Transgênicos: de gene e de louco todo mundo tem um pouco

por | ago 22, 2022 | Textos | 0 Comentários

    Nos últimos anos, muito tem-se discutido a respeito dos alimentos transgênicos. Mas, afinal de contas, o que são eles? Eles fazem mal para a saúde? Por que modificar alimentos? Podem modificar algo nos seres humanos? É sobre isso que trataremos no texto deste mês.

Leticia Sayuri, Cyntia Almeida

Transgênico ou Organismo Geneticamente Modificado (OGM)?

    Antes de mais nada, vamos definir o que são os alimentos transgênicos: são alimentos que tiveram modificações em seu DNA, sendo incorporado a ele genes de outro(s) organismo(s). Apesar de muitas vezes o termo transgênico ser tratado como sinônimo de Organismo Geneticamente Modificado (OGM), isso nem sempre é válido.

    Como dito, transgênico recebe genes de outro organismo. No entanto, como define a Lei de Biossegurança 11.105/05, existem outros tipos de OGM que são produzidos em laboratório pela modificação genética mas que não necessariamente incorporam o material de outra espécie. Ou seja, todo transgênico é um OGM mas nem todo OGM é um transgênico. 

    Essa técnica pode, a princípio, parecer algo muito artificial. No entanto, ela já ocorre na natureza sem a interferência humana. Um exemplo disso é um estudo feito no qual cientistas encontraram DNA de bactérias em uma espécie de batata doce [2]. Ou seja, a própria natureza gera mutações genéticas que podem (ou não) favorecer a adaptação da espécie ao meio.

    Agora, por que isso é interessante para o homem?

    Técnicas como essas podem melhorar a produtividade das plantações. Pode-se adicionar genes resistentes a parasitas em uma plantação de soja, por exemplo, para diminuir a perda da safra. O bom uso da transgenia, portanto, poderia propiciar uma colheita mais proveitosa, o que tenderia a diminuir o preço dos produtos que chegam até o consumidor.

    Um bom exemplo é o primeiro produto alimentício modificado geneticamente, um tomate desenvolvido na Califórnia há quase 30 anos. O objetivo era fazer com que o fruto fosse mais resistente, garantindo que a fruta chegasse conservada ao destino final. 

Tendo feitas as apresentações

    Quando fazemos uma rápida pesquisa sobre transgênicos ou OGM, com certeza vamos encontrar diferentes questionamentos. Um que é bastante recorrente é: “Mas, afinal de contas, os transgênicos podem causar problemas à saúde humana?”

    Sabemos que a troca de genes entre espécies ocorre naturalmente, como forma delas se adaptarem às diferentes condições. Então, poderíamos pensar que o processo de modificação feito em laboratório, como se assemelha ao que ocorre na natureza, não irá gerar nenhum prejuízo à saúde humana, certo? NÃO! As modificações feitas em laboratório não são, necessariamente, aquelas que ocorreriam naturalmente. Ainda, a depender de qual tipo de gene incorporado, as interações com o corpo humano podem ser distintas.

    Portanto, é preciso que, para cada modificação no código genético, um conjunto de estudos que acompanhe os impactos dessas modificações seja realizado. E mais: tais estudos não podem ser em um curto prazo, pois muitas vezes as modificações levam a doenças que se desenvolvem lentamente e pela exposição prolongada a uma determinada substância, como o câncer.

    Apesar disso, o Brasil é o segundo maior produtor de alimentos transgênicos, tendo, em 2019, aproximadamente 53 milhões de hectares com plantas transgênicas, o que representa 95% da área plantada de soja, 88% de milho e 85% da plantação de algodão. O maior fornecedor de tais produtos são os Estados Unidos, que, no mesmo ano, apresentavam 71.5 milhões de hectares. No total, apenas 29 países fazem esse tipo de plantio, sendo que 71 nações consomem produtos transgênicos. 

    Mas infelizmente, apesar do país produzir um alto número de plantas transgênicas, os índices de pesquisa na área são muito baixos e isso ocorre, muitas vezes, por influência de empresas que são produtoras desses alimentos.

Problemas e interesses

    Era de se esperar que, com tantas modificações genéticas nas plantas, o uso de agrotóxicos pudesse ser dispensado, certo? Já que, uma vez que possam ser modificados genes das plantas, elas podem ser mais resistentes a pragas.

