O poder de fazer parte! O pertencimento e os valores de convivência

DSC06617 compactadaQuando abordo o tema pertencimento em minhas aulas, costumo criar uma imagem a partir de um exemplo de sucesso de um certo tipo de “instituição” muito forte, conhecida, respeitada (quer seja pelo status ou pelo medo) no país inteiro, mas mais intensamente nas comunidades periféricas.

Refiro-me ao Tráfico de drogas como organização, como grupo. Defendo que esta instituição desenvolve e se aproveita deste sentimento muito poderoso e motivador para a manutenção de suas ações, o pertencimento.

tráfico

Ao adentrar nesta organização, o jovem imediatamente vivencia algumas relações que reforçam o significado de fazer parte. Ele passa a ser reconhecido na comunidade, seu status, apesar dos motivos, passa de um “simples” morador para um componente do “movimento”. Logo sua auto-estima se inflama, não raro se encontram jovens e até crianças que não se deixam intimidar por quase nada em sua comunidade, a não ser seus próprios superiores.

O tráfico desenvolve também um senso de responsabilidade, de dedicação, de exigência, de organização e de compromisso, mas todo o esforço é recompensado pela identificação oferecida pelo grupo, pelo poder adquirido. E ainda, finalmente, para fechar o ciclo do sucesso, existe a clara possibilidade de ascensão, oferecendo ao jovem outro sentimento determinante quando se está envolvido em qualquer processo: a evolução.

Logicamente o apelo do tráfico é reforçado pelas condições em que vivem as crianças, adolescentes e adultos de tais comunidades, muitas vezes excluídos de outras oportunidades.

Mas, diante desta constatação, como não tornar o pertencimento um componente obrigatório nos espaços educacionais e ou formativos? Darei alguns outros exemplos de como pode ser poderoso este sentimento:

Em tempos passados (atualmente esta ação está quase extinta) muitas escolas possuíam uma fanfarra. Eu nunca participei de uma, mas percebia que os amigos que faziam parte se sentiam orgulhosos por nos representar em eventos variados. Os leitores que por ventura tenham feito parte de grupos como este provavelmente concordarão comigo.

Outro grupo, e este vivi mais intensamente, era da equipe esportiva representativa da escola. Fazer parte dos “atletas” representava orgulho, status, reconhecimento, enfim, todas as características que o esquema acima detalhou, com a grande diferença de que o mote do grupo era praticar esporte! E se nosso professor tivesse a sensibilidade de criar um ambiente sociomoral rico no entorno deste grupo, a chance de tais características serem norteadas por valores que iriam contribuir para uma boa convivência eram, com toda certeza, maiores.

Não à toa, exemplos de equipes esportivas serem as protagonistas em atividades comunitárias não são raras, como a organização de eventos para levantamento de recursos para reformas na escola.

A força do fazer parte é tão evidente que o cinema, especialmente o americano, retratou esta relação em diversos filmes, alguns, é verdade, por meio de valores inadequados como aqueles em que os atletas são os maiorais e abusam dos demais. Mas muitos outros destacam valores como a união, a cooperação, o enfrentamento de problemas de forma coletiva, alguns deles inclusive, baseados em fatos reais. Algumas sugestões:

Duelo de Titãs- de Boas Yakin

Coach Carter- de Tomas Carter

A voz do coração- de Christophe Barratier (este não tem relação com o esporte mas é ótimo para refletir sobre pertencimento, relação professor e aluno e o poder do educador)

Gomes (2002), relacionando estudos com crianças e jovens que viveram em campos de concentração na segunda grande guerra, afirma que o grupo exerce relações importantes na formação de qualquer pessoa, pois ao mesmo tempo que protege seus indivíduos, os cerceia de excessos egoístas. Eis duas situações que parecem, mais uma vez, estar se tornando escassas: segurança a partir do coletivo e controle da individualidade por seus pares.

Portanto, finalizo reafirmando a importância de desenvolvermos o sentimento de pertencimento em nossos espaços de formação. Estes grupos e ambientes podem ser tão marcantes na vida de jovens a ponto de, costumeiramente, considerarem sua segunda casa! No entanto, é necessário que este seja acompanhado de um ambiente denso moralmente, como afirma Puig (2003), para que valores morais possam ser potencializados a partir do sentimento de grupo.

Assim sendo, vislumbramos a imersão em um espaço considerado um segundo lar, onde os valores que permeiam as relações sejam de constante respeito, cooperação, superação, esforço, compromisso, segurança, apoio, evolução, entre muitos outros. A esperança é a de que estas relações façam sentido, se tornem significativas e, finalmente, sejam incorporadas em seus juízo de valores, passando a nortear suas ações onde quer que estejam!

É provável que o leitor, ao chegar neste ponto perceba que minhas proposições neste post não se limitam aos grupos esportivos. O pertencimento é democrático e pode ser elemento essencial na formação do ambiente positivo em qualquer grupo, como o da costura, tradicional espaço das senhoras do bairro, da dança, do teatro, da música, da literatura, das mães, dos pais, enfim.

Que tal então fazermos parte?

Leituras recomendadas:

GOMES, C .M. A. Feuerstein e a construção mediada do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2002.

HIRAMA LK, MONTAGNER PC. Algo para além de tirar das ruas: a pedagogia do esporte em projetos socioeducativos. São Paulo: Phorte, 2012.

PUIG, J.M. Prácticas Morales: uma aproximación a la educación moral. Barcelona: Paidós, 2003.

SANCHES, S; RUBIO, K. A prática esportiva como ferramenta educacional: trabalhando valores e a resiliência. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 825-842, dez. 2011.

 

 

Sobre Leopoldo Hirama 9 Artigos
Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, (UFRB), formado em Educação Física pela FEF-Unicamp, mestre em Ciências do Esporte e doutorando na mesma instituição. Atua na temática da Pedagogia do Esporte, mais especificamente nos esportes coletivos e lutas e as possibilidades do fenômeno esportivo na educação de crianças e adolescentes em comunidades periféricas. Atualmente pesquisa as características do ambiente de ensino do esporte para a formação da personalidade moral de jovens praticantes.

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