Indissociabilidade Ensino-Pesquisa-Extensão e a Flexibilização Curricular: uma visão  da Extensão

Publicado por Diego Pansani em

Como estamos num momento de intensa discussão sobre a Curricularização da Extensão na Unicamp, procuramos auxiliar neste debate fazendo um breve levantamento do trabalho realizado por diversos autores, em 2006, o qual procura explorar diversos pontos essenciais sobre o tema Extensão Universitária. A obra que utilizamos é o compilado “Fórum de Pró-Reitoria de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras”,  publicado pelo MEC/SESu, Brasília e UFRGS, Porto Alegre. (Versão online, 100 páginas). Participaram na elaboração do documento pesquisadoras de diversas instituições (UFRJ, UFPA, UPE, UEMS, UFPB, UFSCar, UENF, UEL, UNIFESP, UFMG, UDESC, UNIRIO, UFRGS)

Resumo:

O Capítulo I apresenta uma síntese da história da Educação Superior em seus aspectos jurídicos relativos ao tema. No Capítulo II, aborda-se a universidade em seu processo de transformação, no que tange aos caminhos para a implementação da flexibilização curricular, sempre tendo em vista o princípio da indissociabilidade. O Capítulo III enfoca essa temática, baseando-se nas experiências desenvolvidas no âmbito da extensão e que contribuem para a construção desse processo nas universidades públicas brasileiras.

Ao final, são tecidas considerações ressaltando a importância de um currículo construído sob a ótica da indissociabilidade, tendo a flexibilização como um dos principais mecanismos para a garantia de uma formação crítica e cidadã.

Comentários:

Além de apresentar os principais documentos que regem a Extensão Universitária, o primeiro capítulo faz um panorama histórico da questão no Brasil, que se inicia com o aparecimento, em 1931, do primeiro registro oficial sobre Extensão Universitária. Destaca as diversas concepções de Extensão ao longo da breve história da Educação Superior no Brasil: de modalidade instrumental da classe dirigente até a aproximação, na década de 60, com os movimentos sociais. Salienta que tal postura institucional foi interrompida após o Golpe Militar de 64, quando foi criado o Projeto Rondon, em 1966, objetivando “a cooptação de estudantes (…) ao modelo desenvolvimentista e tecnicista implantado no país naquele momento” (p.19), fomentando assim, um fluxo ambivalente entre estudantes à serviço do Estado Autoritário e, ao mesmo tempo, com o governo, do outro lado, se inserindo na Universidade.

O texto esclarece que mesmo com a Reforma Universitária de 1968 a Extensão ainda manteve o caráter de “cunho assistencialista e desvinculado do ensino e da pesquisa” (p.20). Faz um giro histórico e sublinha que “Os anos de 1979 (Anistia), 1984 (Campanha Diretas Já), 1988 (Constituição Federal) e 1989 (Eleições Diretas) devem ser pontuados pelos desdobramentos que incitaram” e devem ser considerados como marcos democráticos ante os “retrocessos sociais e políticos até então vividos”. (p.20)

Há então uma virada institucional e epistemológica com a criação do FORPROEX (Forúm de Pró-Reitores de Universidades Públicas), em 1987, e a concepção de Extensão é revista: “rediscute-se a função social da Universidade, (…) sua institucionalização e seu financiamento”. Passa-se a considerar a população brasileira como produtora ativa e não apenas receptora de conhecimento. Surge a discussão acerca da “necessidade de um currículo dinâmico, flexível, e transformador” que poderia ser implementado através de metodologias de ensino-aprendizagem problematizadoras e aderidas à realidade concreta da região e do país. É o fortalecimento da indissociabilidade da tríade Ensino-Pesquisa-Extensão, pautado pelo Artigo 207 da CF-88.

Diante dessa nova concepção, a sala de aula deixa de ser o palco da produção de teoria e passa a ser considerada como “todo o espaço, dentro ou fora da universidade, onde se realiza o processo histórico-social, vivido por diferentes atores” (p.23). No texto, este é o principal exemplo que ilustra as consequências ocorridas com a mudança conceitual e institucional e seu reflexo no processo pedagógico e na democratização do saber acadêmico, “uma vez que, por meio (da Extensão), o saber retorna à Universidade, testado e reelaborado” (p.24) A partir disso, o texto apresenta inúmeras políticas e diretrizes que orientaram as Universidades nesse novo cenário de integração social, ancorado pela tríade Ensino-Pesquisa-Extensão: captação de recursos, interlocução com ministérios, produção de documentação e institucionalização da Extensão.

Com essa retrospectiva, tal documento nos evidencia a participação do FORPROEX nos debates nacionais sobre Educação Superior no Brasil e demonstra seu caráter ativo como interlocutor e propositivo diante da nova concepção da Extensão:”um espaço privilegiado de reflexão e ação crítica, contribuindo para a oxigenação do pensar e do agir transformador da Universidade” (p.30).

O objetivo do segundo capítulo é indicar referências norteadoras para entendermos o processo de flexibilização curricular. O documento salienta a importância do conceito de Currículo, como aglutinador e expressão da tríade Ensino-Pesquisa-Extensão e nos mostra que, a partir dele, poderíamos evidenciar o Projeto Político-Pedagógico da Universidade. Tal projeto deveria ser “apoiado em princípios éticos, humanistas e solidários, que fortaleçam uma concepção democrática de vida em sociedade” (p.36)

Assim, seria fundamental nos afastarmos da noção de currículo entendida como “grade”, “um elenco variado de informações (que imprimiriam) uma visão linear e rígida de formação, capaz de marginalizar aqueles que não se adequassem a ele” (p.38)

Há mais uma vez, nesse segundo capítulo, uma referenciação histórica que acompanha os movimentos de disputa acerca do conceito de currículo, culminando, nas décadas de 80 e 90, com o projeto neoliberal de universidade, que valoriza “modelos e práticas gerenciais que buscam “aumentar” a qualidade e a eficiência dos serviços, tendo como modelo a administração de empresas privadas” (p.39)

Segundos os autores, a Universidade brasileira, dentro dessa perspectiva, é colocada em xeque, não somente em sua autonomia universitária, mas em seus processos pedagógicos e em esferas da micropolítica: ilustram a discussão ideias de “qualidade total”, “eficácia”, “sucesso”, e demais noções atreladas à lógica privada. Nossas análises deveriam considerar o poder hegemônico da economia, hoje globalizada, e surpreendentemente inovadora. Ao considerar essas variáveis, a formação do estudante não poderia se circunscrever ao utilitarismo profissionalizante, dadas as mudanças constantes dos instrumentos e direcionamentos técnicos. Teríamos que pensar o currículo como forma de iluminar as competências metodológicas, éticas e epistemológicas: como o conhecimento é produzido? Em qual contexto histórico? Para quais finalidades?

“A busca dessa competência (…) passa pelo desenvolvimento de uma atitude investigativa e questionadora, ampliando a capacidade de aprender por si do ser humano, criando condições para que ele possa, permanentemente, se manter aprendendo. É essa capacidade de (re)criar o conhecimento e manuseá-lo que, realmente, qualifica a competência do indivíduo.” (p.43)

Desse modo, o documento alerta para a tecnicização perversa, motivada pelo contexto econômico produtor de disparidades materiais, e que, ao ignorar aspectos sociais, políticos e de conscientização crítica do contexto local, regional e nacional, e evidentemente de suas demandas, o currículo poderia, em vez de amenizar as desigualdades sociais e de acesso a serviços, aprofundá-las.

Esse novo paradigma requer docentes, “práticas pedagógicas e uma nova organização curricular permeável às transformações em curso, interdisciplinar, privilegiando a articulação teoria-prática na formação integral do estudante” (p.44) Nessa direção, a LDB (1996) determina o fim dos

“antigos currículos mínimos (…). As Diretrizes Curriculares, além de traçarem caminhos para eliminação do excesso de pré e de co-requisitos entre as disciplinas, preveem a inclusão de atividades denominadas ‘‘complementares’’ nos projetos pedagógicos de tais cursos, abrindo-se, assim, possibilidades no Currículo para a introdução de ações de Extensão, ao lado de outras atividades, como as de Pesquisa” (p.45)

Tal ideia de flexibilização, além da organização curricular, pressupõe uma liberdade maior para o estudante articular suas escolhas e construir sua identidade, valorizando a vivência universitária numa dimensão jamais considerada anteriormente: “um projeto que se forja no cotidiano” (p.46).

