Pescador artesanal observa a redução de pescados na Resex de Cururupu (MA) devido à pesca predatória, exploração da grude e falta de fiscalização adequada

Há cerca de seis horas de São Luís (MA), na ilha de Caçacueira em Cururupu, reside Joilton Tobias Pereira, pescador artesanal, artista plástico e líder comunitário na Reserva Extrativista de Cururupu (Resex Cururupu). Desde 2020, atua na Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu, onde assumiu o protagonismo de defender as demandas das comunidades e de articular formas de melhorar a gestão da Resex junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e de outras entidades públicas e privadas. Nesta entrevista à rede Ressoa Oceano, ele conta sobre os desafios enfrentados na Resex e critica a falta de diálogo com o ICMBio, que dificulta a participação da comunidade na tomada de decisão para acelerar a conservação da reserva.
No Nordeste brasileiro uma das primeiras Reservas Extrativistas que surgem no início dos anos 2000 é a Resex de Cururupu. Criada em 2004, a Resex é considerada a terceira maior no contexto costeiro-marinho do litoral brasileiro, com cerca de 186 mil hectares de extensão. O território da Resex é utilizado por cerca de 1.229 famílias e 12 comunidades pesqueiras, distribuídas no continente e em quatro arquipélagos com 15 ilhas. A região é composta de estuários, ilhas, baías, restingas, dunas, apicuns (zonas arenosas normalmente desprovidas de vegetação, que ocorrem na transição entre manguezal e terra firme), praias arenosas, vegetação de terra firme e manguezais, sendo, esse último, o ecossistema predominante.

No contexto internacional, essa Unidade de Conservação (UC) compõem a maior faixa contínua de manguezais do mundo, são mais de 7 mil quilômetros que se estendem da região amazônica do Amapá ao Maranhão — estado que concentra a maior área ocupada de manguezal no Brasil. Os manguezais presentes na Resex ocupam uma área de cerca de 600 km2, onde as árvores do manguezal atingem mais de 30 m. A Resex Cururupu é, portanto, um território de extrema importância socioambiental, que visa a conservação da biodiversidade e a proteção das culturas e meios de vida das comunidades, garantindo o uso sustentável dos recursos naturais.
No Brasil, há mais de um milhão de pescadores profissionais ativos e licenciados, segundo o Painel de Consultas do Sistema do Registro Geral da Atividade Pesqueira. Muitos deles fornecem uma fonte nutricional importantíssima para a nossa dieta, através do pescado. Entre 45 a 70% de toda a produção anual de pescado desembarcado no Brasil é oriunda da pesca artesanal, segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura. Uma grande contribuição para o combate à fome, a geração de emprego e a segurança alimentar.

