Porque a síntese evolutiva não é uma festa do pijama – Uma resposta zangada a um anti-darwinista

Bom, eu já havia previsto que isso iria acontecer em algum momento.

Já a alguns meses venho acompanhando uma discussão no Research Gate (link para me seguir lá aqui) sobre as alternativas ao neo-darwinismo para a compreensão da evolução biológica. Como esperado, essa pergunta foi um imã de criacionistas, com a participação especial do nosso querido Enésio, falando o que ele sempre fala: em algum momento no futuro não-tão distante será lançada uma nova síntese evolutiva, que não será “selecionista” e blablabla. Só faltou a distinção entre fato, Fato e FATO, ou seja lá qual é o chavão que ele sempre usa.

Mas esse não é exatamente sobre o que quero falar no momento. Meu problema principal com essa discussão tem sido com o Dr. Emilio Cervantes, que até onde pude notar é um pesquisador daqui da Argentina, que parece ser algum tipo de botânico*. Desde o começo da discussão, ele tem batido na mesma tecla: neo-darwinismo está errado porque se baseia em um “fantasma semântico”, que é seleção natural. E o porque isso, exatamente? Oras, porque a natureza não tem uma mente para selecionar, logo o termo é contraditório. Obviamente, os criacionistas de plantão bateram palma, sem notar que a ausência de uma mente selecionadora na natureza não é lá uma coisa muito boa para o criacionismo. Ademais, segundo o Dr. Cervantes, Darwin confundiu criação de variantes domesticadas com o que acontece na natureza, e isso fere mais ainda a ideia de seleção natural como tendo qualquer significado.

Enfim, não entrarei em detalhes do resto da discussão, mas colarei abaixo minha última resposta. Em seu comentário anterior, depois de ignorar minhas respostas ou responde-las com ad hominem, Dr. Cervantes alega que é necessário testar a evolução de grupos caso-a-caso, e que não existe uma teoria que explica tudo em biologia. Eu concordo com esses pontos, mas discordo do discurso que ele apresentou. Acho que a minha resposta em si explica muito do que eu penso sobre o assunto e talvez resuma minhas impressões do debate, e da posição anti-darwinista do Dr. Cervantes.

Sem mais delongas:


Bom, eu na verdade concordo com isso, mas por motivos completamente diferentes.

A síntese evolutiva não foi uma festa-do-pijama entre paleontologos, taxonomistas e geneticistas, onde eles calharam de deixar os embriologistas de fora porque eles eram meio estranhos, e na qual eles decidiram “Puxa vida! Vamos apenas dizer que tudo funciona bem em conjunto e ver se cola”.

Ela foi uma unificação precisa de duas teorias (genética mendeliana e neo-darwinismo, sensu Weismann) através dos desenvolvimentos teóricos de genética de populações, e o entendimento de que essas teorias eram consistentes com o que se observa na natureza (incluindo o registro fóssil). Ela não é uma coleção de narrativas adaptacionistas não-testadas, como muitos dos críticos E defensores da síntese costumam acreditar.

O outro lado da moeda é que, sendo um corpo de conhecimento teórico especifico, ele só se aplica em casos nos quais suas premissas são verdadeiras. Então, ela não é onipotente, e todo mundo que usa esse arcabouço teórico sabe para que ele serve, como testar previsões com ele e que tipo de dado é necessário para que ele possa funcionar. Quando premissas e demandas teóricas falham, o mesmo ocorre com a teoria.

E é verdade que provavelmente não existe uma teoria unificadora em biologia. Por exemplo, qualquer teoria de ontogenia não vai se aplicar a organismos sem ontogenia, como bactérias. Mas isso não significa que teorias ontogenéticas são desprovidas de valor, longe disso. Ela explica o que ela pode de fato testar em cenários que se adequam à suas premissas.

O poder da síntese é ter premissas gerais como “herança genética mendeliana”, algo que é verdade para bactéria e para humanos. Mas fora isso, esses dois grupos diferem em quase tudo (ex: bactéria tem consideravel transferencia genética horizontal, humanos são diploides, etc) o que nos faz reconhecer que talvez existam mais premissas que podem ser incluidas em nossos modelos para melhorar seu poder explanatório.

Geralmente, todos os proponentes da síntese estendida não estão chamando por uma rejeição da síntese evolutiva. O que eles estão fazendo é chamar para a inclusão de mais fenômenos que não se adequam aos modelos clássicos. Essa inclusão não é apenas “vamos simplesmente colocar tudo nos livros texto e encerrar o dia”, mas o desenvolvimento teórico que está voltado à integração da síntese com esses fenômenos  Alguns são relativamente fáceis de integrar, como topologias adaptativas multidimensionais e construção de nicho, outras não são tão fáceis, como ontogenia. Se isso mudar nossas equações e previsões teóricas, que assim seja! Mudança baseada em evidencia é melhor que estagnação por negação de evidencias. Conscientização para essas questões é importante, iconoclastia má-orientada não.

E, não importa o que façamos, qualquer teoria vai ser necessariamente limitada. Mesmo que nós achemos um modelo que seja útil para todas as espécies que tenhamos estudado, existem potencialmente centenas de milhares mais que ainda não descobrimos, muito menos estudamos. As recentes estimativas são que conhecemos apenas 13% da biodiversidade presente. Jogar fora qualquer teoria biológica porque ela tenta ser ampla e defender o estudo de casos isolados é, na melhor das hipóteses, contraditório no presente contexto.

Mas, se o ponto é mesmo que “seleção natural” é um conceito vazio, então eu sugeriria direcionar a sua análise semântica para temos como “buracos negros” (que não são nem buracos, nem negros), o uso de “evidente” em matemática (nada que é evidente precisa de demostração) e “afinidades” em química (elementos não tem preferências). Na verdade, esse ultimo exemplo foi levantado por Darwin, quando a mesma objeção que você levantou chegou a ele: que seleção natural era contraditória, porque apenas criadores podem selecionar. Palavras podem ter mais de um significado e, sim, isso pode ser confuso (veja a ambiguidade do termo “singularidade” e “Big Bang” em cosmologia). Isso é tudo verdade. Mas dizer “por isso elas estão erradas”, é falacioso.

Darwin também apontou que sua idéias foi derivada da observação de criadores, mas ele dispendeu uma grande quantidade de páginas explicando como isso poderia ser atingido na natureza, e é ai que dinâmicas Maltusianas entrem na jogada. A relação entre seleção natural e artificial é, para mim, evidente partindo de uma leitura do Origens das Espécies. É uma relação de analogia, e não de identidade. Os principais filósofos da evolução parecem concordar comigo.

Nós podemos ter uma discussão produtiva sobre o uso de termos, e quais seriam os melhores de serem usados. Isso é difícil, pois linguagem é uma coisa complicada. Ela evolui por si próprio. Mas nós tivemos sucessos moderados com termos como “macaco” e “mais evoluído”. Mas termos e teorias são coisas diferentes.

Resumindo, sim, nós devemos ser específicos sobre o que nós estamos falando e tornar bem claro o que a teoria sintética é, o que ela deve explicar e o como ela faz isso. Na prática, isso deve levar a mais cautela no pronunciamento de afirmações não-substanciadas sobre adaptação (ou sobre qualquer outra coisa), e isso é bom. Pelo menos é isso que espero.


* Quando comentei o caso para um colega, que permanecerá inominado, ele comentou “aposto meu pinto que ele é ecologo ou botanico“. Não é preciso dizer que ele manteve o pinto dele.

Referência

Mora, C., Tittensor, D., Adl, S., Simpson, A., & Worm, B. (2011). How Many Species Are There on Earth and in the Ocean? PLoS Biology, 9 (8) DOI: 10.1371/journal.pbio.1001127

Bebês são amorais (e porque publicar seus resultados)

Em 2007, Hamlin e colegas elaboraram um experimento para avaliar a moralidade inata de infantes. Especificamente, esses pesquisadores queriam investigar a capacidade de avaliação social, ou seja, a capacidade de discernir entre indivíduos considerados bons dos indivíduos considerados ruins, algo essencial para a construção de nossas normas morais e de nosso convívio em sociedade.

Este estudo foi desenhado de forma relativamente simples. Os bebês eram expostos a uma cena onde um personagem (a bola rosa com olhos) tentava escalar uma colina. Em um dos casos, o escalador era auxiliado por um ajudante (triângulo amarelo) a subir a colina e no outro caso o escalador era impedido de atingir o topo por um terceiro agente (um cubo cinza).

Caso onde o escalador era auxiliado na sua escalada

Caso onde o escalador era impedido de atingir o topo.

Após as cenas, era dada aos bebês a possibilidade de fazer uma escolha entre dois personagens. Em um dos casos, os bebês podiam escolher entre o ajudante e um personagem neutro, e em outro caso eles podiam escolher entre o personagem neutro e o impedidor. No primeiro caso, os bebês escolhiam preferivelmente o ajudante ao personagem neutro, e no segundo caso, eles preferiam o personagem neutro ao que atrapalha. Isso é impressionante porque mostra que o bebê não apenas prefere “ajudantes”, como também repudia “impedidores”. E tem mais: isso mostra que os bebês conseguiam reconhecer a narrativa apresentada, atribuindo personalidades aos personagens, identificando intenção e objetivo (como isso não é o ponto do artigo, suponho que isso já fosse conhecido, mas achei digno de nota). E tudo isso em bebês de 6 e 10 meses! Bastante impressionante de fato!

Porém Scarf e colaboradores, ao investigarem os vídeos do procedimento experimental de Hamlin e colegas, notaram uma coisa estranha: no caso em que o escalador é auxiliado, ao terminar o seu percurso, ele chacoalha (presumidamente para passar a ideia de satisfação), porém isso não acontece quando ele é impedido de subir. Esses pesquisadores suspeitaram que o que estava acontecendo ali não era uma avaliação social, mas sim uma simples associação: coisas que chacoalham são mais atraentes para bebês e chamam a atenção. Sendo assim, a escolha pelo ajudante seria uma função do chacoalhar do escalador ao fim do percurso, uma hipótese que me parece intuitivamente válida. Afinal, bebês não são criaturas particularmente brilhantes, e todo pai sabe que eles são atraídos por cores fortes, por sons e por movimentos.

Para testar tal hipótese, a equipe de Scarf replicou o experimento, porém agora adicionando o “chacoalhar” seja quando o escalador conseguia chegar ao topo, seja quando ele era impedido de chegar ao topo e retornava ao cume. Cada bebê observava mais de um evento, delimitando 3 tipos de tratamento:

  1. No primeiro grupo os bebês viam o evento “ajudado” com chacoalhar e o evento “impedido” sem chacoalhar (grupo “Top” da figura);
  2. No segundo, os bebês viam ambos os eventos com o chacoalhar, tanto quando o escalador era impedido de chegar ao topo, quanto quando ele atingia o topo (grupo “Both)”;
  3. No último grupo os bebês viam apenas o episódio “impedido” com um chacoalhar, e enquanto o não o “ajudado” não apresentava a chacoalhada (grupo “Bottom”).
A previsão dos pesquisadores é simples: se o chacoalhar é o que determina a escolha do bebê, então veríamos que no primeiro grupo, mais bebês escolheriam o ajudante e que no ultimo grupo, mais bebês escolheriam o impedidor, enquanto no segundo grupo, onde existe chacoalhada em ambos os casos, os bebês selecionariam os personagens aleatoriamente. E os resultados são perfeitamente consistentes com tais previsões:
Porcentagem de bebês que escolhem os personagens nos 3 grupos experimentais : Primeiro grupo (“Top”), Segundo grupo (“Both”) e Terceiro grupo (“Bottom”). O tamanho das barras indica a porcentagem de bebês que escolheu um dado personagem, e a cor da barra indica o personagem escolhido: Amarelo- Ajudante; Azul- Impedidor.
Curioso que a proporção de bebês que seleciona o personagem quando há o chacoalho é similar no primeiro e último grupos (da minha parte eu ficaria feliz com umas barras de erro nisso aí). De qualquer forma, a hipótese de associação simples (ou seja “coisas coloridas, que chacoalham e fazem barulho são mais legais”) explica muito melhor os dados do que a de que bebês conseguem atuar em cima de alguma forma primitiva de julgamento moral. Sendo assim, tal capacidade (como vista em seres humanos adultos) seria adquirida em um momento posterior no desenvolvimento, presumidamente por aprendizado social.

Esse tipo de debate é interessante por vários motivos óbvios, mas pelo menos por um não-obvio e bastante importante: divulgação de dados científicos. Tal discussão jamais teria ocorrido se os autores do primeiro trabalho não tivessem divulgado vídeos demonstrando seus procedimentos experimentais, possibilitando o segundo grupo de pesquisadores replicar e testar os seus achados. Por mais que fique a sensação que o primeiro grupo pisou na bola (e pisou), foi sua honestidade que possibilitou a descoberta do erro e do avanço do conhecimento.

Parafraseando Robert Price: Todos os resultados de investigação honesta contém em si as sementes da sua própria destruição. Acho que essa é um ótimo ideal a ser seguido.

Isso, e nunca confiar em bebês, pois eles são um bando amorais. Sempre desconfiei.

Referências

  Hamlin, J., Wynn, K., & Bloom, P. (2007). Social evaluation by preverbal infants Nature, 450 (7169), 557-559 DOI: 10.1038/nature06288

  Scarf, D., Imuta, K., Colombo, M., & Hayne, H. (2012). Social Evaluation or Simple Association? Simple Associations May Explain Moral Reasoning in Infants PLoS ONE, 7 (8) DOI: 10.1371/journal.pone.0042698

20 perguntas que os ateus têm dificuldade em responder


Semana passada Peter Saunder compilou uma lista de 20 perguntas a ateus que, segundo ele, não tiveram respostas decentes nos últimos 40 anos. Decentes para Saunder, pelo menos. De qualquer forma, eu falho em ver o ponto dessas perguntas. Afinal, a incapacidade ou dificuldade de ateus responderem tais perguntas não torna uma alternativa supernatural necessariamente uma resposta válida. Adicionalmente, muitas dessas perguntas tem cunho científico. Qual é a suposição oculta aqui? Que apenas ateus são cientistas (ou que ciência é ateia?).

Não tenho a pretensão de responde-las completamente, principalmente porque algumas delas requerem o mínimo de pesquisa (e acreditem ou não, eu tenho outras coisas para fazer). De qualquer forma acho válido registrar minha opinião sobre esses assuntos.

1) O que causou a existência do universo?

Eu não estava ciente que já haviam demonstrado que o universo tinha tido uma causa. Afinal, a pergunta não é se o universo tem uma causa, mas qual é ela. Essa pergunta pode ir para qualquer lado. Afinal, se formos igualar “universo”=”o que teve inicio com o Big Bang”, então existem muitas respostas possíveis, incluindo a resposta dada por Lawrence Krauss. Note que a resposta de Krauss não responde “por que existe algo e não nada”, mas responde o porque o que existe assume a configuração que vemos, sendo que essa configuração é o que “teve inicio com o Big Bang”. Outra possibilidade é simplesmente que o universo não teve uma causa, seja porque ele é eterno, ou seja porque ele tem uma origem a-causal.

Responder porque existe algo e não nada é uma pergunta diferente.

2) O que explica o ajuste fino das constantes universais?

O ajuste fino das constantes universais, até onde me consta, é a descrição de um padrão visto nas leis usadas para descrever o comportamento dos sistemas físicos. Ou seja, o ajuste fino é apenas um padrão das nos parâmetros de modelos descritivos. Visto que tais leis lidam com contextos muito específicos e livres de erros, o “ajuste” dos parâmetros é uma simples função da ausência de erro nesses sistemas (ou erro nos experimentos criados para testa-las).

Perguntar o que causa o ajuste fino das constantes universais me soa como uma falácia de equivocação, na qual substituímos os modelos descritivos do universo pelo universo e assumimos que, visto que números variam em uma escala, e tais modelos tem parâmetros (constantes) numéricas, logo tais constantes  poderiam assumir quaisquer valores. Eu não estou certo de que isso é possível.

3) Porque o universo é racional?

Até onde sei, racionalidade é uma propriedade de cérebros, e não de universos. Talvez a pergunta seja “porque o universo pode ser descrito racionalmente?”. Se de fato a pergunta for essa, me parece que nossa capacidade de entender o universo é uma função do fato de que o universo é ordenado e que nossos cérebros evoluíram nesse contexto, nos fornecendo ferramentas para interpreta-lo.

Um exercício interessante é tentar imaginar como seria um universo que não é descritivel de forma racional. Tal “universo irracional” impediria qualquer tipo de inferência racional, o que me parece o mínimo necessário para o surgimento de seres racionais. Ou seja, se existisse vida em tal universo (o que eu também acho que seria impossível, visto que não haveria transferencia de informação), ela simplesmente nunca evoluiria para ser “racional”, pelo menos não da maneira que nós somos. Porém imagino que existiria a possibilidade de algum tipo de processamento axiomático eficiente e extrapolável, basicamente porque parece um jeito eficiente e versátil de exploração da realidade.

4) Como DNA e aminoácidos surgiram?

Através de processos químicos. Os aminoácidos são a parte mais fácil, obviamente. Desde os experimentos de Urey-Miller que sabemos que é possível criar aminoácidos através de processos químicos. Muito se fala que as condições ambientais simuladas nesses experimentos não refletiam as condições reais da Terra primordial, porém normalmente se deixa de fora o fato de que experimentos recentes, com condições mais próximas dos modelos atuais para atmosfera primitiva, conseguem produzir mais aminoácidos que os experimentos originais.

No caso do DNA a questão é um pouco mais complicada, porém tanto a origem de nucleotídeos quanto a polimerização de polinucleotideos pode ser atingida naturalmente. A formação de cadeias mais longas e codificantes provavelmente envolveu algum tipo de processo biológico.

5) De onde veio o código genético?

Existem 3 principais teorias da origem do código genético. A primeira é a teoria estero-quimica, na qual a associação entre códon, anti-codon e amnoácidos se dá por afinidades fisicoquímicas. A segunda é a teoria coevolutiva, que postula que a estrutura do código co-evoluiu com as rotas catalíticas dos amnoácidos. A terceira é a teoria do “acidente congelado”, na qual o fato de todos os organismos terem o mesmo código simplesmente por compartilhar um ancestral comum. Tais teorias não são mutualmente exclusivas.

6) Como cadeias de enzimas complexamente irredutíveis evoluem?

Vale lembrar que complexidade irredutível é definido de diversas formas, porém a mais usual é “uma estrutura complexa que deixa de exercer uma função se uma de suas partes é removida”. Disso normalmente se infere que é impossível evoluir tal estrutura por seleção natural, visto que é impossível exercer seleção para a melhora de uma função, sendo que o estado anterior hipotético não poderia ter essa função. Nesse contexto, basta termos rotas metabólicas que exercem outras funções sendo coaptadas para exercer uma nova função. Basta que o passo anterior seja levemente mais benéfico para o organismo que o anterior. Na verdade, acredito que muito da questão da complexidade irredutível vem do fato de que criacionistas avaliam as rotas metabólicas individualmente, ignorando que elas estão em organismos em um contexto ecológico. Mesmo uma pequena queda de aptidão para dada função pode ser compensada por um incremento maior de aptidão em outra característica. O que importa é a aptidão total do organismo e, consequentemente, a aptidão média da população.

Isso torna a dinâmica evolutiva bastante complicada e não linear, visto que não podemos traçar a evolução de dado sistema simplesmente avaliando a função atual do sistema. Mas o fato de ser complicado não significa que é impossivel, como os criacionistas costumam achar.

7) Como nós podemos explicar a origem de 116 famílias linguisticas distintas?

Suponho que através de algum principio de evolução cultural. Afinal, as famílias podem ser construtos artificiais que reconhecemos como discretos apenas porque as informações que agrupavam distintas famílias em grupos mais inclusivos foram superescritas por um longo processo de desenvolvimento cultural. As evidências parecem apontar para o fato de que a origem linguística é única e que processos culturais e padronização geográfica são essenciais para entender a evolução da linguagem.

De qualquer forma, as distintas linguagens não necessariamente surgiram de apenas uma linguagem ancestral. A capacidade para a linguagem parece estar presente em primatas não-humanos, assim como indícios de diferenciação cultural entre populações. Origem independente e fluxo cultural podem ter dominado o inicio da história da comunicação linguística humana.

8) Porque cidades surgiram subitamente por todo o mundo entre 3000 e 1000 AC?

Até onde sei, 2000 mil anos não é “súbito”, principalmente em termos de história humana. De qualquer forma, eu não sei se isso é verdade. Até onde sei, as primeiras cidades datam de até 7500 AC (Eridu – 5400AC; Uruk- 4000AC; Ur- <3000AC; Çatalhöyük-7500AC), o que é consistente com a idea de que a construção de ocupações mais permanentes e do estabelecimento de grandes áreas agricultáveis só foram possíveis com o aumento da temperatura após o ótimo climático do Holoceno.

9) Como é possível a existência de pensamento independente em um mundo governado por acaso e necessidade?

O que essa pergunta quer dizer exatamente, eu não tenho certeza. Saunder parece querer insinuar que necessidade implicam em ausência de escolha e que acaso implica em acausalidade e que pensamento independente (presumidamente livre-arbítrio) ocorre. Porém se minha interpretação está correta, essa pergunta é igual a uma que veem a seguir (explicitamente sobre livre-arbitrio).

Acho que nesse momento não é possivel responder a pergunta sem entender exatamente o que “pensamento independente” é.

10) Como explicamos a auto-consciência?*

Provavelmente como uma função superior de um cérebro complexo e modular, surgido através de evolução. Até onde sabemos, autoconsciência (“self-awareness”) está presente não apenas em humanos, chimpanzés, orangotangos e até alguns macacos. Apesar disso indicar que existe uma origem evolutiva comum para a consciência, nem todos grandes primatas apresentam a capacidade de auto-reconhecimento (usado como indicio de consciência), o que sugere que as bases para a consciência podem estar presentes em diversos graus em diferentes linhagens de primatas, mas as condições específicas para o seu surgimento possam envolver mais fatores, como capacidade de aprendizado, por exemplo.

11) Como o livre-arbítrio é possível em um mundo determinista?

A resposta é fácil: ele não é. Ou ao menos o livre-arbítrio libertario. Agora, se formos usar a definição de livre-arbítrio compatibilista, pela própria definição, o livre-arbítrio seria compatível com determinismo (não que eu entenda o ponto do livre-arbítrio compatibilista como sendo um tópico para discussão).

12) Como explicamos a consciência?*

Sabemos que pessoas com lesões cerebrais tem capacidades de raciocínio moral modificadas ou prejudicadas, como no famoso caso do Phineas Gage. Ou seja, a capacidade de pensamento moral são contingente em características estruturais de nosso cérebro. Curiosamente, muitas características típicas do comportamento de culpa estão presentes em outros animais sociais , e são usados como reforço de relações sociais e para minimizar os efeitos das transgressões contra parceiros de grupo, o que estabelece um continuo natural entre o comportamento visto nesses animais e o nosso comportamento moral.

13) Qual é a base de nossos julgamentos morais?

Nossas vontades, nossa capacidade de empatia e, sobretudo, razão. Não é nada mágico se você para pensar. Todos nós queremos coisas e sentimos obrigações morais para com outros membros de nosso grupo social. Não apenas isso, tais coisas que queremos normalmente são realizadas por intermédio da sociedade (que seja comprar uma Ferrari, afinal, você não tem uma manufatura de Ferraris no seu quintal), o que torna a transformação da sociedade um instrumento essencial para que possamos conseguir essas coisas. Claro, outros membros de nossa sociedade despertam nossa empatia, mas também nosso medo, é isso que significa ser parte de uma espécie de animais sociais. Sendo assim, regras gerais de conduta são estabelecidas para um convívio social menos tenso. 

