NEM sei, só sei que foi assim

por | jun 2, 2023 | Textos | 0 Comentários

    O Novo Ensino Médio (chamado oportunamente de “NEM”), tem sido pauta de discussões nos últimos anos e, mais intensamente, nos últimos meses. Mas em que consiste essa “nova” proposta? Quais são as mudanças? As escolas foram preparadas para isso? E os professores, como estão se adaptando em meio a implementação? Os alunos estão conseguindo compreender o que está acontecendo? Nesse texto, buscamos trazer de modo geral a estrutura da proposta e algumas questões que vêm sendo discutidas a seu respeito e que NEM sempre são claras.

Cyntia Almeida e Gildo Girotto Júnior

 

    O Novo Ensino Médio foi aprovado em 2017 por meio da Lei nº 13.415/2017 que alterava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Mas o que isso significa? Segundo o Ministério da Educação (MEC), os alunos do ensino médio agora teriam a carga horária alterada de 800 horas para 1.000 horas anuais em sua formação com base em uma nova organização curricular, ainda contemplando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), porém de uma forma mais flexível e possibilitando diferentes opções de escolha para os discentes por meio dos chamados itinerários formativos.[1]

 

Bom, isso não nos diz muita coisa. De fato, como era e como fica?

    Se você estudou em escolas públicas (ou mesmo privadas) no Brasil, você deve lembrar que, durante os três anos de ensino médio, você tinha, de segunda a sexta, aulas de Português, Matemática, Química, Física, Biologia, História, Geografia, Inglês (ou Espanhol), Educação Física, Artes e Filosofia. Com algumas variações de escola para escola, essa era a base do ensino médio até o ano passado. E agora? Bom, agora o estudante tem essas disciplinas separadas apenas no primeiro ano e, a partir do segundo ano, ele ou ela deve optar por um desses itinerários formativos. Das disciplinas separadas, ficam só Português e Matemática como obrigatórias. Então fica assim:

Fonte: ebook_guia_do_estudante_-_novo_ensino_medio.pdf (educacao.sp.gov.br)

    Fazem parte dos itinerários disciplinas, projetos, oficinas, entre outras situações de trabalho, conforme aponta o MEC, onde a visão dessa proposta seja permitir que o aluno “escolha” uma área de conhecimento e assim adquira uma formação técnica e profissional. Segundo o MEC, cada escola possuiria a autonomia para definir os itinerários formativos que serão oferecidos, considerando a participação de toda a comunidade escolar para a escolha.[1] 

    A ideia do NEM é atender as expectativas do jovem em relação à sua formação, fortalecendo o protagonismo juvenil ao permitir que o aluno escolha a área do saber para aprofundar seus conhecimentos. Ainda nessa perspectiva, é colocado que as matérias do currículo comum não seriam retiradas, mas que haveria uma mobilização dos componentes curriculares, sendo alocados nos itinerários e nas aulas de expansão. Mas, infelizmente, isso está totalmente distorcido e, de fato, os conteúdos das disciplinas estão esvaziados e o que tem sido abordado é um misto de NADA com COISA NENHUMA. Ou seja, NEM uma coisa, NEM outra – viram como o nome NEM é apropriado?

    Como assim? Se o aluno escolhe a área de conhecimento que deseja se aprofundar (por exemplo, o itinerário de ciências da natureza), consequentemente algumas disciplinas deveriam ser organizadas nesse percurso (como química, física e biologia). O estudante que faz essa opção deixa gradativamente de ter aulas das disciplinas de ciências humanas. Ainda, como a implementação foi feita a toque de caixa2, após um longo período de aulas remotas, não há garantias de que, no itinerário formativo, as disciplinas de ciências da natureza (neste caso específico) estão de fato sendo trabalhadas, uma vez que não houve preparo adequado das escolas NEM tempo de preparo dos professores.

 

(In)feliz aniversário

    Bom, após um ano de sua implantação, o NEM tem sido alvo de inúmeras discussões. Como aponta Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), a reforma aumenta e produz desigualdades. Os itinerários apresentam inúmeras dificuldades, falta de recursos para o seu desenvolvimento, problemas de infraestrutura e de formação de professores para ministrar tais disciplinas, onde mais uma vez as escola públicas se tornam as mais afetadas.[3]

    No entanto, em 2022 quando se iniciava o NEM, o Secretário de Educação do Espírito Santo, Vitor de Ângelo, já especificava a possibilidade de um aumento na desigualdade entre as regiões e as redes de ensino, afirmando que isso deveria ser levado em consideração para adequação de avaliações como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).[2]

    Além disso, em 2020 esse fato já era apresentado por Renan Furtado e Vergas Silva, ambos pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA). Eles apontam que, ao fracionar os conhecimentos nos itinerários formativos, consequentemente tornaria a formação dos alunos distinta em todo país, ou seja, isso dependeria das condições socioeconômicas dos alunos e da instituição de ensino, o que poderia ressaltar ainda mais as diferenças sociais.[4]

    Assim, fica evidente que essa desigualdade não é uma grande surpresa, pois já se alertava sobre essa possibilidade muito antes do início do NEM.