Joilton, de 52 anos, nasceu na ilha de Caçacueira na Resex de Cururupu. Morou em Belém (PA) e em São Luís (MA) até retornar à Caçacueira em 2012, quando ingressou na profissão de pescador artesanal. Através da pesca, Joilton obtém a sua principal fonte de renda, cerca de 300 kg de peixe ao mês. A maior parte do pescado é vendida, o que gera uma renda média mensal de R$800 e outra parte do que é pescado é destinado ao consumo próprio e é compartilhado com outros comunitários da Resex. A generosidade é um costume cultivado pelas comunidades pesqueiras, segundo Joilton.
O pescador artesanal também se dedica, há cinco anos, à diretoria de Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu, na função de secretário. No intuito de trazer melhorias para as comunidades e para a conservação ambiental, Joilton busca dar o exemplo e incentiva os comunitários a extraírem apenas o necessário dos recursos pesqueiros, para não ameaçar as espécies. Mas segundo o pescador, essa não é uma tarefa fácil, pois muitos extrativistas não seguem os acordos e práticas sustentáveis.
Em paralelo, Joilton dialoga com as entidades responsáveis pela gestão da Reserva para minimizar os problemas que afetam o território, que para Joilton, estão associados, principalmente, a pesca predatória e industrial, ao comércio da grude (cola fabricada a partir da bexiga natatória de peixes, órgão que regula ar e equilíbrio na natação) e a falta de fiscalização pelo ICMBio, principal responsável pela gestão da Resex.
De acordo com o ICMBio, entre 2020 e 2024, foram realizadas 19 operações de fiscalização em Cururupu, resultando em 36 autos de infração lavrados, com multas totalizando mais de R$1,5 milhão. No entanto, antes da gestão pelo Núcleo de Gestão Integrada (NGI ICMBio) de São Luís ser formalizada, entre 2016 e 2019, houve apenas uma ação de fiscalização. Além disso, a assessoria de imprensa do ICMBio apontou que as reuniões do conselho deliberativo ocorrem apenas duas vezes por ano conforme previsto no Regimento Interno. Em 2024, ocorreram em janeiro e outubro a 17ª e a 18ª reunião do conselho. A próxima reunião está prevista para acontecer em abril.
Para complementar sua renda, Joilton atua com revenda de alguns produtos (como bomba de poço), que compra pela internet ou na cidade de Cururupu, para as comunidades da Resex. Além disso, recebe renda extra atuando como artista plástico, na produção de obras de arte, esculturas e telas. Através da arte, o pescador encontrou um meio de reaproveitar os materiais descartados pelas comunidades pesqueiras, ou na coleta de resíduos nas praias, e assim transmitir uma mensagem de conscientização ambiental. Suas esculturas são produzidas a base de arame revestido de isopor, papel, massa acrílica misturada com serragem e o acabamento com tinta acrílica de acetato de polivinila.
Esse cururupuense, filho e neto de pescadores artesanais, tornou-se uma das principais lideranças comunitárias da Resex e defensor da conservação do meio ambiente e do modo de vida sustentável.
Você sempre morou em Caçacueira?
Não, já morei em Belém, acho que durante uns vinte anos, em busca de estudo e oportunidade de trabalho, porque a gente na praia tem poucas oportunidades, ficamos muito limitados à pesca. Morei também em São Luís por sete anos, nesse mesmo intuito, especialmente para trabalhar fora da pesca. Retornei para Caçacueira, em Cururupu, no ano de 2012, fazendo também companhia a um sobrinho que passou a estudar em Cururupu. Então fico nesse trânsito [entre Cururupu e a ilha de Caçacueira].
Por que decidiu retornar para a Reserva?
Muita violência na cidade e desejo de convívio com os familiares dentro de minha origem.
E, como é sua relação com Caçacueira?
Hoje eu atuo como ambientalista voluntário, em decorrência de entender melhor a importância deste meio ambiente.
Como foi para você retornar a Reserva em 2012 e ingressar na profissão de pescador artesanal?
Dificultoso, adaptação, esforço diferenciado do serviço urbano. Venci as dificuldades principalmente com persistência e também pela necessidade.
Seus pais e avós são nascidos em Caçacueira?
Meus pais e avós não nasceram em Caçacueira, mas quando ainda eram crianças vieram para Caçacueira, mas nasceram em localidades próximas.
E você sabe dizer sobre a descendência da sua família?
Minha mãe e meu avô eram negros, mas não tenho como afirmar se eles tem origem de escravos. Os meus avós paternos são de pele mais clara, mas também não sei dizer a origem deles.
Poderia contar um pouco sobre seu trabalho como artesão?
Sobre o meu trabalho de artesão, estou sempre interessado em aprender alguma coisa relacionada à arte. Seja na parte de confecção de material, no qual me dedico mais, reciclável, transformar boa parte do material que está presente no nosso dia a dia, que nós mesmos produzimos ou que chega através do mar, seja o isopor, a garrafa pet, papel. Estou sempre tentando aprimorar o meu trabalho olhando o exemplo de outros para fazer coisas relacionadas a nossa realidade, elementos que retratam o nosso contexto de pesca de mar. No meu trabalho está muito presente a questão do peixe, do pescador, da canoa, do barco e da rede. Mas também me interesso pela questão da música, para buscar formas de colocar em prática essa atividade também dentro das nossas comunidades, que precisa de várias atividades artísticas que possam ser aplicadas, como a música. Como não temos essa atividade, mas vendo o exemplo acontecendo em outras realidades, semelhante a nossa, fico nesse desejo e tento me mobilizar, discutir com outros nessa busca.



Esculturas produzidas pelo pescador Joilton, retratam os modos de vida das comunidades pesqueiras da Resex. Créditos: Joilton Pereira
Quais são as suas principais fontes de inspiração para criar arte?
A inspiração vem muito do cenário rural em que vivemos, principalmente a fauna e flora, assim como a própria vivência nesta área de pesca e manguezal.
Joilton, em relação aos recursos presentes na Resex, quais deles são mais extraídos pelas comunidades pesqueiras?
Nosso produto de sustento se resume basicamente ao peixe e camarão, os quais são utilizados para consumo e comercialização. Enquanto o caranguejo, sururu e ostra são obtidos geralmente para consumo apenas. Essa produção tem sido escoada no decorrer do tempo para São Luís e Pará.
Quais os maiores desafios que você enfrenta na Resex?
Temos os conflitos que se referem à pesca predatória praticada por alguns dos próprios moradores, assim como por várias embarcações de vários estados e outros municípios com uma capacidade industrial, e que pega boa parte do pescado e deixa as pessoas da comunidade um tanto prejudicadas, porque a produção tem caído cada vez mais no decorrer dos anos, e isso é preocupante. Tem a questão da grude também, que é muito presente cada vez mais forte. A grude tá valendo mais, então o peixe é pescado cada vez mais miúdo. E isso compromete o equilíbrio e a sustentabilidade. O ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] não tem o pessoal nem o recurso para estar mais presente discutindo com a gente [sobre] a fiscalização, não só no sentido punitivo, mas no sentido preventivo. E aí tentamos fazer as cobranças para aquilo que foi discutido, já que a Resex foi decretada para que acontecessem melhorias. Na teoria fluiu, mas na prática muito tem se deixado a considerar. Claro, que não é somente na Resex Cururupu, mas em todo o Brasil. Muitas vezes nos sentimos impotentes e invisíveis, e as comunidades que vivem nessas áreas sofrem ameaças de várias formas.
Quais são as ameaças que afetam as comunidades que vivem na Resex?
As ameaças, posso dizer que a pesca predatória [está] em primeiro lugar. Tem a questão também de criação de animais de grande porte, que também traz para nós algum prejuízo e incômodo para os próprios comunitários. Voltando a essa pesca predatória, é praticada pelos próprios moradores que não têm consciência da consequência disso para os próprios, assim como as outras embarcações de outras localidade que chegam e praticam a pesca de qualquer forma, não se adequando àquilo do que tem constado no regimento interno. Embarcações de grande porte que vêm de outros municípios e que praticam outros tipos de pesca comprometem o sustento das nossas comunidades. Espécies de peixes tem sumido e outras têm diminuído sensivelmente, e isso é preocupante. A gente está sempre tentando discutir, conversar com as autoridades, as alternativas que podem ser adotadas para minimizar esse problema. A questão da própria subida do mar, cada vez mais as nossas ilhas estão sofrendo com a erosão.

