Vacinas Parte 2: Vacinas: O que são e como funcionam ?

por | maio 15, 2022 | Textos | 0 Comentários

Vacinas: O que são e como funcionam ?

Parte 2: As vacinas e você.

    Não é porque é grátis que devemos aceitar qualquer coisa, certo? É preciso certificarmos que estamos diante de um produto de qualidade. Pois bem, com os anúncios recentes de empresas produtoras de uma possível vacina contra o novo coronavírus, como a Pfizer e SINOVAC (produtora da CoronaVac) algumas informações e desinformações têm surgido. É preciso, portanto, compreender como de fato funciona essa forma de prevenção, quais são os protocolos para a produção de vacinas e por que precisamos sair do campo de estigmas e estereótipos sobre seu desenvolvimento. Nesta série de textos buscamos trazer dados e discussões que nos auxiliem a entender um pouco mais sobre o assunto e evitando assim doses de desinformação.

Gian Carlo Guadagnin, Cynthia Almeida e Gildo Girotto Júnior

De onde e quando.

    Nossa ciência, ou nosso histórico de ciência é, por dominação européia, muito ocidentalizado. Daí decorre, por exemplo, o desconhecimento sobre a medicina oriental e a sua desvalorização. Os primeiros indícios de uma utilização corporal de vírus atenuados, base de boa parte das vacinas, datam do combate à varíola, na região da atual China, no século 10, ou seja, há mil anos! 

    A aplicação não era como fazemos hoje. Na época, as cascas de feridas da infecção eram trituradas e o pó produzido (contendo o vírus morto) era aspirado pelas pessoas. Este processo espalhava partes do vírus morto pelo corpo ativando o sistema imunológico. A forma de aplicação “moderna”, só surgiria em 1798 com o cientista inglês Edward Jenner que, por rumores de que trabalhadores do campo não pegavam a varíola humana por já terem pego a varíola bovina (que é menos agressiva ao corpo humano), injetou ambos os vírus em um garoto de oito anos e constatou que a informação apresentava alguma consistência. 

    A segunda geração de vacinas começou em 1881 com o cientista francês Louis Pasteur, com o desenvolvimento de medicação para a cólera aviária e o carbúnculo. Conhecendo os estudos de Jenner, Pasteur cunhou o termo “vacina” em homenagem ao inglês, derivando o nome da varíola bovina, que em latim é chamada de Variolae Vaccinae.

    Com o amplo desenvolvimento da medicina, da biologia e da química nos séculos 19 e 20, as vacinas passaram a ser produzidas em massa, sendo fundamentais para combater inúmeras doenças no mundo todo. A varíola, por exemplo, foi declarada erradicada no mundo em 1980.

O que é uma vacina e quais os tipos de vacina.

    As vacinas são produtos biológicos que promovem o desenvolvimento do que chamamos de memória imunológica ativa, por meio da interação do organismo com os agentes causadores de doenças (vírus e bactérias) mortos, enfraquecidos ou fragmentados ativando a produção de anticorpos (os nossos agentes de proteção). Esses “agentes” atuarão futuramente contra o invasor biológico ativo caso o indivíduo seja infectado pela doença no futuro. E o melhor, os materiais biológicos da vacina são intensamente testados para não causarem reações adversas.

    A imunização ativa promovida pela vacina é semelhante a de quando o indivíduo contrai a doença naturalmente, com a diferença de que a vacina não vai causar problemas uma vez que o causador da doença (patógeno) está morto, desativado ou o que injeta é apenas um fragmento. Quer dizer, ele apenas servirá de alerta, ou de demonstração de suas características para o organismo estar preparado para atuar no caso de uma infecção real. 

“Ah, mas eu ouvi dizer que uma pessoa tomou vacina e passou mal”.

    Existem casos que no desenvolvimento da imunidade o corpo possa ter sintomas leves da doença, mas isso não gera riscos a saúde de quem tomou. VOU REPETIR MAIS UMA VEZ: VACINAS SÃO TESTADAS PARA NÃO CAUSAREM RISCOS. Por exemplo, o artigo publicado no dia 17/11/2020, na revista The Lancet, traz os resultados da vacina CoronaVac (desenvolvida pela chinesa Sinovac) mostrando eficiência de 97% enquanto a Pfizer divulgou no mesmo dia uma eficiência de 95% para seu produto com efeitos colaterais em apenas 2 a 3,8% dos pacientes.

