Tensa relação entre ensino e pesquisa na formação inicial de professores
O artigo[1] que comentamos aqui foi publicado no periódico “Espaço do Currículo”[2] organizado pelo Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba em 2015. A autora, Carla Carolina Nova[3], docente na Universidade Federal do Recôncavo – UFRB, afirma que este artigo é parte de uma dissertação de mestrado que utilizou como metodologia entrevistas com docentes sobre a relação entre ensino e pesquisa na formação inicial de professores. Em 2015, ela integrou o grupo de projeto de pesquisa “Docência e formação: a profissionalidade dos professores universitários iniciantes”, dessa forma é possível afirmar que este artigo se vincula a esta produção. Podemos identificar como público alvo deste artigo: docentes universitário e professores em formação inicial.
O artigo está dividido em 3 partes: introdução, seção “Relação teoria e prática na universidade: reforço ao distanciamento entre ensino e pesquisa” e conclusões. A introdução ocupa mais da metade do texto e poderia ser dividida em 3 momentos diferentes. Nesta resenha vou propor uma leitura dividindo a introdução em 3 momentos e seguindo com as demais seções originais.
O primeiro momento que podemos destacar da introdução é quanto a construção de um referencial teórico/histórico para chegar na seguinte afirmativa: nas universidades (esse percurso é construído historicamente) existe uma hierarquia e um distanciamento entre ensino e pesquisa, ainda hoje, o ensino é graduação, consumo e transmissão, a pesquisa é pós-graduação, produção e qualificação do conhecimento. Esta afirmativa é o ponto de partida da discussão que a autora apresenta, vale a pena destacar alguns dos referenciais teóricos que embasam este debate:
- Potencialidades do ensino com pesquisa – Pedro Demo[4] e Paoli Niuvenius[5];
- Cotidianização da pesquisa – Pedro Demo;
- Dúvida como princípio pedagógico – Maria Isabel Cunha[6];
- Colonialismo, concepção do outro como objeto e não com sujeito – Inês Barbosa de Oliveira[7].
Tendo em vista o ponto de partida ressaltado anteriormente podemos verificar o 2º momento que discute o currículo prescrito, formal, oficial… e a abordagem docente mais comum a ele que promove sua manutenção: a tradicional “aula expositiva”, pura transmissão da teoria. Nessa abordagem o currículo está diretamente ligado a pesquisa, contudo vale fazer uma ressalva neste ponto a autora não menciona que existe um delay grande para que a pesquisa vire ensino, para que a teoria se cristalize e vire currículo. Nesse trecho a apreensão dos entrevistados sobressai, é desconfortável o aluno que indaga e/ou o que não responde, o ideal é o aluno que responde o esperado e que não problematiza, aluno utópico. Esse aluno utópico é esperado mesmo na formação de futuros professores. Ou seja, a abordagem pedagógica hegemônica para formação de futuros professores ou focada no docente, centrado no professor transmissor é passiva e fortalece a tradição da aula expositiva que proporciona a manutenção da dicotomia entre ensino consumido e pesquisa produtora. Como saída possível a autora traz a reflexão de que é possível incorporar, como conteúdo, os resultados das práticas pedagógicas e que esse percurso deve ser pesquisa, para tanto deve ser provocador, trazer problematizações e indagações e que para isso o lugar de conforto do docente expositor deve ser repensado, referenciada na “aprendizagem baseada na indagação”[8].
A última parte da introdução trata do currículo possível, o que é apresentado é um pequeno compilado de abordagens pedagógicas.
- Abordagens centradas no professor (o propulsor é sempre o professor): docência impulsionada pela investigação e orientada para investigação;
- Abordagens centradas nos estudantes: investigação tutorizada; docência baseada na investigação.
Nesse último trecho da introdução, os entrevistados aparecem para afirmar que “se tem como perspectiva ensinar a pesquisar”. Por fim, Nova questiona a falta de autonomia que se constrói nessa relação de formação sempre amparada, tutorada e afirma que a autonomia é construída e não dada.