Na minha opinião, a regra de ouro continua sendo o melhor ideal de conduta social, porém isso nem sempre leva em conta o fato de que os outros membros da sociedade podem ser cretinos e simplesmente fazer com você exatamente o que não querem que seja feito com eles.

14) Porque sofrimento importa?

Bom, ele não importa, ao menos para a grande maioria do universo. Ele importa para nós. O porque disso decorre, como falei acima, de nossa natureza (como um animal) social e nossos desejos para uma sociedade melhor (que está implícito em nossa busca por coisas boas). Nesse tipo de sistema, sofrimento é um indicativo relativamente forte de que as coisas andam mal e que, se um numero grande de pessoas sofrem no seu convívio social, é bem provável que você venha a sofrer também. 

15) Porque seres humanos importam?

De novo, eles importam para nós, que somos humanos pelos mesmos motivos colocados acima. Nós vivemos em um meio social: sem isso, até o mais desfavorecido dos seres humanos seria apenas um louco no meio do mato sem a capacidade de articular um pensamento coerente, se muito. Até em nossos estados mais primitivos nós dependíamos de nosso bando. Ou seja, imaginar um ser humano isolado do resto de seu convívio social é quase como remover do sistema qualquer pessoa que possa vir a se importar com algo.

16) Porque ligar para justiça?

Porque ela faz parte de uma sociedade funcional onde é possível (ao menos em tese) conseguir as coisas que desejamos, através da transformação da sociedade, como já coloquei. A justiça é o mecanismo que tenta impedir que cretinos (ou sociopatas) sejam cretinos.

Porém se a palavra justiça está relacionada à “retribuição”, então a resposta é que devemos ligar para ela porque algumas pessoas precisam disso para fazer algum tipo de racionalização de injustiças cometidas contra elas ou contra entes queridos. Retribuição, na forma de punição estatal, parece apenas funcionar como um dispositivo de coesão social, nesse sentido. Minha opinião é que, na maioria dos casos, não precisamos deles.

17) Como explicamos a quase universal crença no supernatural?

Através de predisposição cognitiva humana à pensamento teleológico e intencional (referencias aquiaqui e aqui). O que isso significa é que nós temos uma capacidade inata de reconhecer propósito e intencionalidade na natureza, mesmo quando essa não existe. Tal predisposição é independente de nossa bagagem cultural (principalmente por estar presente antes de que qualquer aprendizado expressivo ocorra), o que significa que não é religião que a perpetua, mas que ela é um dos mecanismos através da qual nossas crenças supernaturais se expressam. Tais mecanismos parecem ser exatamente os mesmos por trás do reconhecimento de design na natureza. Tais predisposições inatas parecem correlacionar negativamente com o nível de instrução até mesmo em idades pouco avançadas, sendo substituídas aos poucos por raciocínio mediado por regras (aprendidas). Não tão espantosamente, parece haver uma influencia negativa de religiosidade em grau de escolaridade científica.

18) Como sabemos que o supernatural não existe?

Eu não sei se tal pergunta sequer faz sentido. Em quase qualquer definição de “supernatural” que eu consiga conceber, a detecção dele implicaria que tal coisa que foi detectada não é supernatural, apenas desconhecida. Se o supernatural “real” existe de fato, ele não é apenas indetectável, como também não influencia nada em nossa realidade. Ou seja, o supernatural pode existir de forma que não ajude em nada o argumento teísta.

19) Como podemos saber se existe uma existência consciente após a morte?

Da forma que vejo, através de ciência. Afinal, basta descobrir um procedimento pelo qual nossa mente pode ser transmitida através de algum tipo de meio para tal tipo de existência. Existe um pequeno porém ai: sabemos que nossa mente é uma função fisiológica de nossos sistema nervoso central, que é amplamente influenciada não apenas pela conformação específica de sinapses de cada cérebro individual, assim como outros sistemas do nosso corpo. O que entendemos por “mente” é um aspecto de nosso corpo físico. Tal aspecto poderia ser transmitido para esse outro meio (não vejo nenhum tipo de impossibilidade lógica em isso acontecer), porém isso me parece que envolveria algum tipo de transferência de massa/energia para esse outro sistema (afinal, nossas mentes são materiais). E mesmo assim, não vejo como isso necessariamente implicaria em “consciência”. Afinal, a mente age através do corpo, e remover um aspecto apenas e dizer que aquilo apresenta as mesmas propriedades que o todo possuía (pelo menos a propriedade que nos importa) não me parece muito justificado. Seria como fazer um backup de um GPS de um carro e ainda assim achar que o seu pendrive pode te levar até Ubatuba.

20) Como explicar a tumba vazia, as aparições de Jesus após a morte e o crescimento da Igreja?

Eu não estou sequer convencido que Jesus realmente foi uma pessoa real (como acho que deixei a entender nesse post). A tumba vazia, assim como as aparições podem ser explicadas por qualquer outro mecanismo que gerou outros mitos equivalentes. Mesmo um cristão pode entender isso, a não ser que ele também aceite a ressurreição de Hercules, Apolônio de Tiana, Julio Cesar ou, em um exemplo mais recente, Elvis Presley. De forma equivalente, o crescimento da Igreja cristã pode ser explicado igualmente pelo mesmo processo que promoveu o crescimento de outras igrejas que apresentaram uma rápida expansão como o Islã.

Ou seja, a não ser que alguém advogue algum tipo extremo de sincretismo religioso (todas as religiões são verdadeiras ao mesmo tempo), todos nós vamos usar argumentos similares e naturalistas para explicar qualquer um desses fenômenos.

*Autoconsciência é do original “self-awareness” e consciência é do original “conscience”. Apesar de ambos serem traduzidos como “consciência”, o significado (pelo contexto e pelas discussões) parecia ser diferente: 1) capacidade de introspeção e de se reconhecer como aparte de outros e do meio e 2) guia moral interno, para autoconsciência e consciência, respectivamente.

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Nota: Peter Saunder já respondeu 6 perguntas, tentando mostrar como o teísmo faz um trabalho melhor em responder essas perguntas. Ele reiterou que não sabemos a resposta (o que é conveniente, quando você ignora ela), logo Jesus.

Vênus

A primeira vez que escutei sobre a transição de Vênus sob a superfície do sol eu confesso que não fiquei muito empolgado. Isso foi até ver essa foto.

A foto captura bem a fragilidade do planeta frente ao poder e magnitude do Sol que, apesar disso, ousa passar em seu caminho. Claro, isso é completa bobagem se pensarmos do ponto de vista científico, uma vez que o planeta não está “passando” em lugar algum. Ele está orbitando o Sol como tem feito nos últimos bilhões de anos. A unica coisa diferente que agora nós estamos olhando para ele enquanto isso acontece. De qualquer forma, não consigo deixar de achar que tem algo de poético nisso. 


Provavelmente porque essa imagem me lembra da própria Terra. Nós somos aquele planetinha orbitando aquela caldera furiosa, um ponto minúsculo no cenário cósmico de nosso próprio sistema solar. Algo que remete diretamente a Carl Sagan:

“Desse ponto de vista, a Terra pode parecer não ser de particular interesse. Mas para nós, é diferente. Considere esse ponto novamente. Aquilo é aqui. Aquilo é casa, somos nós. Nele todos que você amou, todos que conheceu, todos sobre quem você já ouviu falar, todo ser humano que já existiu, viveu sua vida aqui. O conjunto de alegria e sofrimento, milhares de religiões confiantes, ideologias, e doutrinas economicas, cada caçador e coletor, cada heroi e covarda, cada criador e destruidor de civilizações, cada rei e camponês, cada casal apaixonado, cada mãe e pai, criança esperançosa, inventor e explorador, cada mestre de ética, cada político corrupto, cada “super estrela”, cada “lider supremo”, cada santo e pecador na história de nossa espécie viveu ali – em um grão de poeira suspenso em um raio de sol”

 -Pale Blue Dot

Não pude deixar de lembrar também do filme Sunshine, pelo óbvio motivo de uma das cenas ser a transição de Mercúrio na face do Sol. Mas não apenas isso: o filme é, na minha opinião, um dos melhores filmes de ficção que foram lançados nos últimos tempos (e extremamente desvalorizado). É tenso, é psicologicamente e emocionalmente exaustivo, se você se deixa levar pelo enredo. Porém essa cena é um dos poucos momentos de tranquilidade e contemplação durante o filme inteiro.

