cerca de 40% do carbono azul capturado fica armazenado em estruturas vegetais acima do solo, na madeira, folhagem e sementes, cerca de 42% fica armazenado no meio da matéria orgânica do solo a uma profundidade de até 30 centímetros e o restante fica armazenado na serrapilheira e em pedaços de madeira morta no solo. Segundo o relatório, esse carbono azul estocado pelos manguezais pode ficar acumulado por milhares de anos, pois o solo lamoso é baixo em oxigênio e apresenta influência da maré que carrega grande quantidade de sal. 

Com os países correndo contra o tempo para reduzir as emissões de GEEs, o estoque de carbono azul nos manguezais pode funcionar como um catalisador, uma vez que estoca de três a cinco vezes mais carbono que florestas terrestres. No Brasil, esse estoque corresponde a 1,9 bilhão de toneladas de CO2, que ao ser especulado pelo mercado de crédito de carbono vale R$ 48,9 bilhões. No entanto, este preço é calculado conforme precificação do mercado voluntário que já foi negociado. O ideal sugerido para que ocorra uma transição de economia de baixo carbono, onde a tonelada de carbono custa cerca de R$525, o estoque de carbono azul dos manguezais somaria R$1,067 trilhão, segundo dados do relatório.

A economia azul engloba a geração de renda e lucro advindos do uso sustentável de recursos que vem do oceano. Créditos: Infográfico Oceano Sem Mistérios -Carbono Azul/Reprodução

Ações socioambientais e a regulamentação do mercado de carbono  

Com esses dados em mãos, vivendo em um país majoritariamente tropical, rico em manguezais, o que fazer? O documento destaca que uma das ações mais importantes é regulamentar o mercado de crédito de carbono. Para tanto, o projeto de Lei 2.148/2015, aprovado pela Câmara dos Deputados, em 2023, e em discussão no Senado Federal, propõe a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) para atender a Política Nacional sobre Mudança do Clima e Acordos Internacionais firmados pelo Brasil. 

O relatório destaca que atualmente, no Brasil, os créditos de carbono são negociados no mercado voluntário, por conta própria, concentrando a maior parte dos créditos comercializados, o que dá brecha para a prática do greenwashing – falsa sustentabilidade. Para ilustrar essa prática vexatória, temos o caso do chamado ‘Rei do Carbono’ na figura de Ricardo Stoppe Júnior, que ironicamente esteve na COP 28 em Dubai negociando falsos créditos. Stoppe foi desmascarado e preso em junho deste ano por estar ligado a projetos que lavavam madeira de terras griladas da União e de reservas indígenas.

Mas, há práticas justas dentro deste mercado. Um exemplo é a startup Nosso Mangue, que busca reunir oportunidades que existem no estado alagoano. Rico em manguezais, o estado ocupa a 16ª posição do ranking da Plataforma Cazul em estoque de carbono brasileiro pelo ecossistema, com capacidade de estocar 8,2 milhões de toneladas de CO2. As abordagens adotadas pela empreendedora Mayris Nascimento são também recomendadas pelo relatório da Cazul, e estão pautadas na cooperação de conhecimentos das comunidades tradicionais e científicos. A venda de créditos, segundo Mayris, se dá a partir da recuperação e conservação diárias de manguezais realizados pelas comunidades ribeirinhas, que atuam em parceria. Trata-se de um modelo de negócios de impacto socioambiental, que alia a conservação do manguezal com a geração de renda sustentável para as comunidades locais através do turismo regenerativo e o plantio e recuperação de manguezais. Com esse trabalho de cuidado dos manguezais pelas comunidades locais, a startup comercializa créditos de carbono para indústrias, empresas e instituições que precisam realizar a compensação ambiental.

Mayris Nascimento apresentou seu modelo de negócio no dia 30 de outubro, no Business and Finance Hub, na COP 16, durante o painel “Soluções integradas baseadas na biodiversidade para adaptação às mudanças climáticas”. Créditos: Mayris Nascimento/ Reprodução

O relatório da Cazul destaca a importância de apoiar instituições e projetos que atuam na conservação e restauração dos manguezais, assim como ressalta outras seis ações direcionadas para a sociedade proteger o ecossistema. Dentre as ações, está incentivar a busca pela informação sobre a importância dos manguezais e o compartilhamento desse conhecimento com amigos e familiares. Com o conhecimento em mãos as demais ações podem ser mais facilmente contempladas, já que conhecimento precede conservação. Através da prática do turismo responsável, pode-se transformar a relação do ser humano com os manguezais por meio da sensibilização e educação, e contribuir com a comunidade local. Nesse sentido, da próxima vez que for curtir uma praia, inclua um passeio pelo manguezal. Esta é uma forma de protegê-lo e de contribuir para reduzir as pegadas de carbono. 

Créditos: Oceano Sem Mistérios: Carbono Azul/ Reprodução

O Blog Um Oceano tem parceria com a Rede Ressoa Oceano


Juliana Di Beo

sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

1 comentário

Larissa · 1 de novembro de 2024 às 20:38

Essa pauta é essencial! No Brasil temos outros ecossistemas super importantes para estocagem de carbono que funcionam de maneira parecida com o manguezal, como Veredas! Inspirador esse projeto

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *