Uma pitada de Astronomia: Movimentos da Terra

Por João Manuel Fogaça, Alejandro Restrepo González, Elisabete Cardieri e Vinícius Nunes Alves

A curiosidade é quem move a descoberta, haja vista que as sociedades humanas primitivas já observavam e construíam conhecimentos por meio da sua relação com o meio. Por exemplo, compreender os ciclos da natureza foi fundamental para grupos primitivos melhorarem o cultivo de plantas e a caça. Olhar para o céu, buscar certas regularidades e padrões para então organizar determinadas atividades sempre fez parte da vida humana, e é por isso que a Astronomia é uma das ciências mais antigas da humanidade. Na antiga Mesopotâmia, por exemplo, utilizavam a matemática para prever as movimentações dos astros, enquanto no antigo Egito alinharam as pirâmides com os pontos cardeais.   

Podemos pensar na história de vida dos indígenas para trazer esse conhecimento antigo a um contexto mais próximo ao nosso cotidiano. Os povos nativos perceberam que as atividades de caça, pesca, colheita e lavoura sofriam flutuações de acordo com a época do ano. Foi por meio da “leitura do céu” que buscaram entender como utilizar esse conhecimento em favor da comunidade. Por exemplo, os indígenas brasileiros Guaranis que relacionavam as estações do ano e as fases da Lua com o clima, fauna e flora da região em que viviam.

Para  melhor compreensão dos fenômenos causados pelos movimentos dos astros, devemos começar com uma pergunta principal: Ao olharmos para o céu podemos ver que durante o dia e a noite, tanto o Sol quanto a Lua e as estrelas mudam de posição, mas quem é que se movimenta, a Terra onde estamos, o Sol, ou a Lua e as estrelas?

É provável que muitos quando questionados sobre esse tema respondam que o Sol, a Lua e as estrelas é que se movem. No entanto, tudo depende do referencial. Em muitos casos, quando comparados aos planetas que estão em movimento rápido e contínuo, podem parecer mais lentos.

Essa percepção está relacionada com o efeito do movimento aparente, o qual facilmente pode ser explicado pelo fato de que o observador está se movimentando junto com a Terra. Para entendermos melhor esse efeito, basta nos lembrarmos das observações que fazemos quando estamos dentro de um carro em movimento. Tudo o que é observado pela janela parece estar em movimento quando na verdade somos nós, junto com o carro, que nos movemos

Ciência como uma construção histórica, coletiva e dinâmica 

Telescópio e ceu estrelado ao fundo. Texto: A invenção do telescópio por Galileu Galilei entre os anos 1609 e 1610 é um dos principais marcos da história da ciência. Deste então, inúmeros modelos foram desenvolvidos.
A invenção do telescópio por Galileu Galilei entre os anos 1609 e 1610 é um dos principais episódios da história da ciência. Desde então, inúmeros modelos foram criados para observação do espaço

Quem é o centro do Universo, o planeta Terra ou o Sol? Para chegarmos ao conhecimento científico que temos hoje, muitas hipóteses anteriores sobre Astronomia já foram testadas, descartadas, reforçadas ou refinadas.

Como exemplos disso, temos  as teorias sobre os modelos geocêntrico e heliocêntrico. O movimento aparente das estrelas no céu fez com que filósofos da Grécia Antiga como Aristóteles (384-322 a.C.) propusessem o modelo geocêntrico do Universo. Nele, o planeta Terra seria o centro do Universo e os demais astros se movimentariam ao seu redor. E essa teoria durou muito tempo. Na mesma linha e com observações aparentes,  Cláudio Ptolomeu, 100 anos depois do nascimento de Cristo, reafirmou esse modelo.

Muitos anos depois,  Nicolau Copérnico  (1473-1543) com base em teóricos anteriores e de novos instrumentos, sugeriu o modelo heliocêntrico que é aceito até hoje. Esse modelo refuta o anterior, colocando o Sol no centro do Universo, em que a Terra e os demais astros orbitam ao redor do Sol.

Na época da proposição, o modelo heliocêntrico sofreu muita resistência da Igreja Católica. Mesmo com Galileu Galilei (1564-1642) defendendo publicamente a teoria copernicana, esse modelo não foi aceito na época, mas cerca de 400 anos depois de proposto.

Atualmente sabemos que o nosso Sol não é o centro do Universo, mas sim do sistema solar em que vivemos. Nosso sistema solar é um dentre bilhões de outros que compõem o Universo

Quase um século depois do modelo heliocêntrico de Copérnico, Johannes Kepler (1571-1630) descreveu com precisão o movimento dos planetas. Kepler descobriu que as órbitas não eram circulares e sim elípticas.