Na seção “Relação teoria e prática na universidade: reforço ao distanciamento entre ensino e pesquisa” o argumento da autora afirma que a formação de professores da forma cartesiana que é estruturada traz o currículo praticado puramente teórico, com viés intelectualista sem ancoragem na vida prática. O que é entendido por colocar a teoria em prática nos cursos de formação de professores são os estágios, para a autora e seus referenciais[9] o estágio não é prática, é uma atividade teórica preparando para a prática.
Quando do trecho final “conclusões”, as entrevistas dão embasamento para linha de argumentação da autora, resumindo as 4 partes do texto, nesta proposta de divisão de leitura. Este artigo pode ser lido como um estudo de caso, o texto e apresenta esse cenário tenso entre ensino e pesquisa como cotidiano real nas universidades ancorado em referenciais teóricos e nas entrevistas. Para além, aponta que falta para docência universitária formação pedagógica, que o comum é o pesquisador que vira docente, o incomum é o inverso. Reflexão para mudança, nas palavras da autora:
“O ensino com pesquisa precede o ensino para pesquisa, ou seja, para que as pessoas adquiram uma familiaridade com os mecanismos da investigação e se proponham atitudes necessárias para o olhar reflexivo que a pesquisa necessita, elas precisam ter a oportunidade de aprender esses processos, vivenciar ambientes que lhes dê segurança de se libertar das práticas colonialistas que a escolarização hegemônica impõe baseada na passividade, na falta de iniciativa, na preocupação com os modelos e com os julgamentos, na falta de escolha e na impossibilidade de pensar diferente.”
1 – NOVA, Carla Carolina Costa da. O currículo e a relação entre ensino e pesquisa na formação inicial de professores: tensões para a docência. ESPAÇO DO CURRÍCULO, v.8, n.3, p. 345-355, Setembro a Dezembro de 2015. Disponível em: http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rec/article/view/rec.2015.v8n3.345355
2 – A Revista Espaço do Currículo é um periódico eletrônico qualis B1 em Ensino e B2 em Educação. É organizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares (GEPPC), da Universidade Federal da Paraíba. Apresenta como o objetivo socializar conhecimentos sobre abordagens curriculares produzidas em âmbitos Internacional, Nacional e, em particular, na Região Nordeste.
3 – Docente na Universidade Federal do Recôncavo – UFRB -, Mestre em Educação e Contemporaneidade pelo PPGEDUC/UNEB, Coordenadora do DOCFORM – Grupo de Pesquisa Docência Currículo e Formação de Professores – carlanova@ufrb.edu.br.
4 – DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 6ª ed. São Paulo: Cortez,1999
5 – PAOLI, Niuvenius J. O princípio da indissociabilidade do ensino e da pesquisa. Cadernos CEDES 22. Educação Superior: autonomia, pesquisa, extensão, ensino e qualidade. São Paulo: Cortez, 1988.
6 – CUNHA, Maria Isabel. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: Junqueira & Marin editores,1998.
7 – OLIVEIRA, Inês Barbosa de. As Artes do Currículo in OLIVEIRA, Inês Barbosa de (org). Alternativas emancipatórias em currículo. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. p 9‐25.
_______. Prefácio in FERRAÇO, Carlos Eduardo; RANGEL, Iguatemi; CARVALHO, Janete Magalhães; NUNES, Kezia Rodrigues. Diferentes perspectivas de currículo na atualidade. Petróplis, RJ: De Petrus: NUPEC/UFES, 2015. p. 7‐10.
8 – HEALEY, Mick.Vínculos entre docência e investigación: reflexión en torno a los espacios disciplinares y el papel del aprendizaje basado en la indagación. In: BARNETT, Ronald (Ed.). Para una transformación de la universidade: nuevas relaciones entre investigación, saber y docência. Barcelona: Octaedro, 2008. p. 93‐137.
9 – PIMENTA, Selma Garrido e ANASTASIOU, Lea das Graças Camargo. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.
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