O Cigarro Eletrônico

por | ago 22, 2022 | Textos | 0 Comentários

Vale a pena ver de novo?

    Sabe quando você necessita vender aquela ideia que na verdade não é tão atrativa assim? Se seu produto é perigoso e gera desconfiança, como você convence seu público? Você explicaria os riscos que ele oferece? A indústria do cigarro, hoje e no passado, lida com questões parecidas.

Guilherme Caitano

Tudo novo de novo

    Se você imagina que os cigarros eletrônicos são inovadores, promissores e muito mais seguros, sinto-lhe em dizer que não; os vapes são mais do mesmo, os velhos cigarros que seus pais e avós adoravam, agora com uma carinha mais bonita. Mas fique tranquilo quanto a isso. Quando mais novos, eles também pensaram que o cigarro era apenas uma forma de curtir a vida e de se incluir em algum grupo. Felizmente, você pode repensar essas questões e entender melhor o que de fato representam os cigarros eletrônicos. 

    Para isso, é importante entender que a produção massiva do cigarro só foi possível em meados de 1880, com a chegada de máquinas capazes de trabalhar a menor custo. Em seguida, o mercado publicitário foi responsável pelo restante, aplicando estratégias agressivas para convencer o público, vendendo um estilo de vida atrativo, enraizando na  mente dos consumidores os estilos de vida destes e se negando a informar os riscos. Hoje, como alternativa aos antigos cigarros brancos – desatualizados, associados a mau odor e a vários tipos de problemas de saúde como o câncer -, os olhares se voltam aos cigarros eletrônicos – modernos, com odores e sabores agradáveis e sem riscos à saúde. Será mesmo? Vale a pena ver de novo?

Eu Juul, Tu Juul, Ele Juul. 

    Em formato de pen drives e canetas das mais variadas cores, com gosto e aromas de frutas, doces e outras fragrâncias atrativas, os cigarros eletrônicos, camuflados de tal maneira, foram apresentados e difundidos entre os jovens/adolescentes, principalmente no ambiente escolar. No último outono dos Estados Unidos, uma onda de jovens fumando dispositivos tecnológicos e visualmente inocentes tomou as notícias do país, surpreendendo e mobilizando as instituições de ensino. A moda que se instalou primeiramente no norte do continente e avança pelo Brasil é tamanha que criou até verbo: Julling. Empresa pioneira nos negócios dos cigarros eletrônicos, Juul inspirou a criação desse verbo que indica o uso recreativo dos cigarros eletrônicos.

    A respeito da utilização por parte dos mais jovens, a Juul argumenta que não incentiva, e que tal público de fato não deveria fazer uso. Todavia, a realidade que se observa nos Estados Unidos, e agora também no Brasil, é a da livre comercialização e acesso a menores de 18 anos. Essa logística, suportada de forma pesada pelos exemplos do hábito de fumar, vistos principalmente por meio das grandes mídias sociais cria duas problemáticas: a primeira é o surgimento de mais uma geração viciada em nicotina e sujeita às suas nocividades; a segunda compreende o fato de alguns estudos mostrarem que os jovens expostos ao cigarro eletrônico possuem quatro vezes mais chance de experimentar o cigarro branco.

    Então, se você é usuário dos “vapes”, saiba que estes não são inofensivos à saúde, podendo causar dependência, e que o vídeo do Tik Tok e do Instagram que vemos ali em nossa cama antes de dormir ou no intervalo de nossas aulas, mostram a imagem que a indústria do cigarro mais uma vez quer nos vender. Mas, sei que você é uma pessoa curiosa e engajada, e quer explicações para tudo que leu aqui: “Os cigarros eletrônicos possuem nicotina?”, “Quais os riscos à saúde?”, “Como funcionam?”, “Como posso viciar?”. Então arraste para baixo, que vamos conversar um pouco sobre tudo isso.  

Como funcionam os cigarros eletrônicos e quais seus riscos à saúde?