(Clique aqui para ver essa cena ou aqui para uma coletânea maior de cenas com uma das melhores trilhas sonoras que já escutei. Infelizmente o youtube não permitiu postar os filmes diretamente)

É simplesmente contagiante.

Videos no Canal do FSEMZUSP!

Para quem ainda não sabe, o Fórum de Sistematica e Evolução do Museu de Zoologia da USP está com um canal no YouTube e está disponibilizando filmes de palestras e outros eventos que ocorrem no museu.

Eu estava na cola deles sobre isso à séculos, desde que descobri que o MZUSP tem um sistema de filmagem bastante avançado (e com uma qualidade de som ótima, como vocês irão notar). A internet carece de filmes científicos de alto nível em português, e acredito que essa seja uma oportunidade ótima para divulgação e popularização.

Eles também estão colocando aulas que foram ministradas durante o curso de aperfeiçoamento de monitores, que ajudei a organizar. As aulas tem caráter mais didático, então talvez seja ideal para quem quer saber um pouco mais sobre os assuntos expostos.

O único motivo pelo qual estou falando disso é que eles ainda tem menos vizualizações do que meu blog, o que é uma evidência forte de que estão tremendamente sub-aproveitados. Então, entrem lá, se inscrevam e aproveitem as palestras!

Acompanhem também as novas palestras no site deles e no perfil deles no facebook.

Links:
Canal: http://www.youtube.com/user/FSEMZUSP
Google Site: https://sites.google.com/site/fsemzusp/
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Variáveis, ou porque precisamos de ratinhos

A um certo tempo atrás, meu colega Pirula fez um video falando sobre testes em animais no qual ele menciona sobre a necessidade de controlar variáveis durante a realização de um estudo com o objetivo de identificar efeitos de tratamentos médicos.

Apesar da questão ética ser de grande interesse meu, não é exatamente esse o meu foco aqui. Durante o vídeo, Pirula dá alguns exemplos do que seriam “variáveis” e passa a bola para o Bernardo (do canal NerdCetico) explicar em mais detalhes. Eu assisti o vídeo do Bernardo e não acho que ele fez um bom trabalho. Meu objetivo aqui não é mostrar que o Bernardo está errado, pois não sei disso: ele tem formação matemática e eu não. Ou seja, a diferença de nossas explicações podem ser meramente um reflexo do jargão das diferentes áreas. Porém posso dizer que estou relativamente familiarizado o jargão experimental de alguns ramos do conhecimento, especificamente em biologia. Visto que o tema original era sobre experimentação em animais, imagino que minha exposição chegue mais próxima do que o Pirula tinha originalmente em mente, e complemente a explicação sobre o porque precisamos controlar variáveis de um ponto de vista estatístico prático (se é que podemos conceber algo assim).

Sendo assim, vamos aos termos:

O que são variáveis?
Variáveis são quaisquer aspectos de um sistema sob investigação que podem variar entre as diferentes observações. Em outras palavras, é o que pode variar entre diversos objetos ou fenômenos que caem dentro da mesma categoria. Por exemplo, se eu estou investigando cadeiras,  variáveis possíveis são desde o peso, o material do qual ela é feita e até mesmo se o seu design se enquadra no movimento bahaus ou não. Ou seja, não existe uma regra que determina que uma variável necessariamente é expressa em valores numéricos, como normalmente se pensa.

Em sistemas biológicos temos uma multitude de características que variam entre os diversos organismos: cor, tamanho, forma, número de células, capacidade de manutenção de temperatura, grau de atividade, idade, etc. Dentro dessa pluralidade de variáveis podemos reconhecer alguns tipos gerais:
-Variáveis Qualitativas, Categóricas ou Discretas:  são todas aquelas que podem ser expressas em categorias que agrupam todos os objetos que possuem aquela característica específica. Por exemplo, quando tentamos identificar a espécie em roedores silvestres, a pelagem é uma característica bastante importante, podendo variar em cor e em tonalidade. Normalmente tais variáveis não apresentam o que chamamos de “ordenação”, ou seja, não existem valores intermediários entre as categorias: um organismo pode ser autotrofo ou heterótrofo, sendo que não existem intermediários entre essas categorias.
Variáveis Quantitativas ou Contínuas: são todas aquelas que variam ao longo de um escala contínua. A grande maioria das grandezas físicas varia dessa forma: peso, massa, aceleração, etc. Muitas variáveis biológicas também se comportam desta forma, como taxas metabólicas, comprimentos de estruturas biológicas, período de atividade, força de mordida, porcentagem de matéria vegetal na dieta, etc.

Variáveis Ordinais (ou semi-quantitativas): assim como as variáveis categóricas, são compostas por classes mutuamente exclusivas. Assim como as variáveis contínuas, essas categorias estão ordenadas de alguma forma, ou seja, existem valores mais baixos, intermediários e maiores. Exemplos desse tipo de variáveis são contagens de eventos, ou qualquer outro tipo de variável expressa por números inteiros (e.x: 1, 2, 3, 4…).

Nem sempre um tipo de fenômeno precisa ser avaliado necessariamente como um tipo único de variável. Por exemplo, podemos avaliar a altura dos indivíduos de uma população de como uma variável quantitativa (medida em centímetros) ou de forma qualitativa (indivíduos “altos” e “baixos”) ou ordinal (indivíduos “pequenos”, “médios” e “grandes”). Tudo depende do tipo de investigação que está sendo feito, nossa capacidade de medir os fenômenos, etc.

Relações entre variáveis

Uma metodologia comum em investigações científicas é o estudo das relação entre diferentes variáveis, com o objetivo de testar previsões teóricas (ex: tal remédio é seguro para o uso). Nesse contexto, costumamos interpretar o valor de uma variável como uma função dos valores de outra variável. Por exemplo, no exemplo abaixo, y é uma função dos valores de x:

Neste exemplo, a relação entre as variáveis é linear, ou seja podemos entender que a relação entre elas é dada por uma reta (ou por uma equação de primeiro grau), na qual cada valor de x tem um valor associado de y. O que é interessante notar é que nessa caso temos uma variável y que depende do valor de x de forma linear (ou seja, segundo uma equação de primeiro grau do tipo). Por esse motivo chamamos y comumente de variável dependente e o x de variável independente. 

Quando analisamos estatisticamente duas variáveis, digamos, dosagem de uma droga experimental e taxa de recuperação, o que fazemos é tentar achar as relações de dependências entre elas. Ou seja, no exemplo, precisamos achar como a taxa de recuperação (Tr) depende da dosagem (d) da droga experimental. Estatisticamente a relação entre essas duas variáveis é dada pela função

onde a0 e a1 são coeficientes da função linear e epslon (simbolo que parece um “e” no fim da equação) é o que chamamos de “erro“, que contem tudo aquilo que não estamos interessados no momento, como peso do indivíduo, idade, dieta, etc. Dessa forma, os métodos estatísticos nos permitem avaliar o que é o real sinal nos nossos dados (ou seja, qual é o efeito da droga na recuperação) do que não nos interessa naquele momento.

Porque controlar o erro?
Visto que o erro em uma analise pode ser controlado estatisticamente, então porque devemos controlar esse erro, ou melhor, no contexto da discussão inicial, porque devemos usar animais de laboratório, que são todos homogeneizados para minimizar tais erro?