    As ressalvas são para quem apresenta alguma reação alérgica à substância da vacina ou a uma doença específica. Nesse caso, é importante lembrarmos da responsabilidade social na chamada imunidade de rebanho, ou seja, aqueles que não apresentam reações (a grande maioria) precisam tomar a vacina para diminuir a probabilidade de disseminação dos vírus ou bactérias, protegendo a si mesmo e à quem não pode tomar a substância.

“Mas eu li que têm mais de um tipo de vacina, e uma delas pode fazer mal”

    Bom, é importante saber que são três os principais tipos de vacina: as de agentes atenuados (ou seja, vivos mas incapazes de causar a doença), as de agentes inativados e as de subunidades (proteínas, partes ou fragmentos, quando é impossível utilizar o patógeno todo). E que também existem diferentes formas de entrada no nosso corpo. Sobre os tipos de vacina você pode consultar esse texto aqui. Mas, independentemente do tipo, as vacinas têm se mostrado bastante eficientes na proteção à várias doenças. Um caso especial é o da poliomielite, ou paralisia infantil, erradicada no Brasil em 1989, mas que corre o risco de voltar com o crescimento do movimento anti-vacina. 

Ah mas será que dá pra confiar na vacina chinesa?”

    Quem produz as vacinas? Como ter certeza que seguem um método rigoroso de testes e de preparo? Estas questões juntamente com informações desconexas que circulam por aí podem causar certo receio. No entanto, as vacinas são desenvolvidas segundo um código de práticas internacionais rígido, que regula a produção de insumos para a saúde em todos os países, da Estônia ao Brasil, da Alemanha à Índia. Mas que protocolos são esses?

Como uma vacina é produzida (protocolos)

    Bom, ninguém sai por aí enfiando injeção nos outros. Para que um paciente receba uma vacina, ela passa por um processo longo e delicado da produção ao comércio. 

    São necessárias múltiplas instalações e equipes, etapas de validação de metodologias e equipamentos sendo, de fato, bastante trabalhoso. Todo o processo é regido pelas normas de Boas Práticas de Fabricação (BPF), de laboratório (BPL), clínicas (BPC) e outras, que atuam como os instrumentos básicos e essenciais para inovação e produção de artefatos biológicos de qualquer tipo, e que garantem que os produto final é eficaz, efetivo e seguro. 

Passo a passo.

    O processo de produção de vacinas, comumente consiste em cinco passos:

    1- Identificação: O agente patógeno é identificado em laboratório e são pesquisadas as possíveis estratégias de combate. Essa fase pode ser rápida ou demorada, dependendo da urgência e necessidade do produto, da complexidade do material e do risco biológico do patógeno. Pode levar anos.

    2- Antígeno: São estudados os antígenos, a substância do patógeno que desencadeia a resposta imunológica no corpo. O agente da vacina é produzido com base nas respostas obtidas para as reações bioquímicas previstas no estudo.

    3- Fase pré-clínica: a eficácia e a eficiência, bem como a segurança e  efeitos contrários são testados em células (in vitro), e em cobaias (in vivo), como camundongos. Duram normalmente cerca de dois anos e permitem que modificações e ajustes sejam feitos se necessário.

   4- Fase clínica: É subdividido em três etapas. Testes durante poucos meses, de forma aleatória, com indivíduos selecionados; Testes em uma população-alvo, ou seja, mais propensa à doença, ou já infectada, composta por um número maior de pessoas e testes com milhares de pessoas, propensas ou não à doença.

  5- Produção: É só depois da apresentação dos resultados e da confirmação da segurança nos padrões internacionais e rígidos para medicamentos, feitos pela OMS e pelas agências e institutos regulatórios dos países interessados, que a produção e distribuição do medicamento começa a ocorrer. Essa avaliação internacional também é realizada por comitês independentes, compostos por médicos, farmacêuticos, químicos e bio-seguranças, estatísticos e biólogos.

    Todos esses fatores determinam a rapidez de uma vacina. Por exemplo, o HIV é uma crise mundial desde os anos 1980, mas até hoje não se conseguiu uma vacina segura e efetivamente eficaz contra o vírus por causa de suas forma de atuação e complexidade. Por outro lado, vacinas contra a gripe e, por exemplo, a para a atual pandemia do novo coronavírus, são desenvolvidas com maior rapidez, por conhecermos o patógeno e por causa da urgência do controle da doença. 

