Agro é pop?!

por | maio 23, 2022 | Textos | 0 Comentários

    Provavelmente você já ouviu uma das seguintes chamadas “agro é pop, agro é tech” ou “agro é pop, agro é tudo”. Se pensarmos no setor financeiro, realmente, o Brasil é uma potência do agronegócio e, assim, temos a presença de um grande rei do pop, bem como Michael Jackson. Mas, o quanto esse processo entra em conflito em relação à preservação ambiental? Será que ele, por vezes, não extrapola os limites de uso do nosso ecossistema? Vamos falar um pouco sobre isso no decorrer desse material.

Letícia Sayuri, Cyntia Almeida, Giovana Leme e Gildo Girotto Júnior.

Fogo, foguinho…

    Não é sobre a brincadeira de corda que as crianças gostam, mas sim os diferentes tipos de queima que podem acontecer. Em boa parte, tal fenômeno pode ter relação direta tanto com o agronegócio quanto com a preservação ambiental e de ecossistemas.

    Segundo o Greenpeace, existem três classificações para as queimas, sendo elas: foco de calor, quando o local apresenta temperatura maior que 47ºC, mas não significa necessariamente que há um foco de fogo; queimada, termo usado no agronegócio (cadeia produtiva da agricultura e da pecuária) quando é feito uso de fogo para renovar a pastagem ou possibilitar o plantio. É realizada com autorização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e deve ser feita em condições controladas, para que não se alastre; incêndio florestal, fogo descontrolado que atinge a vegetação, podendo ser gerado pelo ser humano, intencionalmente ou não, mas também pode acontecer por causas naturais, como, por exemplo, através da incidência intensa de raios solares em locais muito secos.

    Um dos destaques negativos a respeito das queimadas é a Amazônia. De acordo com a doutora e pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster, Erika Berenguer, as queimadas no local causam preocupação aos pesquisadores desde 1998. A região apresenta alguns motivos para esse acontecimento, sendo eles: o fogo de desmatamento, o fogo de pasto e o fogo de subsistência.

    O fogo de desmatamento caracteriza-se por acontecer depois da derrubada da floresta. As árvores são derrubadas por uma corrente, então espera-se semanas ou meses até as plantas estarem secas e, em seguida, na estação mais seca da Amazônia, ateia-se fogo em uma tentativa de limpar a área.

    O fogo de pasto, por sua vez, é utilizado para manter a área de pastoreio já existente na região. O fogo retira árvores e ervas daninhas que podem ter crescido no lugar e, após a “limpeza”, planta-se capim novamente para dar continuidade à pecuária.

    Por fim, o fogo de subsistência, também chamado de fogo de coivara, é realizado em escala menor, em áreas de agricultura familiar. O produtor retira parte da floresta, queima e realiza sua plantação.

Tá pegando fogo, bicho.

    Dados sempre nos ajudam a pensar sobre os impactos. Por exemplo, no mês de agosto de 2020, segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o número de focos de desmatamento recente registrados no CAR (Cadastro Ambiental Rural) era de 17.892 focos; no mesmo período em 2021 a quantidade era de 18.037 focos, resultando em um aumento de 145 focos em um ano. Em setembro de 2020, os números de focos foram ainda maiores com relação ao mês anterior. No entanto, esse ano tivemos uma bela diminuição nos números durante o mês de setembro, o que não é tão significativo se levarmos em conta os danos já causados. Saber que houve uma diminuição seria algo maravilhoso se os dados não apontassem para outro lado. Segundo um artigo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o fogo produzido pelo ser humano pode ter causado algum tipo de impacto em cerca de 95,5% de espécies de vegetais e animais da região amazônica.

    De acordo com a revista Nature, durante o período de 2001 a 2018, cerca de 13 mil espécies foram afetadas pelas queimadas na Amazônia, além de afetar entre 77-85% das espécies ameaçadas que constam na lista da IUCN (International Union for Conservation of Nature).

    Ainda de acordo com a pesquisa, durante o período de 2009 a 2018, o Brasil estava passando por um progresso na conservação da região tropical. No entanto, em 2019 houve uma enorme degradação ambiental, atingindo uma área quase equivalente ao tamanho da Jamaica, como afirmam os pesquisadores da Nature. Esses dados são comprovados pelos índices apresentados pelo INPE, onde somente no mês de agosto de 2019 a região desmatada correspondia a 31.000 focos de queimada.

E eu com isso?

    Como falamos no último texto, as queimadas trazem como consequência problemas na saúde de animais e sua evasão das áreas atingidas, além de doenças no trato respiratório humano. Porém, não é muito discutido que, ao afetarem o equilíbrio do ecossistema, queimadas podem também trazer à tona novos surtos de doenças e gerar novos problemas à saúde humana, visto que saúde humana e animal estão interligadas.

    A biodiversidade é um dos fatores que sustentam a saúde dos ecossistemas, com a qual a saúde humana está intimamente interligada. Quando um ecossistema é biodiverso, há uma maior capacidade do meio de resistir a distúrbios (como surtos de doenças) e um equilíbrio entre as formas de vida, inclusive de microorganismos que podem ser patogênicos (causadores de doenças). Ao aproximar o contato das espécies silvestres com o homem, são criadas novas possibilidades de contato humano com patógenos que estavam em equilíbrio, se hospedando em diversas espécies que habitavam a área desmatada. Desse modo, é possível entender que queimadas podem gerar indiretamente epidemias e causar um transtorno imensurável.

