Educação vem de berço! Será?

Certa vez escutei uma entrevista do filósofo Mário Sérgio Cortella, quando afirmava que a educação de uma criança é dever da família, cabendo ao professor contribuir para a escolarização dos alunos. Apesar de se referir ao ambiente escolar, me permito expandir esta colocação à todos os professores que atuam no ensino não-formal, incluindo também aqueles que ensinam esportes.

Na mesma linha de raciocínio, já li também muitos post rasos em redes sociais defendendo o mesmo conteúdo: “Pais educam, escola ensina.”

No entanto, e quando estes pais não educam por não saber como? Ou quando eles não tem tempo? Quando optam por trabalhar 10/12/14h por dia, pois dar abrigo e comida é necessidade maior? E quando, mesmo não precisando, os pais seguem os valores atuais da sedução do ter sempre mais como modelo de vida, deixando em segundo plano a tal educação dos filhos? A lista de questionamentos poderia continuar por várias linhas, mas finalizo com dois últimos: E quando não existe pai ou mãe ou ambos? Nós professores simplesmente lavamos as mãos, afirmando para a sociedade e para nós mesmos que isto não nos diz respeito?

Como professor de esportes que atuou em diversos espaços de formação, desde favelas à clubes de elite, tenho firme convicção de que as situações questionadas acima acontecem em todos os lugares, do pai preso e a mãe alcoólatra ao pai alto executivo de multinacional que vive viajando o mundo e mãe socialite que necessita manter as relações sociais, ambos os casais com pouca dedicação aos filhos.

E estes jovens, não raro, encontram no professor(a), quer seja na escola ou no esporte, dança, teatro, música… uma figura adulta a quem se afeiçoa, passando a ser uma importante referência. E se assim acontece, como ignorar esta relação? Como lavar as mãos?

Ives de La Taille afirma que educadores não devem “esfriar” sua relação com os alunos, a ponto de se limitar aos ensino de conteúdos, distanciando-se de seus problemas, não se indignando com nada. O educador espanhol Josep Maria Puig defende a empatia e o respeito por parte do professor:

Ao falar de empatia, referimo-nos à capacidade do adulto para colocar-se no lugar do aluno, tentando ver o mundo tal qual este o percebe e experimenta. O segundo aspecto insiste na necessidade de reconhecer o outro como indivíduo valioso, independentemente de sua condição, conduta ou sentimentos. (Puig, 1998, p. 195)

Ora, se um professor for capaz de se colocar no lugar daquele aluno que tem séria carência no trato educacional por seus pais e não se comover e principalmente, não se motivar a se mover, será que ele está na profissão correta?

Defende-se, desta forma, que o professor se comprometa com a educação (no sentido da formação moral) de seus alunos, mesmo que esta função, em tese, fosse dever da família. Isto não quer dizer que se deva assumir o papel dos pais, desobrigando-os de qualquer responsabilidade. Professor nenhum, por melhor que seja, pode ser o pai, ou, professora nenhuma pode ser a mãe de todos os seus alunos. No entanto, pode oferecer ensinamentos valiosos para o desenvolvimento de sua personalidade moral sem que sua outra função, a de ensinar conteúdos, seja colocada de lado. No caso do ensino do esporte, inúmeras situações oferecem aos alunos dilemas morais pessoais e coletivos que representam oportunidades inigualáveis de reflexão sobre valores, sem se distanciar do caminho por aprender cada vez mais sua modalidade. Veja exemplo no post: “Paga 10!” deste blog.

Diante desta liquidez nas relações, onde vigora o consumo, o materialismo, a superficialidade, crianças e jovens carentes de referências adultas empáticas, como diz Puig, por muitas vezes encontra no professor(a), treinador(a), técnico(a) esportivo a minimização desta ausência. Não raro também é considerá-lo um pai ou uma mãe, e esta proximidade pode ter diferentes consequências. Alguns docentes se assustam e se distanciam, não querem se comprometer, outros assumem e podem abusar desta situação de diversas formas, algumas bastante repugnantes. Mas existem aqueles que se colocam de fato no lugar dos jovens, percebem suas dificuldades e necessidades, refletem sobre seu próprio alcance e procura colaborar.

E para melhor auxiliar seus discentes em sua formação humana é importante que o docente invista no seu próprio desenvolvimento moral. Segundo Lukjanenko, quanto maior o estágio moral do professor, maior sua sensibilidade em perceber os dilemas sofridos, como também sua capacidade em oferecer um ambiente sociomoral positivo.

Assim, enfrentando o desafio de se importar com seus alunos, o professor busca ele próprio caminhar moralmente, se formando cotidianamente, vivenciando, por vezes, um fenômeno que provavelmente muitos colegas já viveram: Ensinar o que precisa aprender!

CORTELA, M.S. vídeo na Internet, visualizado site Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=bF0yKlpK2So

LA TAILLE Y. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Ática, 1998.

LUKJANENKO, M. P. A reciprocidade moral: avaliação e implicações      educacionais. Tese. (Doutorado em Educação) − Faculdade de Educação,      Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.

PUIG, J.M. A Construção da Personalidade Moral. Educação. São Paulo: Ática, 1998.

Sobre Leopoldo Hirama 9 Artigos
Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, (UFRB), formado em Educação Física pela FEF-Unicamp, mestre em Ciências do Esporte e doutorando na mesma instituição. Atua na temática da Pedagogia do Esporte, mais especificamente nos esportes coletivos e lutas e as possibilidades do fenômeno esportivo na educação de crianças e adolescentes em comunidades periféricas. Atualmente pesquisa as características do ambiente de ensino do esporte para a formação da personalidade moral de jovens praticantes.

3 Comentários

  1. Parabens pelo blog, so o encontrei agora. Otimas postagens, fatores que me intrigam muito, so no Brasil tudo isso? Como deve ser ensinar esporte mundo a fora?
    Abraçao.

    • Caro Denis, obrigado pela mensagem. Tenho estudado bastante o tema e pelo que tenho lido, lá fora também não há avanços profundos. Segundo uma professora da Unicamp que mantém relações de pesquisas com estudiosos do Canadá, eles querem entender como ensinamos esporte aqui nas condições precárias que temos. Isto significa que temos valor, nestes rincões existem soluções fantásticas, falta-nos estudá-las e divulgá-las ao mundo!
      Grande abraço!

      • parabéns pelo blog, estarei fazendo uma pesquisa,sobre os valores que o esporte agrega em adolescentes. tenho encontrado dificuldades em encontrar artigos novos sobre o asssunto. o que vc achar ou tiver publicado, poderia mandar pro meu email por gentileza? Dawisonrodrigues@hotamail.com

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