Ciência e Arte “Povos da Amazônia”: Compartilhando saberes, construindo experiências.
Em fevereiro de 2023, parte da equipe da Sala V teve a oportunidade de participar de um evento chamado CAPAm: Ciência e Arte Povos da Amazônia. Essa iniciativa é uma parceria da UNICAMP com a Universidade Federal do Pará (UFPA), que tem por objetivo trazer estudantes de comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos) que estudam na UFPA para participarem, durante um mês, de atividades na Unicamp com objetivo de trocar conhecimentos.
Texto de Letícia Sayuri e Gildo Girotto.
Tenho nem roupa pra esse evento
O projeto CAPAm: Ciência e Arte Povos da Amazônia, iniciativa da Unicamp e da UFPA, tem em sua proposta realizar o intercâmbio de estudantes e visa o compartilhamento de experiências e saberes. O que sabemos de lá, o que eles sabem daqui? Por que não compartilhar nossas vivências para uma aproximação cultural? Essa é a verdadeira essência e os aprendizados dessa vivência é, sem dúvidas, imensurável para os participantes.
No CAPAm, diferentes ações são realizadas. No IQ-Unicamp, nós da Sala V programamos uma oficina de um dia para essa troca. Buscamos fazer discussões sobre saberes tradicionais, saberes da química, experimentação e divulgação científica. Em um primeiro momento, realizamos uma discussão a respeito do que as pessoas de diferentes cursos entendiam sobre química, se ela era vista como algo ruim, negativo, relacionado a algo tóxico. Depois, discutimos sobre a química no cotidiano de diferentes pessoas em suas comunidades, e destacamos aqui a produção de óleo de coco e o uso do urucum, já pensando na segunda parte do dia, em que experimentos envolvendo essa fruta seriam realizados.
Na segunda parte os estudantes puderam realizar a extração do sumo do urucum utilizando diferentes líquidos e, ainda, realizaram a cromatografia com o sumo e a fruta. Paralelamente a isso, os grupos produziram materiais de divulgação científica em formato de vídeo e áudio com temas de escolha deles, que serão compartilhados nas próximas semanas.
Nomeando as peças
Os experimentos foram pensados com base no material produzido pela doutoranda Viviane Silva de Souza, que estuda e propõe como os saberes tradicionais podem ser inseridos nas matérias experimentais na graduação em química.
E quais seriam esses saberes tradicionais?
Em primeiro lugar, podemos definir quem são os povos e comunidades tradicionais. O decreto 6040 de 7 de fevereiro de 2007 define esses termos como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. Dessa forma, os saberes tradicionais envolveriam o conhecimento que as comunidades possuem como parte de sua cultura, algo que é passado de geração para geração, e que vão sendo aperfeiçoados ou mantidos ao longo dos anos. Diversas são as comunidades tradicionais e, no CAPAm, temos estudantes de comunidades indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhas.
Dentro dos estudos sobre saberes e conhecimentos tradicionais, emergem termos como a “etnoquímica”. Mas o que seria etnoquímica? Esse termo se refere à construção de conhecimento químico a partir de um contexto cultural, pensando, principalmente, em como utilizar esse conhecimento para benefício do grupo cultural em que se insere.
Vamos pensar assim: sabe quando você lê um livro ou apostila de química e encontra substâncias que nunca viu na vida ou que parecem fora do seu dia a dia? A etnoquímica seria trabalhar esse conceito de um modo que respeite a cultura existente e valorize os saberes tradicionais, aqueles que há muito tempo as pessoas conhecem e que passam para as pessoas ao seu redor. E por que é importante falarmos sobre isso?
Em um material que escrevemos há um tempinho (que você pode conferir clicando aqui https://www.blogs.unicamp.br/salav/2022/05/19/descolonizacao-dos-saberes/), citamos a lei 11.645/08, de 10 de março de 2008, que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira e indígenas nas escolas. Uma iniciativa muito positiva dentro desse tema é a Escola Afro-Brasileira Maria Felipa, idealizada pela professora Dra Bárbara Carine (https://www.instagram.com/escolamariafelipa/).