    O fogo também é responsável por impactos no solo, sendo eles de origem física, química e biológica. Pode ocorrer a diminuição no volume de macroporos (espaços dentro de agregados de elementos estruturais, nos quais a água transita devido à ação da gravidade e que são importantes para a manutenção da umidade pela sua capacidade de reter e armazenar o fluido pela sua capilaridade) e da taxa de infiltração da água no solo e sua umidade, há o aumento de resistência à penetração das raízes e também da densidade do solo, além da perda de nutrientes; ou seja, o que era para renovar o solo com o tempo prejudica o plantio.

    Assim, há maior suscetibilidade à erosão, desgaste do solo, redução da matéria orgânica bruta presente no solo o que, consequentemente, altera o ciclo do carbono, contribuindo para a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Em relação à biologia do solo, o fogo é responsável por diminuir a fonte de energia de microorganismos, diminuindo, por consequência, a população da meiofauna (conjunto de animais que medem entre de 0,0045 mm a 0,05 mm e que vivem entre os grãos).

    Um exemplo claro da degradação do solo são as nuvens de poeira que ocorreram no final do mês de setembro e no começo de outubro deste ano, ambas em regiões onde o agronegócio está fortemente presente. Imagens de satélite mostram que a região atualmente é composta por várias áreas de terra nua, ou seja, sem plantio, devido ao período de preparo da terra para a plantação, ou vegetação, como afirma coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da UFal (Universidade Federal de Alagoas), Humberto Barbosa. Em uma entrevista à BBC ele ainda explica que a ventania removeu a poeira e o resto da queimada recente, ambos resultados dos métodos usados no preparo para o próximo período de plantação.

E agora, José?

    De fato, as queimadas podem afetar diversos seres e ambientes. Apesar de ter ocorrido uma diminuição dos focos de incêndio, boa parcela da floresta Amazônica já perdeu uma parte significativa da flora e fauna nativa, ocasionando, portanto, prejuízos em relação à biodiversidade da região. Como perspectiva futura é preciso que sejam pensadas e implementadas ações que visem um desenvolvimento que seja sustentável.

    Há meios alternativos às queimadas que podem minimizar futuros danos à floresta. São os principais: sistemas agroflorestais (cultivo em uma mesma área e em determinado tempo), o sistema plantio direto (a semente é colocada direto no solo sem uma preparação prévia), a trituração da capoeira (processo onde se deixa uma camada grossa de fitomassa, uma combinação vegetal, para proteger o solo da erosão) e a integração lavoura-pecuária-floresta (uma combinação dos fatores, que pode ser feita por consórcio entre as etapas, por sucessão ou rotação). Apesar de serem mais ambientalmente viáveis, eles podem gerar menos lucro a pequeno prazo e requerem mão de obra mais qualificada, o que encareceria a produção. No entanto, o custo a se pagar pode ser pensado como um investimento a longo prazo em uma ação que permita melhor qualidade de vida.

Referências:

Precisamos falar sobre queimadas e incêndios florestais. GreenPeace. Disponível em:
https://www.greenpeace.org/brasil/blog/precisamos-falar-sobre-queimadas-e-incendios-florestais/Precisamos falar sobre queimadas e incêndios florestais

Quais as consequências do desmatamento na Amazônia para nossa saúde? Drauzio Varella explica em série de vídeos. GreenPeace. Disponível em:
https://www.greenpeace.org/brasil/blog/quais-as-consequencias-do-desmatamento-na-amazonia-para-nossa-saude-drauzio-varella-explica-em-serie-de-videos/

Análise – Focos de Queimada X Desmatamento. TerraBrasilis. Disponível em:
http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/fires/biomes/aggregated/

Fogo afetou 95% das espécies da Amazônia, mostra pesquisa. IPAM. Disponível em: https://ipam.org.br/fogo-afetou-95-das-especies-da-amazonia-mostra-pesquisa/

Policy, drought and fires combine to affect biodiversity in the Amazon basin. Nature. Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-021-02320-0

Alternativas ao uso do fogo na agricultura e as etapas para planejamento de uma queimada controlada. Embrapa. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/2471085/alternativas-ao-uso-do-fogo-na-agricultura-e-as-etapas-para-planejamento-de-uma-queimada-controlada

Sistemas agroflorestais, agroecológicos e biodiversos para a região sudeste. Embrapa. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-solucoes-tecnologicas/-/produto-servico/4667/sistemas-agroflorestais-agroecologicos-e-biodiversos-para-a-regiao-sudeste

Plantio direto. WWF. Disponível em:
https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/agricultura/agr_acoes_resultados/agr_solucoes_cases_plantio2/

Desmatamento e modelo agrícola aumentam risco de “tempestade de poeira”. BBC News. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58725641

Sistema de plantio direto de milho. Ageitec. Disponível em:
https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/milho/arvore/CONTAG01_72_59200523355.html

SOARES, A. L. P.; GUEDES, M. C. Corte e trituração da capoeira como alternativa ao uso do fogo no preparo de área para plantio. Embrapa Amapá. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/349565/corte-e-trituracao-da-capoeira-como-alternativa-ao-uso-do-fogo-no-preparo-de-area-para-plantio

Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Embrapa. Disponível em:
https://www.embrapa.br/tema-integracao-lavoura-pecuaria-floresta-ilpf/nota-tecnica

Sistema agroflorestal. Embrapa. Disponível em:
https://www.embrapa.br/agrossilvipastoril/sitio-tecnologico/trilha-tecnologica/tecnologias/sistema-de-producao/sistema-agroflorestal

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