Você já percebeu como algumas plantas têm folhas que parecem não se molhar, mesmo sob condições de chuva forte? Quem tem horta ou jardim deve ter notado que as folhas das plantas se comportam de forma peculiar. Mas, por que será que algumas formam gotículas quase esféricas enquanto outras se molham por completo? E por que algumas, como as folhas de lótus, permanecem praticamente secas? Qual a razão para isso ocorrer? Vamos investigar a ciência envolvida nessa propriedade e suas aplicações inovadoras.
Sarah Vitória B. Carvalho e Gildo Girotto Júnior
A maneira mais utilizada para se obter informações sobre a interação da água com uma superfície é por meio da medição do ângulo de contato de uma gota sobre ela. Se o ângulo de contato entre a gota e a superfície estiver entre 90° e 150° ela é considerada hidrofóbica. Para ângulos superiores a 150°, é tida como superhidrofóbica. [3,5,8,10]
Mas afinal, o que é superhidrofobicidade?
Para responder a essa pergunta, precisamos primeiro definir o que é uma superfície hidrofóbica: de maneira simples, pode ser entendida como a repelência de uma superfície à água, dificultando o seu molhamento. Sendo assim, a superhidrofobicidade refere-se a uma característica que indica uma forte repulsa à água. [5]
Mas o que torna uma superfície superhidrofóbica?
Geralmente, as folhas das plantas são recobertas por filmes finos de ceras hidrofóbicas. Porém, como você já deve ter observado, poucas espécies apresentam folhas com características completamente repelentes à água. Isso ocorre porque a interação da água com uma superfície depende não apenas da química superficial, mas também da rugosidade e da estrutura tridimensional da superfície. Dessa forma, as folhas que exibem comportamento superhidrofóbico são recobertas por estruturas tridimensionais de cera, como túbulos, plaquetas e bastonetes. Essas minimizam a área de contato entre a gota de água e a superfície da folha, permitindo que o ar permaneça aprisionado sob a gota e reduzindo ainda mais a interação entre a água e a superfície foliar. [5]
Você deve estar se perguntando “o que tem a ver a folha de Lótus”?
O estudo das superfícies das folhas ganhou grande relevância após o trabalho de Wilhelm Barthlott em 1997, quando o botânico alemão descreveu o que hoje é conhecido como “efeito lótus” (BARTHLOTT & NEINHUIS, 1997). Comparando as propriedades das folhas de Lótus com outras plantas super-hidrofóbicas, Barthlott e seus colegas demonstraram que, em contato com o ar, aquelas apresentam uma maior hidrofobicidade. Ainda, observaram que as folhas de Lótus não são lisas, mas sim rugosas, permitindo que a planta mantenha suas superfícies limpas e secas devido à extrema hidrofobicidade. [2,3,5,8,9 e 10]
Diante disso, as folhas de Lótus se tornaram um ícone de superhidrofobicidade e superfícies autolimpantes, originando o conceito de “Efeito Lótus”. Ainda que muitas outras plantas apresentem superfícies superhidrofóbicas com ângulos de contato quase iguais, a Lótus se destaca pela estabilidade e repelência à água. [1-4]
Temos outra planta que se destaca nesse tema!
Estamos falando da samambaia aquática Salvinia molesta. A Salvinia molesta – um dos quatro tipos de salvinia – é uma samambaia de água flutuante que desperta extremo interesse tecnológico (KOCH, 2009), tendo em vista que suas folhas, quando dentro d’água, são capazes de prender e manter uma camada estável de ar por longos períodos, a qual evita que elas fiquem úmidas e acabem afundando. Isso se deve ao fato de que suas folhas apresentam uma morfologia bem peculiar, na medida em que seus “pelos” têm forma de pequenos, ‘batedores de ovos’, os quais vêm recobertos por cristais de cera nanométricos (que os torna hidrofóbicos), sendo que a ponta superior do pelo é hidrofílica, pois não possui esta cera. Devido a isso, ela consegue fixar a água na ponta dos pelos e manter o ar retido quando submersa. Suas folhas possuem estruturas piliformes com propriedades hidrofóbicas combinadas com o fenômeno de retenção de ar. Essas características trabalham juntas para impedir que gotas de água penetrem e molhe a superfície da planta. No entanto, apesar dessa característica, a Salvinia molesta não possui propriedades autolimpantes. [8,10]
Onde é aplicada?
