Mulheres na universidade

por | maio 23, 2022 | Textos | 0 Comentários

Muito bem, agora já pode…

    Imagine uma moça ou uma menina que fez algo pela primeira vez e alguém lhe diz a seguinte frase que começa com “muito bem, agora você já pode…”, aposto que você terminou a frase em sua mente. Pois bem, hoje vamos falar sobre, o que de fato, elas podem fazer. 

           Cyntia Almeida, Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Júnior.

E o primeiro diploma — feminino — vai para?!

    Primeiramente precisamos conhecer alguns dados históricos para que nossas contas possam ser feitas e possamos chegarmos a conclusão de quanto tempo demorou para que o ensino superior tivesse sua primeira aluna. 

    A primeira universidade fundada no mundo todo é Universidade de Al-zhar, no Cairo, no ano de 998. Porém na concepção moderna o Ensino Superior surge na Itália, durante a Idade Média, com a fundação da Universidade de Bolonha, cujo o ano de fundação data em 1088, seguida pela famosa Universidade de Stanford, onde as aulas tiveram início em meados de 1096. No entanto, ao realizarmos uma pesquisa rápida, o diploma de uma das primeiras mulheres com acesso ao ensino superior data de 1678, quase 600 anos após a fundação dessa modalidade de ensino, na modernidade.1 Algo um tanto quanto bizarro.

    Quem foi essa mulher? Elena Lucrezia Coronaro Psicopia. Filha de um nobre venezuelano, a menina teve acesso a uma biblioteca extremamente rica e a tutores. Com o auxílio de seu tutor, Carlo Rinaldini, Psicopia recebe seu diploma de filosofia, aos 32 anos, pela Universidade Pádua (seu primeiro pedido de diploma havia sido para teologia, mas fora negado).2

A caminho das Índias? Rei, nobres, livros e direitos (alguns)

    O ensino superior, pode ser considerado um nobre que chega ao Brasil, juntamente com a família real, o Rei D. João VI, Carlota Joaquina e a corte, mais do que pessoas desembarcaram no porto do Rio de Janeiro em meados de 1808, fugindo de Napoleão Bonaparte, pois, com a chegada da realeza, o país recebia não apenas a corte portuguesa, mas também uma enorme quantidade de livros e a “cultura européia”, todos vindos da Europa, onde a Universidade já existia há pelo menos 800 anos. 

    Embora ele tenha chegado no começo do século XIX, as mulheres só passaram a ter acesso a esse “nobre” após o decreto 7.247 de 19 de abril de 1879. No entanto, a primeira dama brasileira a receber seu diploma não estava na ‘Pátria amada, Brasil’. Maria Augusta Generoso Estrela, se formou em medicina em 1882, porém, nos Estados Unidos. 

    Não muito depois disso, no estado da Bahia, em 1887, Rita Lobato Velho Lopes, recebeu seu diploma em medicina, na Faculdade de Medicina da Bahia, assim se tornando a primeira mulher a ter um certificado de conclusão do Ensino Superior no Brasil. 

    Pode parecer que a partir desse momento as mulheres teriam um espaço mais expressivo no universo do ensino superior brasileiro, mas, não foi bem assim. Em 1920 a mulher tinha, sim, o contato com um título de nobreza, mas era o de “rainha do lar”, ou seja, 40 anos depois da primeira brasileira formada e a universidade ainda não era um lugar visto “para mulheres”. As moças eram ensinadas exclusivamente para o casamento. Um fato que demonstra isso é que em 1931 no 2º Congresso internacional de feministas, um dos pedidos debatidos era moradia feminina na Casa do Estudante do Brasil (atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro), já que o estatuto da instituição garantia moradia apenas para homens.3

Muito bem, já pode fazer o que?

    Desde então as mulheres têm, dia após dia, conseguido estabelecer mais contato com o meio acadêmico, a pesquisa e o desenvolvimento. Recebendo prêmios e menções honrosas. Nos últimos 100 anos esse ambiente vem deixando de ser algo pertencente apenas a homens e passando (realmente e não só no papel) a ser um lugar para todos e todas. 

    Algumas dessas incríveis pesquisadoras foram e são responsáveis por pesquisas das mais diversas, desde o coador  de café (que por sinal uma das marcas mais famosas carrega o seu nome, Melitta Bentz) até pesquisas espaciais, que contribuíram para viagens à Lua. 