O motivo é basicamente estatístico. Quando nosso erro não está controlado, ele pode apresentar uma magnitude grande demais, o que dificulta a identificação da real relação entre as variáveis. No exemplo abaixo, a relação entre as variáveis é a mesma (y=0.5+0.03*x), mas o erro na segunda analise é muito maior do que na primeira. Note também que as retas são bastante diferentes, indicando que a reta obtida com maior erro é muito diferente da real.

Outro ponto é que para o erro (pequeno ou grande) ser considerado como tal em analises estatísticas, ele tem que ser aleatório, ou seja, não pode mostrar forte associação ou padronização com qualquer outra variável que possa ser relevante para o nosso estudo. Quando isso ocorre, tais variávies precisam ser incorporadas  explicitamente na analise, onde cada variável que existe na população deve ser avaliada:

Onde todas as variáveis são expressas por x e seus coeficientes lineares por a. Nesse exemplo, a taxa de recuperação é uma função não apenas da dosagem do remédio, mas da idade, peso, dieta, tipo sanguíneo, sexo, etc.

Entretanto, a solução não é simplesmente coletar mais informações sobre os indivíduos que estão na análise. Existe um numero mínimo de indivíduos que precisam ser utilizados que aumenta a medida que avaliamos mais e mais variáveis. Esse número mínimo é uma função de diversos fatores, e existe toda uma área dedicada ao estudo desse tipo de coisa, porém uma coisa pode ser colocada categoricamente: o número de indivíduos na sua análise nunca pode ser inferior ao número de variáveis abordadas explicitamente. Ou seja, se formos em uma população humana natural, quantas variáveis devem variar de forma significativa? Cinqüenta? Trezentas? Acho que dá para pegar a idéia. Adicionalmente, quando avaliamos um número muito grande de correlações, existem sempre a possibilidade de identificar correlações onde na verdade não existem nenhuma, por puro acaso (é o que os estatísticos chamam de erro do tipo I).

Isso talvez ajude a entender porque muitas das análises sobre benefícios de algum tipo de alimentação variam tanto. Via de regra, tais estudos tem que ser realizados na população humana, incluindo todos os problemas metodológicos colocados. Ou seja, o resultado pode variar tanto não porque os “cientistas não se decidem se ovo é bom”, mas porque os indivíduos amostrais para esse tipo de investigação (e.g. seres humanos sem controle algum) são particularmente ruins para análises estatísticas.

Em outras palavras, testar um produto em uma população não controlada não é apenas perigoso (afinal, estamos falando de medicamentos, e não shampos para cabelos secos), mas é ciência ruim.

Dinossauros inteligentes. Do Espaço!!!

Esses dias estive ajudando um colega com seu projeto de doutorado em paleontologia sobre dinossauros, um assunto sempre fascinante. Obviamente eu estou apenas dando meu parecer nos aspectos metodológicos, mas é sempre interessante entender um pouco mais sobre os organismos em questão. De qualquer forma, durante minhas pesquisas eu me deparei com um artigo de divulgação intitulado “Poderiam dinossauros mais avançados dominar outros planetas?”, no ScienceDaily. Aqui está uma amostra do que é dito na matéria:



Novas descobertas científicas levantam a possibilidade que versões avançadas do T. rex e outros dinossauros – criaturas monstruosas com a inteligência e sagacidade de humanos – podem ser as formas de vida que evoluíram em outros planetas no universo.



Colocações bastante ousadas, mas de especulações rasas a internet está cheia. Para minha (não tão grande) surpresa, o site indica um artigo da Revista da Sociedade Americana de Química como fonte da informação sobre os supostos dinossauros alienígenas. Obviamente assumi que era mais uma deturpação de alguma pesquisa por parte dos jornalistas. E de fato, a materia sugere que o conteúdo do trabalho é sobre quiralidade de aminoácidos, um tópico intrigante, sem sombra de duvida, com impactos muito importantes nas teorias de origem da vida na terra. Nada similar à dinossauros alienígenas inteligentes, obviamente.

Mas o que diz exatamente o artigo?

Atualmente não é surpreendente que L-aminoácidos e D-carboidratos são produzidos em sistemas biológicos, visto que enzimas que os produzem são elas mesmas homoquirais (não uma mistura com sua imagem espelhada). Na Terra pré-biótica, não existiam tais catalizadores quiralmente seletivos para fazer o primeiro aminoacido ou açucares ou nucleosídeos, então muitos cientistas tem especulado que essa seletividade poderia ter surgido em um mundo previamente aquiral.

O autor segue argumentando sobre como a influencia de luz polarizada de ondas curtas poderia ter destruído um tipo de enantiômeros, privilegiando os compostos que constituem a vida na terra. Aparentemente, tal processo apenas poderia ter ocorrido no espaço e não na atmosfera terrestre, e a partir disso o autor sugere que tais compostos foram gerados em meteoros que posteriormente foram lançados à Terra.


Estranhamente o autor se refere à “nós” repetidas vezes durante o artigo, ora falando sobre a comunidade científica, ora falando sobre quem escreveu o artigo. Isso é deveras estranho, ainda mais levando em conta que que o artigo tem apenas um autor. Fora isso o texto é bastante confuso e mal escrito. Mas… e os dinossauros? 

Uma implicação desse trabalho é que em outros lugares do universo podem existir formas de vida baseadas em D-aminoacidos e L-carboidratos, dependendo de que tipo quiralidade da luz polarizada circular no setor do universo ou de qualquer outro processo operando em favor de L-alfa-metil aminoacidos nos meteoritos que pousaram na Terra. Essas formas de vida poderiam muito bem ser versões avançadas de dinossauros, se mamíferos não tivessem a boa sorte dos dinossauros terem sido erradicados por uma colisão asteroidal. É melhor que não encontremos eles.

Err… o que?


Porque eles seriam dinossauros? Visto que não sabemos nada de como vida extraterrestre é (sequer sabemos se ela existe), eu não arriscaria dizer que ela seria composta por répteis arcossauros de 4 membros, com um esqueleto, um crânio, uma mandíbula e ovos amnióticos. Muito menos répteis arcossauros de 4 membros, com um esqueleto, um crânio, uma mandíbula e ovos amnióticos com inteligencia quase-humana! Será que o autor desse artigo sequer contempla a improbabilidade disso existir até mesmo na Terra? Afinal, das bilhares de formas de vidas que existem e já existiram, a grande maioria é composta de organismos procariotos unicelulares. Se você vai chutar que ETs se parecem com qualquer coisa, eu começaria por ali.


Eu só posso especular sobre a linha de raciocínio que leva uma pessoa a escrever isso, mas imagino que o autor caiu presa da noção errada de que evolução segue uma tendência histórica pré-determinada e “progressiva”, na qual o resultado final é, necessariamente, um ser antropomórfico e inteligente. O fato de um meteoro ter dizimado os dinossauros seria, então, um feliz acidente que impediu os dinossauros de se tornarem tais seres, dando espaço a nós. Outros planetas estariam cheios de reptilianos inteligentes…


Claro, isso tudo é ficção cientifica e não ciência, o que me faz perguntar: como isso passou pelo processo de revisão por pares da Revista da Sociedade Americana de Química? Um leigo bem informado seria capaz de identificar que essa passagem (o ultimo paragrafo do artigo!) não passa de especulação barata e que não serve proposito outro além de tornar o artigo como um todo suspeito e o processo editorial da revista uma piada. Me pergunto que tipo de revisor acadêmico falharia em notar isso.

Referência

Breslow. Evidence for the Likely Origin of Homochirality in Amino Acids, Sugars, and Nucleosides on Prebiotic Earth, Journal of the American Chemical Society.


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27, Abril, 2012- Parece que o artigo foi removido do ar em devido a suspeitas de quebra de diretos autorais. Whatever dude… whatever…


04, Maio, 2012- Notei que a figura original que havia colocado sumiu do post. Para minha surpresa notei que o Science Daily também tirou a notícia do ar.