    Outro fator importante a se ressaltar é que, mesmo após um ano desde o início do Novo Ensino Médio, 55% da população brasileira possui pouca ou nenhuma informação sobre o funcionamento do modelo, segundo a pesquisa desenvolvida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem e Industrial (Senai) e do Serviço Social da Indústria (Sesi). Paulo Carrano, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), aponta que isso se deve ao fato de que não houve um diálogo com a sociedade, em especial com a comunidade escolar (gestão, alunos e professores).

    Apesar de não saber muito sobre o NEM, cerca de 70% da população entrevistada concorda com a ideia apresentada na nova diretriz. No entanto, como aponta Fernando Cássio, as pessoas estão defendendo a teoria e esquecendo que, na prática, a reforma não consegue produzir as mudanças desejadas.[3],[4]

    Além disso, enquanto se discute sobre as mudanças para o Novo Ensino Médio e tudo que ele deveria oferecer, um estudo desenvolvido pelo Ipec e pela Unicef aponta que cerca de 2 milhões de crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos não estão frequentando a escola, sendo que 30% diz que isso se deve ao fato de não conseguir acompanhar o conteúdo apresentado.5 Ou seja, há outras questões bastante problemáticas que deveriam ser pensadas antes, ou pelo menos em conjunto, da reestruturação do currículo proposta pelo NEM.

 

“NEM, favor comparecer a direção”

    Após um primeiro período de tentativa de implementação, e devido à tragédia anunciada gerada, o NEM foi suspenso temporariamente e, diferente do que acontece na escola, ele não poderá retornar em 3 dias acompanhado de uma responsável durante os próximos meses. Na prática, muitas escolas mantiveram a estrutura, mas, de acordo com o MEC, o NEM está suspenso.

 

Mas o que causou essa suspensão?

    O MEC abriu uma consulta pública com prazo de 90 dias, com possibilidade de prorrogação, para avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio, onde alguns especialistas apontaram que o NEM trazia uma desestruturação, além de estar sendo prejudicial à formação dos alunos, tanto pelo distanciamento do ser crítico quanto pelas separações das disciplinas por meio dos itinerários.[6]

    Assim, no dia 09 de abril de 2023 o atual governo lançou a nota de suspensão do Novo Ensino Médio, apontando que esse processo durará apenas 60 dias após o fim da consulta pública do MEC.[7]

    O que é esperado pelos especialistas e comunidade escolar? Espera-se que especialistas, professores, alunos e entidades sejam ouvidos em um processo democrático, afinal foi identificada a necessidade de correções. Pelo menos esse é o resumo da fala do atual Ministro da Educação, Camilo Santana.8 Muitos especialistas já comentaram sobre o assunto, os números apontam para a urgência de uma discussão e possível revogação, o necessário é lembrar o papel da escola na formação do indivíduo, o quanto isso é importante para melhorias na sociedade, e assim retornar ou criar um caminho para esse processo.

    Há ainda inúmeras questões que não foram abordadas aqui, como o abandono escolar gerado pela implementação do NEM, pela ausência de formação continuada de professores, pela ausência de estruturas básicas na escola, como os vestibulares se adaptaram, que itinerários têm sido propostos e muitas outras. É tanta coisa envolvida que NEM sempre dá pra falar tudo em um único texto. Mas acompanhem nossos materiais. Iremos trazer em breve um vídeo e um podcast comentando outras questões sobre o NEM.

 

Referências

1BRASIL. Ministério da Educação. Novo Ensino Médio – perguntas e respostas. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361>

2TOKARNIA, Mariana. Novo ensino médio começa a ser implementado este ano. Agência Brasil. Fevereiro. 2022. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2022-02/novo-ensino-medio-comeca-ser-implementado-este-ano>

3CRUZ, Elaine. Educadores dizem que o novo ensino médio amplia desigualdades. Agência Brasil. Abril. 2022. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-04/educadores-dizem-que-novo-ensino-medio-amplia-desigualdades>

4FURTADO, Renan. SILVA, Vergas. A reforma em curso ensino médio brasileiro e a naturalização das desigualdades escolares e sociais. Revista e-Curriculum. vol. 18. n. 1. São Paulo. Jan/Maio. 2020. Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/scielo.php?pid=S1809-38762020000100158&script=sci_arttext&tlng=pt>

5UNICEF. Dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos não estão frequentando a escola no Brasil, alerta Unicef. Setembro. 2022. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/dois-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-de-11-a-19-anos-nao-estao-frequentando-a-escola-no-brasil>

6VERDÉLIO, Andreia. Especialistas pedem revogação do novo ensino médio. Agência Brasil. Março. 2023. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-03/especialistas-pedem-revoga%C3%A7%C3%A3o-do-novo-ensino-medio>

7BRASIL. Secretaria de Comunicação Social. Cronograma de implementação do Novo Ensino Médio é suspenso. Abril. 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/obrasilvoltou/cuidado/cronograma-de-implementacao-do-novo-ensino-medio-e-suspenso


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