    Talvez uma das mais citadas mulheres na ciência seja Marie Curie, diplomada em física e matemática, responsável por identificar a emissão de radiação penetrante do Tório e por realizar, em sua tese de doutorado, um estudo sobre a radiação de Urânio.4 Trabalhando em parceria com seu marido, Pierre Curie, ambos descobriram dois novos elementos: Polônio e Rádio. Com essa descoberta ela ganhou o primeiro Prêmio Nobel (que inicialmente teria apenas o nome de Pierre), em Física. Após a morte de Pierre, Marie se dedicou à pesquisa que era do casal, assumiu um assento na Universidade de Sorbonne, na França, se tornando a primeira mulher a dar aulas para o ensino superior e, pouco depois, foi condecorada com seu segundo Prêmio Nobel, desta vez em Química.5

    Além de Curie, outros nomes importantes, como Katherine Johnson, que trabalhou durante 35 anos na NASA, National Aeronautics and Space Administration, (sim, aquela importante agência espacial que você vê nos filmes). Conhecida por ser uma excelente matemática, a mesma ganhou uma vaga na área de desenvolvimento da missão Apollo 11, a primeira nave espacial a pousar na Lua.6

    E em uma fase em que ter seringas são tão importantes, que tal falarmos de Letitia Mumford Geer? Ela foi a mulher que patenteou a primeira seringa para aplicação de medicações, com uso de apenas uma mão, e por meio de um pistão. O modelo desenvolvido por Geer, é a “musa inspiradora” das seringas atuais (imagine como seria nossa vida em um momento de pandemia e vacinação sem essa importante invenção).7

    E por falar em medicamentos, por que não citar a Gertrude B. Ellion? Responsável por medicamentos como o 6-mercaptopurina, usado no tratamento de leucemia, antivirais,que atuam no combate a infecções causadas por herpes, além de inovações farmacêuticas que ajudaram no transplante de rim. Ela também é uma ganhadora do Nobel, nesse caso o de Fisiologia e Medicina, com a descoberta sobre “os princípios chaves de tratamentos com base medicamentosa”.8

    Apesar desse grande avanço,  de terem alcançado seu espaço na área acadêmica e na pesquisa, de terem tornado-se maioria nas universidades brasileiras, como aponta o Education at Glance, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2019, as mulheres ainda tinham dificuldades em conseguir um emprego, ou mesmo um salário como equiparado aos homens nos mesmos cargos.9 O que se percebe ainda, é uma herança de uma época de preconceitos e patriarcado imorais. É triste dizer que ainda lutamos contra algo que não deveria existir, mas, ao mesmo tempo, é grandioso perceber o quanto os desafios vem sendo (ainda que a passos lentos) vencidos.

    Portanto, frases como a pérola que inicia este texto precisam deixar de ser direcionadas a um gênero específico. Afinal, digamos: “muito bem, você já pode fazer absolutamente tudo o que quiser”, do cuidar de seu filho a descobrir um novo mundo.

Referências:

1 VICHESSI, Beatriz. Qual a Universidade mais antiga do Mundo?. Nova Escola. Outubro, 2001. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1568/qual-e-a-universidade-mais-antiga-do-mundo#:~:text=Na%20concep%C3%A7%C3%A3o%20moderna%2C%20a%20universidade,no%20Cairo%2C%20ganha%20o%20t%C3%ADtulo.>

2 FINDLEN, Paula. Elena Lucrezia Cornaro Piscopia (1646-1684): The First Woman in the World to Earn a University Degree (review). Renaissance Quarterly. Renaissance Society of America. Vol. 61. n. 3. 2008. Disponível em: <https://muse.jhu.edu/article/250828/summary?casa_token=-ToJhMe3a2kAAAAA:Nx6nQJupDBcf-dub-PDX4nQ9Wt3GEq6C2NLA5TfB5iyQUF-G9Deh007K7Pk0leMWIUmzmPwB>

3 MOTTA, Débora. Pesquisa analisa a trajetória de inserção das mulheres no ensino superior. FAPERJ. 2014. Disponível em: <http://www.faperj.br/?id=2748.2.6>

4 MARTINS, Roberto. As primeiras investigações de Marie Curie sobre radioatividade. Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências. USP. Disponível em: <http://www.ghtc.usp.br/server/pdf/curie-a1.pdf>

5 CARVALHO, Diana. Marie Curie: uma das mulheres mais importantes da ciência. ECOA UOL. Disponível em: <https://www.uol.com.br/ecoa/amp-stories/fizeram-historia-marie-curie/index.htm>

6 GAZZCONECTA. 5 invenções feitas por mulheres que mudaram a história da inovação. Gazeta do Povo. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/gazz-conecta/invencoes-feitas-por-mulheres-que-mudaram-a-historia-da-inovacao/>

7 FABIANO, Cauê. Veja 10 mulheres inventoras que revolucionaram o mundo. Ciência e Saúde. G1. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/03/veja-10-mulheres-inventoras-que-revolucionaram-o-mundo.html>

8 RODRIGUEZ, Margarita.  11 tecnologias extraordinárias criadas por mulheres. BBC News. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160302_dia_da_mulher_inventoras_rb>

9 BBC. Mulheres são maioria nas universidades brasileiras, mas tem dificuldades em encontrar emprego. Economia. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/09/10/mulheres-sao-maioria-nas-universidades-brasileiras-mas-tem-mais-dificuldades-em-encontrar-emprego.ghtm>

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