Morre Robert R. Sokal

Abaixo reproduzo uma tradução do anuncio da morte de Robert Sokal feito pelo professor Michael A. Bell.

Acho até difícil alguém não conhecer Sokal, e arrisco que até dentro das áreas biológicas. Como o texto evidencia, seu livro “Biometry” é um importante livro-texto para o aprendizado de estatística e, apesar de ser voltado para a área de biologia, sempre achei o texto fluido, ilustrativo e de fácil compreensão, algo que é de grande serventia para profissionais de qualquer área.

Sokal também teve um grande impacto na área da biologia evolutiva por ter fundado a escola da fenética, ou taxonomia numérica. Os taxonomistas numéricos defendiam que a classificação dos seres vivos deveria ser feita com base na similaridade dos organísmos e desenvolveram uma ampla gama de métodos estatísticos para a analise de similaridade de entidades biológicas. Ironicamente, muitos criacionistas acreditam que é assim que ancestralidade comum é inferida. Porém é sempre bom notar que os taxonomistas numéricos não buscavam relações de parentesco através destes métodos, apenas a proposição de grupos biológicos para classificação. A escola que competiu com a taxonomia numérica, a cladística,  procurava não apenas inferir as relações de ancestralidade comum através de similaridade compartilhada (sendo o “compartilhada” o termo essencial aqui), mas também a proposição de uma classificação baseada no padrão de relações de ancestralidade e descendência. Basta dizer que foi esta ultima escola que prevalesceu, por oferecer um sistema de classificação baseado em padrões evolutivos, sendo considerado um sistema natural de classificação.

Apesar da taxonomia numérica ter perdido a “guerra cultural”, as metodologias desenvolvidas pela escola são de grande importância para diversas áreas não-biológicas e amplamente utilizadas ainda na área de biologia molecular, mesmo a contragosto de muitos pesquisadores.

Sokal teve uma vida interessante, longa, produtiva e impactante. Acredito que ninguém possa pedir mais que isso.

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É com pesar que anunciamos que o Distinto Professor Emérito Robert R. Sokal morreu aos 86 em Stony Brook na segunda, 9 de Abril de 2012. Prof. Sokal foi um membro fundador do Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade Stony Brook, co-fundador da escola metodológica de Taxonomia Numérica, e o principal investigador nos programas de pesquisa sobre variação espacial em insetos e humanos e sobre respostas evolutivas em insetos. Ele supervisionou o treinamento de numerosos alunos de doutorado e ensinou biometria para um numero muito maior. Ele era membro da Academia Nacional de Ciências (EUA) e recebeu diversos outros reconhecimentos de mérito durante a sua excelente carreira. Nós do departamento de Ecologia e Evolução da Stony Brook vamos sentir falta de suas ideias, seu apoio e sua amizade.

Prof. Sokal nasceu de uma família judia de classe média em 13 de Janeiro de 1926 em Viena, Áustria, filho único de Klara e Siegfried Sokal. Ele fugiu da ameaça Nazista com sua família em 1938 para Shanghai, China, que se tornou o refúgio de dezenas de milhares de judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Robert frequentou a escola secundária em Shanghai, obtendo seu bacharelado em Biologia da universidade de St. Johns em 1947. Lá ele conheceu uma jovem estudante Chinesa, Julie Chenchu Yang, que se tornou sua esposa e o amor da sua vida. Um livro intitulado Letzte Zuflucht Schanghai (“O Refúgio Final em Shanghai”) por Stefan Schomann (2008), em alemão e traduzido para chinês, conta a história da fuga de Robert de Viena, o refúgio de sua família em Shangai e o começo de sua vida com Julie, antes dele vir para os Estados Unidos para sua graduação.

Prof. Sokal fez sua pós-graduação na Universidade de Chicago, onde adquiriu seu doutoramento em Zoologia em 1952 sob a supervisão do entomologo Alfred E. Emerson e foi fortemente influenciado por Sewall Wright. Ele entrou no Departamento de Entomologia na Universidade do Kansas em 1951 como um instrutor, e ascendeu rapidamente pela hierarquia acadêmica até Professor de Biologia Estatística em 1961. Ele foi recrutado por Laweence B. Slobodkin para o Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade Estadual de Nova York em Stony Brook em 1968, onde permaneceu pelo resto de sua carreira.

As publicações científicas do Prof. Sokal cobriram uma ampla gama de tópicos em sete décadas. Ele publicou artigos seminais em ecologia, evolução, antropologia, geografia, estatística e obviamente em sistemática. Seus artigos foram publicados na Science, Nature, PNAS USA e muitos dos melhores periódicos em ecologia, evolução, sistemática, antropologia e estatística. Ele provavelmente é melhor conhecido pelos biólogos evolutivos e por ecólogos por seu livro “Biometry” com F. James Rohlf, sendo que a quarta edição foi completada um ano antes de sua morte. Uma recente busca no Google Scholar indica que a terceira edição do “Biometry” foi citada 19.851 vezes. Prof. Sokal também é conhecido por ser o co-fundador da Taxonomia Numérica com Peter H. A. Sneath em 1963. Seu trabalho promoveu o uso de métodos estatísticos para a classificação e foi controverso tanto por advogar pelo abandono da tradicional taxonomia evolutiva, quanto por levar ao debate entre os defensores dos métodos fenéticos e os dos métodos cladísticos. De qualquer forma, é inegável que Prof. Sokal foi pioneiro no uso de métodos estatísticos rigorosos e objetivos e no uso de computadores em sistemática. Prof. Sokal começou sua carreira dissertando sobre padrões de variação geográfica em afídeos do gênero Pemphigus. Mais tarde ele iniciou pesquisa sobre a resposta evolutiva à seleção em populações de laboratório em besouros do gênero Tribolium e moscas domésticas. O seu maior projeto empírico, que ele perseguiu durante duas décadas, focava na analise do padrão de variação espacial em populações humanas em uma variedade de caracteres e desenvolveu novos métodos para tais análises. Prof. Sokal publicou 12 livros (5 traduzidos) e 206 artigos, e suas publicações foram citadas dezenas de milhares de vezes.

Prof. Sokal veio a Universidade de Stony Brook como professor em 1968. Ele foi nomeado como professor titular em 1972 e professor distinto em 1991. Ele se aposentou em 1995 e se tornou um professor emérito muito ativo. Ele atuou como membro e diretor do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade de Stony Brook de 1980 a 1983 e foi vice-reitor de Pesquisa e Estudos de Pós-Graduação de 1981 a 82. Ele bastante permaneceu ativo em sua pesquisa científica, no Departamento de Ecologia e Evolução, na vida universitária e na Academia Nacional de Ciência, comparecendo aos coloquios do departamento até o ultimo ano de sua vida, quando sua saude impediu de continuar com estas atividades.

Prof. Sokal também atuou em muitas outras capacidades prestigiosas, incluindo Presidente da Sociedade para o Estudo de Evolução, para a Sociedade Americana de Naturalistas, para a Sociedade de Classificação, e para a Federação Internacional de Sociedades de Classificação, sendo membro fundador desta última. Ele foi um editor associado da Evolution (1965-68) e editor da The American Naturalist (1969-1974). Ele recebeu muitas menções honrosas, incluindo ambos os prêmios Fullbright e Guggenheim, o Premio Charles R. Darwin por sua carreira pela Associação Americana de Antropologia Física, e muitos outros. Ele foi filiado à Academia Americana de Artes e Ciências e à Associação Americana para o Avanço da Ciência, e foi membro da Academia Nacional de Ciência dos EUA.

Robert R. Sokal deixa sua esposa de 64 anos Julie Sokal, seus filhos David Sokal e Hannah Sokal-Holmes, e quatro netos. Sua falta será grandemente sentida por sua família, seus amigos e seus colegas.

Robert R. Sokal (1926-2012)

De onde vieram as berinjelas?