O documento salienta que esse processo de flexibilização e de produção coletiva das vivências seja fortemente vinculado ao “núcleo epistemológico do curso, a partir do perfil do profissional delineado no projeto político-pedagógico”. (p.47)

Desse modo, com o Currículo incorporando as vivências, reflexões e demandas sociais e dos próprios estudantes, se resgataria o compromisso da Universidade Pública com a cidadania plena.

Logo no início do terceiro capítulo, intitulado “Caminhos”, o documento apresenta a RENEX – uma rede de compartilhamento de documentos e experiências de inúmeras intituições. A partir dela se pretende construir uma tipologia “das experiências que vem sendo vivenciadas por diferentes universidades, uma conceituação das atividades de pesquisa e extensão mais condizente com a noção contemporânea de indissociabilidade(…).

“A composição do currículo será resultado da discussão coletiva do projeto político-pedagógico e deverá contemplar um núcleo que caracterize a identidade do curso e em torno do qual se construa uma estrutura que viabilize uma formação mais generalista e que aproveite todas as possibilidades e todos os espaços de aprendizado possíveis” (p.57)

Além dos aspectos ligados ao projeto pedagógico, da construção de um currículo flexível e de sugestões acerca da padronização de siglas (nomenclatura) para sua implementação mais racional, o documento salienta a importância na “promoção de ações continuadas de conscientização e motivação da comunidade acadêmica”(p.58). Essa seria a grande missão dos orgãos e departamentos ligados à política institucional das respectivas instituições de Ensino Superior. Se essa motivação for bem sucedida, as ações integradoras entre a realidade (demandas sociais) e o ensino, pesquisa e extensão, também o será.

Destaca a importância dos orgãos colegiados: Plenárias e Grupos de Trabalho como metodologia de integração de diversas instituições e tentativa de democratizar a discussão. Mais internamente, ilumina o papel da administração superior, responsável por estruturar as condições necessárias para a implementação da flexibilização, abarcando “o sistema de controle acadêmico e investimento em recursos humanos” (p.60). Nessa seara, o documento também destaca “a imprescindibilidade da definição e regulamentação de formas de avaliação institucional das ações de flexibilização”(p.60) como maneira de retroalimentar o desenho e implementação das diversas etapas da flexibilização dos currículos.

As experiências dessa flexibilização foram ilustradas da seguinte maneira:

  • Atividade de extensão
  • Atividade de pesquisa
  • Atividade de monitoria
  • Disciplinas eletivas ou optativas ou isoladas
  • Participação em seminários, congressos e similares
  • Estágios curriculares não-obrigatórios
  • Atividade em Educação a Distância
  • Atividade de representação acadêmica
  • Participação no Programa Especial de Treinamento ou outros Grupos de Tutorias
  • Disciplinas cursadas em outras instituições
  • Visitas técnicas
  • Discussões temáticas

Experiências como a Atividade Curricular em Comunidade (ACC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Atividade Curricular de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão (ACIEPE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) mostraram que é possível conectar pesquisa e extensão sob a orientação de professores, em disciplinas de 60 horas ou atividades complementares obrigatórias – e assim destacar a “liberdade de escolha temática e dos procedimentos metodológicos” (p.63)

Lembra o documento que as manifestações concretas da política institucional das Universidades Públicas podem variar mas deverão sempre refletir o objetivo social que é produzir e sistematizar o conhecimento e torná-lo acessível, passível de ser apropriado por diferentes segmentos da sociedade.

 


Diego Pansani

É servidor do (EA)2, profissional de assuntos administrativos e especialista em políticas públicas.

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