    Assim como os cigarros brancos, os eletrônicos são dispositivos utilizados para possibilitar a inalação, por meio do aquecimento de um líquido, de nicotina e dos aromatizantes responsáveis pelo odor e gostos agradáveis. A primeira coisa a se deixar claro aqui é a presença de nicotina (que inclusive pode ser maior do que a concentração nos cigarros habituais) nos cigarros eletrônicos. A nicotina é a responsável por causar a dependência no nosso corpo agindo no sistema nervoso central, alterando nosso estado emocional e comportamental, além de determinar várias alterações prejudiciais ao coração e seu sistema de veias e artérias. O uso contínuo de nicotina faz com que o corpo humano se adapte e necessite de doses cada vez maiores para satisfação, de maneira que a pessoa se torna refém de seu uso e abandoná-la passa a ser uma tarefa extremamente difícil. 

    “Mas já ouvi dizer que há cigarros eletrônicos sem nicotina, é verdade?”. Sim, é verdade. No geral, os dispositivos eletrônicos para fumar possuem nicotina, mas, quando não, ainda sim são prejudiciais à saúde. Isso se deve ao fato de que, para produzir a fumaça, alguns compostos líquidos que contém aditivos como o propilenoglicol e glicerol são vaporizados e, uma vez dentro dos pulmões, podem estar relacionados com o surgimento de câncer e outras doenças do pulmão. De acordo com o Dr. Drauzio Varella, reconhecido nome da medicina brasileira, “o cigarro eletrônico é uma forma que os fabricantes encontraram de administrar nicotina sem abrir mão do lucro obtido com a droga” e “inalar a fumaça liberada na combustão do cigarro é o mais mortal dos comportamentos de risco no Brasil”. Mediante essas falas, não é um exagero perceber que estamos (eu, você e toda a sociedade) usando a mesma droga do passado, cedida pelas mesmas empresas, que têm os mesmos objetivos (lucro). Cometeremos o mesmo erro?

Quando a esmola é demais o santo desconfia, não?

    As principais empresas envolvidas no mercado de cigarros eletrônicos, como a Juul que já mencionamos, defendem que os dispositivos podem ser utilizados por aqueles que desejam reduzir o hábito de fumar os cigarros convencionais. Isso, por certo, é verdade. Os dispositivos eletrônicos, ao contrário dos habituais, durante a queima para gerar a fumaça,  permitem que o usuário inale uma quantidade menor de outros gases tóxicos, de modo que um fumante que deseja moderar seu hábito pode fazer uso desses aparelhos. Em resumo, os cigarros eletrônicos podem ser uma maneira menos nociva de lidar com a dependência da nicotina; o que, de forma alguma pode ser confundido com a ausência de riscos à saúde. 

    Em conclusão, já sabemos que os cigarros eletrônicos também possuem nicotina, que é a substância de maior potencial para vício e dependência que se conhece. Temos compreensão também dos graves riscos à saúde que o hábito de fumar representa. E, por fim, agora seremos capazes de perceber que nossas redes sociais mostram mensagens completamente diferentes dessas, associando o cigarro eletrônico a uma cultura descolada, bonita, moderna, inclusiva e completamente sem riscos – a serviço da indústria que precisa dessa comunicação para garantir a adesão e rentabilidade de seu produto. 

    Sabendo de tudo isso, cabe a cada um de nós avaliar se esse discurso não parece muito bonito para pouco dano que é vendido, e avaliarmos se não estamos, como sociedade, cometendo os mesmo equívocos que nossos pais e avós um dia cometeram, criando assim uma nova geração de dependentes. 

Referências:

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/tabaco/cigarro-eletronico

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/uso-de-cigarros-eletronicos-entre-adolescentes-poe-colegios-em-alerta/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2018/04/cigarros-eletronicos-invadem-escolas-dos-estados-unidos-cjg3vtkef00on01qo2fg2437j.html

https://time.com/5211536/what-is-juuling/

https://br-vapers.com/pages/o-que-e-vaper

https://www.inca.gov.br/en/node/147

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