Finalmente, foi por meio de equações matemáticas que levavam em conta a força da gravidade que Isaac Newton explicou o movimento orbital dos astros. Outro cientista, Milankovitch (1879-1958) na década de 1930, estudou os efeitos da variação da órbita da Terra e a influência nos climas e estações. 

Todo esse conhecimento permitiu entender e descrever os mais diferentes movimentos da Terra, que são: rotação, translação, precessão, movimento dos pólos, dentre outros. Esses movimentos podem ser explicados em diferentes escalas, e a duração deles podem demorar desde dias até anos para acontecer.  

Cabe ressaltar que muito embora sejam vários os movimentos que a Terra realiza, destacamos dois movimentos que estão diretamente relacionados ao nosso cotidiano, quais sejam, a rotação e a translação. Esses movimentos afetam diretamente a nossa vida e nos passam  a  noção de passagem do tempo, resultando na divisão e organização das nossas atividades diárias. 

Representação, sem escala, dos planetas ao redor do Sol. Créditos da Imagem: Pixabay.

Organização do tempo pelos seres humanos

Culturalmente, organizamos nossas atividades de acordo com os anos, como nos anos escolares. Também usamos os meses e semanas, como no caso da contagem do tempo de uma gestação humana.

Além disso, nos orientamos pelas horas, como a de comer, dormir e estudar. Ainda dividimos as horas em minutos, como os valiosos minutos de intervalo durante o dia escolar. Toda essa organização temporal é rigorosamente regulada através dos calendários e relógios, que foram construídos de acordo com observações do ambiente natural. 

Calendários

O nosso calendário é o gregoriano, no qual o período de um ano possui 356 dias, dividido pelas estações. De quatro em quatro anos, esse calendário é ajustado com um dia a mais, este ano é chamado de bissexto.

Entretanto, o calendário gregoriano não é o único. Ao longo da história outros calendários foram propostos, como é o caso do calendário babilônico. Nele, o ano era dividido em 12 meses lunares e precisava ser ajustado a cada três anos.

Também, o calendário egípcio era baseado no movimento solar e o ano tinha 12 meses de 30 dias, e mais 5 dias de festas que eram realizados após a colheita. Ou ainda, os famosos calendários dos povos nativos das Américas e dos povos Incas, Maias e Astecas que eram baseados no movimento lunar.

Entendendo o dia e a noite – Rotação

Movimento de rotação da Terra. Crédito do GiF: Suporte Geográfico

Abordando os movimentos principais da Terra, é interessante começar por aquele que explica algo que acontece e interfere diretamente em nossas vidas, o dia e a noite. Para explicar o porquê do dia e da noite, cabe a explicação do movimento de rotação, ou seja, aquele movimento que Terra faz ao redor do seu eixo imaginário. O mesmo movimento ocorre quando vemos o pião rodando. O pião também faz um giro em torno do seu próprio eixo.

Pião girando. Crédito do Gif: Giphy

A Terra gira em torno de si no sentido horário a uma velocidade aproximada de 1656  quilômetros por hora. Esse cálculo nada mais é do que a divisão do perímetro da Terra, que é aproximadamente 40.000 quilômetros, pelo tempo que ela leva para terminar de completar o giro, que é de aproximadamente 24h, ou um dia.

Nesse período, a luz do Sol incide sequencialmente em todas as partes do globo terrestre. A Terra é uma elipse, parecendo uma “bola achatada”. Ela gira em torno do Sol – que é único em nosso sistema. Dessa forma, apenas uma parte da Terra receberá a luz solar por um determinado tempo, caracterizando os dias e noites.  Em razão disso,quando é dia no Brasil, é noite no Japão, pois esses dois países estão localizados em lados opostos da superfície do planeta Terra.

O movimento de rotação é importantíssimo para vida na Terra, pois se a Terra não rotacionasse, não haveria alternância da incidência da luz do Sol no planeta. Esse fato faria com que uma porção da Terra tivesse sempre temperaturas muito altas e a outra porção sempre muito baixas.

Entendendo os anos – Translação

O movimento de translação. Crédito do Gif: Suporte Geográfico

Outro movimento importante que a Terra realiza é a translação. Ele refere-se ao deslocamento da Terra ao redor do Sol. Essa trajetória é chamada de órbita e a distância percorrida é de bilhões de quilômetros no espaço.

A Terra demora cerca de 356 dias e seis horas para completar toda essa órbita, com uma velocidade de aproximadamente 107 mil quilômetros por hora. O que celebramos na virada do ano ou em um novo aniversário é quase o tempo que a Terra leva para completar a sua órbita em torno do Sol.