Quem faz o que?

    Ainda, depois de todo esse processo, que garante a segurança de vacinas inglesas, americanas, chinesas e etc, ainda há um longo e burocrático processo de compra, liberação e distribuição. São diferentes exigências de organizações a nível mundial, como a OMS e a nível Nacional como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil. Ainda, para aumentar a credibilidade, são criados comitês independentes de validação como o Global Advisory Committee on Vaccine Safety ou Comitê Consultivo Global sobre Segurança de Vacinas. Ou seja, um conjunto de especialistas é convidado a fazer a avaliação dos estudos e testes realizados e essas pessoas não tem qualquer relação com quem de fato está desenvolvendo a vacina.

    No Brasil, a ANVISA atua auxiliando o Ministério da Saúde que é o órgão responsável pela regulamentação e, ainda, as vacinas que são propostas ou interessam ao país passam pelo INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde) e, após liberação, são enviadas para os Estados. É tanta gente olhando, que é até estranho achar que estão todos em um complô para injetar uma uma substância que vai nos prejudicar, não é?

Mas…

    Muitos outras falas ou falácias ainda precisam ser esclarecidas, nós sabemos

“Ah mas o governo está distribuindo vacinas diferentes pros ricos e pros pobres”
“As vacinas são formas do governo de controlar a população”
“As vacinas causam doenças ou síndromes”
“Essa vacina está saindo muito rápido, deve ser de baixa qualidade”
.

    Talvez você já tenha escutado ou lido frases como essa e é preciso buscar esclarecimentos a esse respeito e buscaremos fazer isso em textos futuros, tratando também de como funciona a distribuição de vacinas no país, sobre o Programa Nacional de Imunizações e também sobre esse absurdo movimento anti-vacina.

    Antes disso, devemos enfatizar que as vacinas são um meio eficiente para o controle e prevenção à uma série de doenças, com sua importância não se restringindo ao individual, mas garantindo a segurança sanitária de toda a população. Se um indivíduo não é vacinado ele pode contrair a doença e infectar mais pessoas que também não foram, ou que não podem ser, imunizadas.

    Lembra quando falamos da varíola lá no começo? Pois então, no século 20 ela matou mais de 300 milhões de pessoas antes de ser erradicada, quer dizer controlada (o vírus não desapareceu do mundo, ele apenas não é capaz de infectar as pessoas que estão protegidas), pela vacinação. Isso só foi possível graças ao comprometimento global e a adoção de protocolos e medidas que garantem um dia a dia saudável e seguro para nós, e para o futuro. 

    Por isso, lembre-se de manter sua vacinação em dia e contribuir para que o mundo esteja livre de muitas doenças potencialmente mortais. No Brasil a vacinação é gratuita e universal, e, com o perdão do trocadilho, nesse caso “de graça, até injeção na testa”.

Referências

Yanjun Zhang, Gang Zeng, Hongxing Pan, Prof Changgui Li, Yaling Hu, Kai Chu, Safety, tolerability, and immunogenicity of an inactivated SARS-CoV-2 vaccine in healthy adults aged 18–59 years: a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 1/2 clinical trial. The Lancet Infectuous Diseases. Disponível em:

https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S1473-3099%2820%2930843-4

Fiocruz: Vacinas: as origens, a importância e os novos debates sobre seu uso. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1263-vacinas-as-origens-a-importancia-e-os-novos-debates-sobre-seu-uso?showall=1&limitstart=

Akira Homma; Reinaldo de Menezes Martins; Maria da Luz Fernandes Leal; Marcos da Silva Freire; Artur Roberto Couto. Atualização em vacinas, imunizações e inovação tecnológica. Ciênc. saúde coletiva vol.16 no.2 Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011000200008&script=sci_arttext&tlng=pt

Eduardo Fonseca Pinto, Nubia Estela Matta, Alda Maria da Cruz. Vacinas: progressos e novos desafios para o controle de doenças imunopreveníveis, Acta Biol. Colômbia. Disponível em:
http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-548X2011000300014

Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução RDC nº 4, de 10 de fevereiro de 2009. Brasília: Anvisa; 2009.   

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