Nas pesquisas sobre sistemas de microfluidos, transporte de fluidos a longas distâncias e cascos de navios, o uso de superfícies hidrofóbicas para diminuir o arrasto tem ganhado destaque. Diversas superfícies superhidrofóbicas, microrugosas e nanorugosas já foram criadas, mas muitas vezes não mantinham a eficácia em condições de turbulência (BARTHLOTT, 2010). Barthlott et al., ao estudar a samambaia Salvinia molesta, encontraram uma solução para esse desafio. A superfície das folhas dessa planta é revestida por estruturas que se assemelham a pelos multimoleculares, possuindo terminais hidrofílicos (BARTHLOTT, 2010). A combinação de pontos hidrofílicos em superfícies hidrofóbicas apresenta um conceito inovador para revestimentos que retêm ar a longo prazo (BARTHLOTT, 2010). Esta tecnologia possui aplicações promissoras no setor naval, oferecendo maior eficiência energética, menor consumo de combustível e redução de emissões de gases, além de proteger contra corrosão, bioincrustação e formação de gelo. Isso diminui o atrito hidrodinâmico e os custos de manutenção dos cascos dos navios, cumprindo as normas de sustentabilidade e proteção ambiental. Assim, os benefícios dessa tecnologia para o setor naval são claros, reduzindo custos operacionais e de manutenção, além de promover a sustentabilidade ambiental. [8]
Essas informações representam apenas uma pequena parte do extenso estudo sobre o tema. Se você quer mergulhar fundo nessa pesquisa, as referências estão logo abaixo, prontas para você explorar!
Referências
1 ENSIKAT, Hans J; KURU, Petra Ditsche. Superhydrophobicity in perfection: the outstanding properties of the lotus leaf. Beilstein J. Nanotechnol. 10 de mar. de 2011 Disponível em < https://www.beilstein-journals.org/bjnano/articles/2190-4286-2-19>. Acesso em: 02 de jul. de 2024.
2 BARTHLOTT; NEINHUIS. Purity of the sacred lotus or escape from contamination in biological surfaces. Springer link. abr. de 1997 Disponível em < https://link.springer.com/article/10.1007/s004250050096 >. Acesso em: 02 de jul. de 2024.
3 FIGUEIREDO, Sandro S; PRIOLI, Rodrigo; ZAMORA, Robert R. M. Estudo da Superhidrofobicidade de Folhas da Espécie Vegetal Thalia geniculata (LINEU, 1753). Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Disponível em < https://www2.unifap.br/ppgcf/files/2015/04/7-Hydrophobicity.pdf >. Acesso em: 02 de jul. de 2024.
4 KOCH, Kerstins; BHUSHAN, Bharat; JUNG, Yong Chae; BARTHLOTT, Wilhelm. Fabrication of artificial Lotus leaves and significance of hierarchical structure for superhydrophobicity and low adhesion. Publishing. Disponível em < https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2009/sm/b818940d/unauth >. Acesso em: 02 de jul. de 2024.
6 https://plantmethods.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13007-024-01174-7
7 https://academic.oup.com/icb/article/54/6/1001/638456
8 https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159293/000950958.pdf?sequence=1
9 https://royalsocietypublishing.org/doi/full/10.1098/rsta.2009.0022
10 https://drive.google.com/file/d/1PwGi-uCb4bmJ03_1V_jLtkT9xcFAFzB6/view
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