As bactérias encontradas utilizam apenas um aminoácido como fonte de energia e possuem o menor número de genes descritos em um ser vivo.
Em meio a escuridão do mar profundo, entre 300 e 900 metros de profundidade no Golfo do México, um grupo de cientistas de universidades alemãs e estadunidenses, descobriram duas espécies novas de bactérias vivendo em uma relação íntima com corais. As bactérias em questão pertencem à classe Mollicutes, conhecida por apresentar diversos estilos de vida, principalmente enquanto parasitas de outras bactérias, plantas, fungos e humanos. Através de análises genéticas, os pesquisadores observaram diferenças notáveis entre outros molicutes e as espécies encontradas, classificando estas últimas em uma nova família, nomeada de Oceanoplasmatacea.
O curioso deste estudo, publicado em novembro na revista Nature Communications, é que as novas espécies de bactérias, nomeadas de Ca. Oceanoplasma callogorgiae e Ca. Thalassoplasma callogorgiae, possuem um genoma pequeno, com menos de 385 genes. Com esta descoberta, essas espécies desbancaram um outro molicute, o Mycoplasma genitalium, causador de infecções genitais humanas do posto da espécie com o menor genoma conhecido, que contém 480 genes. De maneira geral, os molicutes são conhecidos por apresentarem um genoma pequeno em comparação com outros grupos, como o genoma humano, por exemplo, que possui 22 mil genes e a bactéria da intoxicação alimentar, Salmonella enterica, que contém 4 mil genes. Isso lança luz sobre o papel que estes microrganismos desempenham em suas relações com corais e os mecanismos metabólicos que apresentam para obtenção de energia.
Para identificar as bactérias nos corais, os pesquisadores coletaram colônias de corais de sete locais ao longo de 4 anos: 2010, 2015, 2016 e 2017. Utilizando cortadores de corais que consistem em lâminas acopladas no braço móvel de veículos operados remotamente (ROVs), obteve-se as amostras de partes dos corais que foram submetidas a sondas que depositaram um composto que reage com moléculas específicas do material genético das bactérias emitindo fluorescência. Dessa forma, foi possível localizar os molicutes habitando a região da mesogleia dos corais, uma matriz gelatinosa composta principalmente de colágeno, importante para a defesa imunológica e para o transporte de nutrientes.
Aminoácido é sua única fonte de energia
A grande questão sobre como o metabolismo das duas novas bactérias consegue suprir a demanda de energia com um tamanho de genoma tão reduzido, permanece um mistério. Os pesquisadores observaram que as bactérias utilizam apenas o aminoácido arginina para obter energia, realmente muito pouco para um organismo se manter vivo. A arginina é um dos 20 aminoácidos que compõem a estrutura básica das proteínas, moléculas vitais para o funcionamento de grande parte dos organismos, inclusive humanos. Essas bactérias obtêm o aminoácido de um octocoral de mar profundo da espécie Callogorgia delta, que fornece a arginina como alimento e também abrigo para os micróbios. Acredita-se que, em troca, as bactérias oferecem ornitina – aminoácido formado pela quebra da arginina – e outras moléculas derivadas de proteínas.
Diferente de outras bactérias e da maioria dos organismos que obtêm energia principalmente pela via da glicólise, uma das vias mais comuns, não foi identificado nesses microrganismos esse mecanismo metabólico e nenhuma via fermentativa completa. Por outro lado, eles apresentam a via metabólica da arginina. Isso pode explicar, em grande medida, a alta redução do genoma dessas espécies recém-descobertas. Apesar da arginina ser o principal recurso energético, os pesquisadores indicam que as bactérias adquirem outros nutrientes essenciais dos corais, como riboflavina e biotina.
No entanto, ainda não está claro se esses microrganismos fornecem benefícios ou geram algum prejuízo aos corais. Os pesquisadores especulam que eles podem ser comensais ou parasitas com um impacto mínimo nos octocorais, uma vez que as colônias estavam saudáveis e quase todas pareciam estar associadas às bactérias. Mas a principal hipótese levantada é a de que as bactérias podem ser simbiontes, nesse sentido, a metabolização da arginina poderia fornecer ao coral uma via para processar moléculas nitrogenadas ou reciclar o nitrogênio, que seria útil para corais de águas profundas, pois sua dieta é pobre neste elemento. Outras hipóteses levantadas pelo estudo é que as bactérias podem conferir proteção contra infecções parasitárias ou virais, através de seu aparato genético, que inclui o sistema CRISPR- Cas.
Um oceano de espécies para conhecer
Os corais são geralmente associados a regiões tropicais e rasas do oceano, onde a pesquisa científica sobre corais e seus simbiontes foram bem documentadas. Mas, os corais se distribuem em vários locais do oceano, onde estabelecem interações com diferentes microrganismos. Para a pesquisadora principal do estudo, Iliana Baums, da Universidade de Oldenburg, na Alemanha, é incrível que os corais possam colonizar tantos ambientes diferentes, apesar de serem animais muito simples em termos do aparato genético que possuem. “Os simbiontes são cruciais para a capacidade dos corais de se adaptarem a diferentes condições ambientais pois fornecem funções metabólicas que os próprios corais não têm”, explicou Baums.
O mar profundo é a parte do oceano que ocorre abaixo de 200 metros onde o ambiente é caracterizado por ser escuro, frio, pobre em nutrientes e sujeito a pressões intensas. Apesar dessas condições inóspitas, similares a um deserto à primeira vista, uma rica e abundante diversidade de organismos estão abrigadas nele, que corresponde a 95% do oceano – o maior habitat da Terra. Apesar disso, segue sendo amplamente desconhecido sobre sua biodiversidade e muito cobiçado pela sua riqueza mineral e biológica, gerando ônus para muitas vidas, parte delas humanas e outras, que incluem uma estimativa de 10 milhões de espécies, uma diversidade tão rica quanto a Amazônia.
Para saber mais
- Coalizão para a conservação do mar profundo (Deep Sea Conservation Coalition) fundada em 2004 para garantir a proteção de ecossistemas vulneráveis de mar profundo.
- Marina Gama. ‘Curadores’ do mar profundo. Jornal da Unicamp, 2024
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