No entanto, percebe-se que essa obrigatoriedade não se estende, também, às universidades. Foi pensando nesse contexto que a Viviane Souza, citada anteriormente, desenvolveu seu projeto, voltado para a graduação em química pensando em contextualizar os experimentos dentro dos saberes tradicionais. A Figura 1, abaixo, ilustra experimentos realizados durante o CAPAm sobre cromatografia, utilizando a folha e o sumo do urucum.
Cromatografia em papel com urucum
Figura 1: Cromatografia em papel com urucum. Fonte: Autoria própria.
Mas e aí, qual foi a dessa oficina?
Como dito anteriormente, realizamos três ações. Na discussão inicial, que foi extremamente rica, diferentes tópicos foram levantados. Discutimos como os estudantes compreendem a química em seu cotidiano e também como produzem conhecimentos em suas comunidades. Claramente nossos modos de fazer processos são distintos, mas nunca excludentes. Os objetivos de nossos processos são diferentes, mas ambos agregam conhecimentos construídos coletivamente ao longo do tempo.
A partir dessa discussão, fomos ao laboratório do Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie), no Instituto de Química, e realizamos o experimento da cromatografia de papel do extrato de urucum. Esse experimento é, em termos práticos, relativamente simples e consiste em pingar uma gota de pigmento (natural ou não) próximo à margem de um papel de filtro. Depois, essa margem é mergulhada em um líquido (chamado de solvente), de modo que não toque no pigmento. A ideia do experimento é avaliar o comportamento desse pigmento, se ele irá se dividir em mais cores (como ocorreu com a folha de urucum) ou não.
A intenção de realizar essa oficina foi pensar na possibilidade de trocar experiências, aprender com o outro, mostrar um pouco do que e de como fazemos e reconhecer outras formas de saber. Além disso, a intenção é pensar em outras possibilidades de trabalhar com a etnoquímica. Por exemplo, poderíamos pensar também em uma proposta experimental de como extrair o óleo de coco com um maior rendimento, pensando na discussão que os estudantes levantaram. Em nosso diálogo, cada estudante, membros de comunidades distintas, tinha práticas diferentes de extração e isso nos deu uma perspectiva de como integrar melhor esses saberes ao nosso cotidiano.
No terceiro momento, os estudantes produziram materiais de divulgação sobre os seus conhecimentos e suas experiências nas suas comunidades. Bom, mas esses materiais vão ficar para os próximos capítulos. Se quiser saber sobre os materiais produzidos fique de olho que logo os materiais que eles produziram serão publicados.
O que podemos destacar para finalizar esse pequeno relato, é a riqueza da troca de experiências. Aprendemos muito com o diálogo e talvez esse seja o termo mais importante do CAPAm: o DIÁLOGO. Muitas vezes, os conhecimentos tradicionais não são registrados em documentos oficiais escritos, por exemplo, e isso pode gerar um apagamento de tais conhecimentos. A possibilidade que o projeto gera é bastante ímpar pois favorece exatamente o reconhecimento desses conhecimentos que não são tão acessíveis. Assim, que o programa possa se expandir e se fortalecer. Como diria aquela música: que seja eterno enquanto dure, que dure para sempre.
Referências
BRASIL. Decreto nº 6.040, de 7 de Fevereiro de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm>.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 Março de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>.
ROSARIO, S. A. S. do, CARDOSO, S. R. P., SARAIVA, L. J. C. SABERES ETNOMATEMÁTICOS, ETNOFÍSICOS E ETNOQUÍMICOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE PRODUÇÃO DA CERÂMICA CAETEUARA DE BRAGANÇA-PA: UMA ANÁLISE INTERDISCIPLINAR A PARTIR DOS ETNOSSABERES. Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo. UFPA. 2018. Disponível em: <https://www.eumed.net/rev/atlante/2018/09/saberes-etnomatematicos.html>.
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