A berinjela, Solanum melanogena, pertence ao mesmo gênero dos tomates e das batatas. Apesar de seu sabor originalmente amargo em decorrência do acumulo de glico-alcalóides, a berinjela apresenta uma grande capacidade de absorver condimentos e temperos, adquirindo sabores ricos e complexos. Tal característica a fez famosa em cozinhas de diversos países, permitindo a elaboração de diversos pratos, como o ratatouille francês, o parmegiana italiano, o karnıyarık turco, entre outros. Mas, afinal, de onde vieram as berinjelas? Esse mistério persegue os pesquisadores à séculos, se não milênios. 
Existem duas espécies candidatas para serem a genitora selvagens das berinjelas domésticas: S. incanum ou S. undatum. Similaridades genéticas entre essas espécies e as variedades domesticadas sugerem não apenas relações de parentesco, mas também a possibilidade de que estes grupos cruzem livremente na natureza. Adicionalmente, essas espécies ocorrem nos possíveis centros de origem da berinjela, reforçando assim a possibilidade de serem espécies genitoras das berinjelas domésticas.
A India é tida como provável sítio de domesticação original, visto que é nessa região que se encontra um grande numero de variedades  selvagens e domesticadas. O registro histórico da região mais antigos tem aproximadamente 2000 mil anos de idade, porém já descrevem variedades de berinjelas domésticadas. Adicionalmente, registros históricos da China, mais especificamente da província de Yunnan, também apresentam descrições consistentes com as de variedades domésticas de berinjela, o que sugere um evento de domesticação em um período anterior aos registros históricos, ou mesmo que ambas as localidades são possíveis focos sítios de domesticação.
Variedade morfológica das berinjelas e espécies aparentadas. A- S. violaceum. B- S. aethiopicum. C- S. capsicoides. D- S. undatum. E- S. torvum. F- S. melanogena subsp. ovigerum. Fotos sem letras pertencem à variedades de S. melanogena.
Evidencias moleculares sobre a questão não são conclusivas. Elas indicam que S. incanum, S. undatum e S. melanogenica formam um grupo biológico válido, o que significa que provavelmente todas pertencem à mesma espécie natural e que a berinjela domesticada teve sua origem a partir deste grupo. Entretanto, não há um padrão geográfico claro, sugerindo que o grupo é marcado por troca de material genético por toda sua extensão geográfica. Apesar disso, há evidencia de grupos de variantes domésticas e selvagens achadas apenas na India e no sul da China, reforçando a idéia de que esses são prováveis sítios de domesticação. 
Apesar disso ser um possível reflexo de falta de amostragem e de resolução das análises moleculares, é possível que os registros, tanto moleculares quanto escritos, tenham sido apagados pelo intenso intercâmbio comercial entre estas regiões no passado. A Rota da Seda foi uma importante rota comercial do leste Asiático, e o intenso fluxo de pessoas (e consequentemente de sementes) pode tornar a identificação de um ponto específico de origem para a domesticação difícil, se não impossível. A domesticação gradual da berinjela e o cruzamento com variantes nativas que já poderiam ser consumidas localmente, podem ter se dado ao longo de uma vasta extensão geografica. Talvez tenhamos que encarar a dura realidade de que talvez nunca seja possível responder com certeza de onde vieram as berinjelas. 
Representação esquemática dos possíveis centros de domesticação da berinjela. A seta de duas pontas indica o fluxo comercial da antiguidade entre os principais centros: India e sul da China.
E sim, esse foi um post inteiramente sarcástico, apesar de factualmente correto.
Referencia:

Meyer, R., Karol, K., Little, D., Nee, M., & Litt, A. (2012). Phylogeographic relationships among Asian eggplants and new perspectives on eggplant domestication Molecular Phylogenetics and Evolution, 63 (3), 685-701 DOI: 10.1016/j.ympev.2012.02.006

Bispo Luiz Gonzaga Bergonzini defende dogma em detrimento da ciência?

Aparentemente liberdade de expressão vai muito bem com Catolicismo. Pelo menos é o que parece defender Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo emérito da Diocese de Guarulhos. Em seu site, ele coloca que a PUC “Não pode ter em seu corpo docente professores contrariando os ensinamentos da Igreja Católica, dentro ou fora da sala de aula.” O motivo é simples: a PUC é da Igreja Católica e a dona da bola dita as regras.

Aparentemente o tal comentário foi estimulado pelas posições militantes do professor de jornalismo Leonardo Sakamoto, conhecido por sua defesa dos direitos humanos, liberdade de expressão e por ter um sorriso incrivelmente perturbador. De qualquer forma, d. Bergonzini não vê os esforços do dr. Sakamoto sob essa luz, dando a entender que ele é um dos “professores abortistas, defensores da eutanásia, da liberação da maconha, da ideologia homossexual ou comunistas”.

Leonardo Sakamoto – Adora fazer longas caminhadas na praia após um aborto.
Palavras duras para um Homem de Deus. Mas estaria ele correto na sua colocação? Bem, conceitualmente acredito que sim. Afinal, se os professores da PUC assinam um contrato afirmando que irão apresentar “reflexão incessante, à luz da fé católica”e “fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja”, e se as atitudes do Sakamoto distoam do que é considerado como a “mensagem tal como é apresentada pela Igreja”, então a PUC estaria mais que justificada em se desfazer de um professor que não está de acordo com as normas institucionais. 
Mas ser anti-aborto é uma posição dogmática da Igreja Católica? Certamente isso não está na Biblia. Até onde sei, grande parte do fervor anti-aborto religioso vem da noção de que a alma adentra o corpo durante o momento da concepção, idéia endossada por algumas passagens bíblicas, principalmente por Jeremias 1:5: 

Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações. 

, dando a entender que, segundo alguns, Deus nos conhece a antes do nascimento e até antes de nossa concepção. Existem vários furos para tal tipo de interpretação, obviamente, e para cada passagem anti-aborto é possível colocar uma que pode ser interpretada como pró-aborto. Definitivamente Deus não tem problemas com eviscerar mulheres gravidas. Talvez exista alguma tecnicalidade que eu desconheça nesse ponto. Mas de uma maneira ou outra, a posição anti-aborto está normalmente relacionado a segmentos cristãos da sociedade. Curiosamente, Dom Bergonzini foi um dos membros da igreja católica que se posicionou contra a eleição presidencial de Dilma e de todos os políticos favoráveis à legalização do aborto.


Dom Luiz Gonzaga Bergonzini: ele poderia ter sido abortado.

O ponto, ao meu ver, é que Dom Bergonzini está defendendo uma visão particular dos ensinamentos Biblicos que, por algum acaso é a endossada oficialmente pela Igreja Católica. Do Código de Direito Canônico:

Cân. 1398 — Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae

O que me pergunto é se o Bispo estaria disposto a aplicar a mesma lógica em todas as áreas do conhecimento? Afinal, apesar da igreja Católica se colocar como grande defensora da ciência, algumas pequenas idiossincrasias existem de forma tão ou mais explicitas quanto a condenação ao aborto. O Human Generis, documento no qual o papa Pio XII declara a posição da Igreja Católica em relação às teorias sobre a origem do homem, deixa bem claro que apesar dos fiéis poderem aceitar a evolução, nem todas as teorias podem ser assimiladas tão facilmente:

Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.

Ou seja, católicos que seguem o Human Generis podem aceitar que Adão e Eva surgiram através de evolução, mas não que eles eram membros de uma população maior de “proto-humanos” (ou que os nomes faziam referências a populações de pessoas, e não a pessoas). O problema disso é que sabemos que as populações humanas nunca tiveram um numero inferior a 10 mil indivíduos, e sabemos disso a partir de estudos de genética populacional humana. Seria o Bispo contrário ao ensino genética de populações na PUC, visto que as conclusões desses estudos ferem dogmas religiosos? Estaria ele disposto a sacrificar ótimos cursos de pós-graduação, como o de programa de Zoologia da PUC/RS, um dos únicos do Brasil com nota 6 da CAPES, apenas porque seus professores se valem de ferramentas que descreditam a existência de um Adão e uma Eva literal?

Ou talvez seja melhor reconhecer a possibilidade de que dogmas religiosos podem estar errados?