Dica CDF – Ciência de Fato: Para saber mais sobre a divisão do tempo em anos leia o texto “Você não comemorou uma volta em torno do Sol no Ano Novo“.

A órbita da Terra é um movimento elíptico, ou seja, quase um movimento circular. Devido a esse fato, a Terra apresenta momentos distintos em seu movimento orbital, estando em um determinado período do ano mais próxima do Sol e em outros mais distantes. Nessa trajetória, o ponto mais distante da Terra em relação ao Sol, o afélio, mede aproximadamente 157 milhões de quilômetros, enquanto o ponto mais próximo, o periélio, mede 142 milhões de quilômetros. 

Entendendo as estações do ano 

O eixo da Terra possui uma inclinação aproximada de 23º26’21’’. Devido a essa inclinação é que, durante o movimento orbital, as superfícies dos hemisférios são expostas de maneiras diferentes à radiação solar.

Nesse sentido, a intensidade de luz que chega em cada parte dos hemisférios é distinta durante o ano, o que leva a diferentes temperaturas e acaba por caracterizar as estações do ano, distintas em cada um dos hemisférios norte e sul. Com isso, já podemos começar a pensar por que nunca um verão ou um inverno ocorrem simultaneamente nos hemisférios norte e sul.

Para entender essa questão, temos que voltar ao eixo de inclinação da Terra que torna a inclinação entre os dois hemisférios diferentes. Por exemplo, em determinados meses a inclinação do hemisfério Norte em relação ao Sol é menor, assim os raios solares também percorrem uma distância menor, mais próxima de uma reta, terminando por aquecer mais esse hemisfério (verão no hemisfério Norte).

Nesses mesmos meses, ao contrário, a inclinação do hemisfério Sul em relação ao Sol fica maior, os raios solares também percorrem uma distância maior, mais próxima de uma curva, terminando por aquecer menos esse hemisfério (inverno no hemisfério Sul). Isso se inverte entre os dois hemisférios a cada seis meses, por isso que o Natal no hemisfério Norte é frio e no hemisfério Sul é quente.

Para falar em estações do ano, também é importante lembrar dos pontos que a Terra está mais distante ou mais próxima do Sol, conhecidos como solstício e equinócio, respectivamente. Durante os solstícios, a Terra recebe mais luz em um dos hemisférios, iniciando as estações de verão ou inverno, enquanto nos equinócios a incidência de luz é igual nos hemisférios, que dão início a primavera ou outono.

Solstício e equinócio

No solstício de verão o dia é mais longo do que a noite e a incidência de calor é maior, enquanto no solstício de inverno a noite é mais longa e a incidência de calor é menor. Já nos equinócios o dia e a noite têm a mesma duração.

É interessante pensar que todas essas diferenças de luz e de temperatura variam um pouco em cada país, dependendo da localização do país no globo terrestre. Por exemplo, países que estão mais ao Norte ou mais ao Sul nos hemisférios têm estações do ano mais demarcadas do que países que se localizam na porção central do globo terrestre, dentro do que chamamos de Linha do Equador, onde os raios solares incidem sempre em uma reta e de forma bem homogênea. 

Primavera, verão, outono e inverno

As estações do ano são: primavera, verão, outono e inverno. Durante a primavera, a estação das flores, as temperaturas são mais amenas do que no verão, nessa época o volume de chuvas começa a aumentar.

No verão, as temperaturas são mais altas e os dias são mais longos do que as noites e chove muito. Já no outono, as temperaturas diminuem, exceto para regiões que se localizam próximo a linha do Equador, que é uma linha imaginária que se localiza na porção central do planeta Terra. Essa região, durante todo o ano, recebe muita incidência dos raios solares e, por isso, há pouca variação da temperatura. No outono, as folhas das árvores mudam de coloração e muitas caem. Enfim no inverno, encontramos as temperaturas mais baixas e noites mais longas do que os dias. É comum, nessa época, que as espécies de animais não adaptadas ao frio migrem para regiões com temperaturas mais elevadas. 

O potencial da Astronomia no Ensino de Ciências

Por que temos dia e noite? Por que não vemos o Sol ou a Lua durante todas as horas do dia? Por que, às vezes, vemos a Lua toda, às vezes metade, ou ainda somente uma parte dela? Aliás, por que um dia é composto por 24 horas? Por que quando é dia no Brasil é noite no Japão? Também é curioso pensar por que um ano tem 365 dias? E por que o ano está dividido em estações? Além disso, por que o período do Natal dos países do hemisfério norte é gelado, chegando a ter neve em alguns países, enquanto no Brasil temos um Natal com uma temperatura mais elevada? Todas essas questões estão relacionadas ao planeta em que vivemos: O planeta Terra e seus movimentos.