    Não é bem assim. Segundo a Embrapa, alguns produtos até apresentam resistência a determinadas pestes, porém são extremamente específicos, o que não garante que a plantação fique completamente livre do uso defensivo agrícola. 

    Em 2017, um grupo de pesquisadores brasileiros mostrou que, no período de 2000 até 2012, no qual os OGM começaram a ser mais usados, o uso de agrotóxicos não apenas aumentou, como dobrou. Isso porque as plantas de interesse não haviam sido modificadas para serem resistentes a pragas, mas sim, aos herbicidas. Ou seja, desconsiderar os agrotóxicos não foi considerada uma opção. 

    Em alguns casos, a explicação é o fato de que a empresa que fabrica o OGM é também aquela que fabrica o agrotóxico. Curioso, não? Por exemplo, a empresa Monsanto vende soja transgênica resistente ao glifosato (agrotóxico) que ela mesma produz. No Brasil, ela é a única empresa responsável pela fabricação deste produto.

    Mas sim, podemos produzir transgênicos resistentes a pragas. O que nos leva a outra questão problemática. As pragas podem se adaptar e, após um tempo, esse alimento não será mais resistente e deverá ser novamente modificado. Entramos, nesse caso, em um ciclo de para cada praga, uma modificação feita. Substituímos o inseticida por modificações genéticas. Seria esse mesmo o caminho? E um detalhe: obviamente quem venderia o novo produto seriam empresas como a já mencionada, criando um mercado de produção de OGM.

    Para Leonardo Melgarejo, engenheiro-agrônomo que representou o Ministério de Desenvolvimento Agrário na CNTBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) entre 2008 a 2014, em entrevista à Revista Fapesp em 2021, a não redução de pesticidas pode gerar danos futuros, por isso é necessário monitoramento constante. Ele explica como isso pode afetar o meio ambiente no futuro ao usar o exemplo do uso de plantas com genes modificados para combater lagartas: morrem os insetos, seus inimigos naturais e, com o tempo, esse invertebrado pode adquirir resistência àquele tipo de OGM e recorrer a outro ambiente, assim tornando-se necessário o uso de outro tipo de inseticida.  

Por fim

    A transgenia feita artificialmente poderia ser usada, como dito anteriormente, para diferentes finalidades, incluindo a redução no custo dos alimentos, tornar possível a plantação de determinadas espécies em regiões pouco férteis, dentre outras. No entanto, um conjunto de interesses não tão nobres acaba por roubar a cena. Ainda, mais uma série de estudos a longo prazo são necessários para a tomada de decisão sobre um assunto tão delicado.

    Então, podemos perguntar: quem é o responsável por decidir como usar essas novas tecnologias? Esse responsável, o tão falado agronegócio, foi muito citado nos nossos últimos materiais e, para saber mais sobre outras consequências que ele traz, recomendamos a leitura dos nossos materiais “Agro é pop”, “Cadê a água que tava aqui?” e “Mortal Kombat – Agrotóxicos”. No fim, todos esses temas acabam se interligando e mostrando como tem tanto poder por trás da agricultura.

    Por fim, vale destacar ainda que existem questões sociais e ambientais relacionadas ao uso de transgênicos. Buscaremos explorar esses aspectos em nosso vídeo e no podcast sobre o tema. Fica o convite!

Referências:

[1]  Embrapa. Sobre o tema: Transgenia: quebrando barreiras em prol da agropecuária brasileira. Disponível em:  <https://www.embrapa.br/tema-transgenicos/sobre-o-tema>

[2] KYNDT, T. et al. The genome of cultivated sweet potato contains Agrobacterium T-DNAs with expressed genes: An example of a naturally transgenic food crop. PNAS. 2015. Disponível em: <https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.1419685112#sec-1>

[3] BRANDÃO, G. Brasil é 2º maior produtor mundial de alimentos geneticamente modificados. Agência Senado. 2017. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/projeto-reacende-debate-sobre-alimentos-transgenicos/brasil-e-2o-maior-produtor-mundial-de-alimentos-geneticamente-modificados>

[4] FRIDMAN, P. Transgênicos na lupa. FAPESP. 2021. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/transgenicos-na-lupa/>

[5] ALMEIDA, V. E. S. de et al. Uso de sementes geneticamente modificadas e agrotóxicos no Brasil: cultivando perigos. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2017, v. 22, n. 10. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.17112017>

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