Esse tema, muito embora pertinente em nosso dia a dia, é debatido mais profundamente no estudo de ciências durante o Ensino Fundamental. As perguntas que iniciaram esse texto, além de instigantes, são feitas costumeiramente por todos aqueles que são curiosos ou que buscam entender o mundo em que vivemos. Para respondê-las e direcionar o aprendizado do tema Terra e seus movimentos, também podemos utilizar de histórias e aventuras que comumente os alunos do ensino fundamental adoram escutar.

Além disso, quando pensamos o cenário educacional brasileiro, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz como uma das competências específicas , compreender as Ciências da Natureza como construção humana e o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico.

Temas relacionados à Astronomia são geradores de muita curiosidade por parte dos estudantes, porém nem sempre são abordados em sala de aula de forma a fazer com que o estudante relacione o tema ao seu cotidiano, tornando o assunto menos interessante. Nesse sentido, a BNCC sugere o estudo da Terra e seus movimentos em suas diretrizes e orienta para um ensino contextualizado do tema.

A humanidade, desde os primeiros pensadores, formulou e testou hipóteses que buscavam explicar os acontecimentos do dia a dia. Assim, ao caminhar na construção do conhecimento, formulando, descartando ou refinando hipóteses, foi possível chegar ao conhecimento que temos hoje sobre os movimentos da Terra e a sua relação com o nosso cotidiano.

No entanto, vale lembrar que as conclusões em ciências são sempre consideradas provisórias e não acabadas, pois podem ser modificadas diante de novas observações, hipóteses ou formas diferentes de realizar e interpretar experimentos. Nesse sentido, o professor deve instigar no estudante do Ensino Fundamental o valor das hipóteses que devem ser formuladas e reformuladas através da contínua observação do meio em que vivemos

O ensino de Ciências é mais efetivo quando o estudante é estimulado a ser um pesquisador, ou seja, constrói conhecimento através da observação, do questionamento e da coleta de dados. Afinal, como diz o astrônomo e divulgador científico Neil deGrasse Tyson, toda criança que explora o seu entorno através da observação e experimentação já têm certas características de uma cientista. Porém, à medida que crescem, a sociedade é que retira isso delas. 

Para saber mais

BRASIL, Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília, DF, 2018. 

Brasil Escola. A invenção do Telescópio por Galileu Galilei  

Carl Sagan. Cosmos. Editora Francisco Alves, 1ª edição, 1980.

Felipe A. P. L. Costa. Ecologia, Evolução & o valor das pequenas coisas. Edição do autor, 2ª edição, 2014. 

Scientific American Brasil. Mitos e Estações no céu Tupi-Guarani. 

Tiago Jokura. Pergunta para o Jokura.Qual é a velocidade da Terra? É tanto número que um velocímetro iria pirar. Tilt Uol.   

Sobre os autores

João Manuel Fogaça é licenciado em Ciências Biológicas, pelo IBB/UNESP, mestre e Doutor em Ciências Biológicas pela UFPR. Atualmente é pós-doutorando pelo mesmo programa.

Alejandro Restrepo González é bacharel em Ciências Biológicas pela Universidad de Antioquia, Colômbia, mestre em Ecologia e conservação pela UFPR. Atualmente é doutorando pelo mesmo programa.

Elisabete Cardieri é licenciada em Filosofia (UNIFAI), e Pedagogia (FFCLSBC), especialista em Pedagogia da Cooperação e Metodologias Colaborativas (UNIP), mestre em Educação (USP), doutora em Educação (PUC/SP), Professora aposentada da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP)

Vinícius Nunes Alves é licenciado e bacharel em Ciências Biológicas pelo IBB/UNESP, mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU, especialista em Jornalismo Científico pelo Labjor/UNICAMP. Também atua como colunista no jornal Notícias Botucatu.

2 Comentários em Uma pitada de Astronomia: Movimentos da Terra

  1. Achei essa postagem fazendo pesquisas para preparar a minha primeira aula sobre movimentos da Terra. Abordagem maravilhosa do assunto, muito didático e instigante, me ajudou bastante!

    • Olá, Profa Maria Carolina. Que ótimo saber que gostou assim da abordagem e que foi aproveitada para sua aula! Eu e os outros autores ficamos gratos e contentes com seu comentário!

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