A pesca predatória é o maior problema que enfrentam na Resex?
A pesca predatória tem esse legado negativo que vai dizimando o que é de sustento dessas comunidades que vivem da pesca artesanal. A gente vê, cada vez mais, a redução de diversos peixes. A corvina-gó que era um peixe muito presente, já não é tanto, o peixe-serra quase não é mais capturado, principalmente no inverno enchia a embarcação. Hoje, peixe grande é pescado em mar aberto nas pescas industriais. Outro peixe com redução é o peixe-pedra, que era um peixe bem presente, mas está bem escasso.
Nós, como lideranças, procuramos desenvolver essa fala na comunidade, com o pescador e com as famílias. Mas não é fácil. A gente passa por um certo descrédito, porque as pessoas não acreditam, se iludindo que [o pescado] é um bem que nunca vai faltar. E eles vão ali porque, se eles não pescam ou reduzem o período de pesca, outro vai e captura, ou de outra comunidade próxima. E não tendo a fiscalização adequada, as pessoas aproveitam a brecha para pescar, e esse pescado não é para a sobrevivência, mas para obter mais dinheiro. Quando há fiscalização é muito pouca. O ICMBio diz que não tem recursos, o governo não disponibiliza, e nós entendemos que o ICMBio também é omisso, não cumpre, não se empenha como deveria, por mais que tenha dificuldade, para desenvolver conversas, estratégias para disseminar conhecimento entre os próprios moradores, não apenas a condição repressiva, mas preventiva. As reuniões de conselho são uma precariedade para acontecer, e acontecem por muita insistência, enviando ofício, chamando outras autoridades para cobrar do ICMBio, para discutir as demandas das comunidades. E, assim, vamos trabalhando com as nossas limitações enquanto lideranças de comunidades tradicionais, dentro de nossas ilhas e praias.
Que medidas poderiam ser adotadas para melhorar a gestão e a relação das comunidades com o ICMBio?
Para começar, as medidas com o ICMBio estão precárias. Estamos há algum tempo em um embate, tendo o ICMBio como nosso principal inimigo, infelizmente, quando deveria ser nosso principal amigo. Porque muitas vezes, o ICMBio não reconhece a voz das comunidades na prática. Na teoria sempre faz discurso, quase chega a chorar, mas na prática desconhece e ignora, toma as decisões de modo unitário. Não discute com as comunidades e Associação e atropela. E a gente tem visto a gestão cada vez mais ensimesmada, buscando prestigiar a própria imagem e isso dificulta. Então, temos propostas, projetos e necessidades dentro das comunidades que precisam ser trabalhadas e que normalmente o ICMBio se mantém distanciado, enfraquecendo as discussões. O próprio Conselho Deliberativo, que nós, enquanto Associação, temos nos empenhado muito para que seja reativado, foi uma luta muito demorada e árdua e o ICMBio colocando dificuldade para, justamente, ficar sozinho na gestão. Então, essas são algumas medidas iniciais que precisamos para ao menos minimizar diversos problemas dentro das comunidades.

Que tipos de pescados são mais afetadas por causa da grude?
O comércio da grude só tem se fortalecido. Aumentado o número de compradores, eles vendem geralmente o peixe já sem a grude, comercializam em separado. A pescada amarela vai nesse pacote e vem sofrendo uma redução do tamanho. O gurijuba já desapareceu do nosso território e era um peixe, um bagre grande, amarelado, uma carne valorizada, não tanto quanto a pescada amarela, mas a grude é muito valorizada. A corvina, também é uma pescada bem graúda, também sofreu redução. A corvina-gó também é explorada a grude, não tanto quanto a gurijuba.
Quais as maiores conquistas que você observa na comunidade?
Como maiores conquistas, a gente pode citar aqui o reconhecimento da autonomia, da associação dispondo do documento CCDRU [Contrato de Concessão de Direito Real de Uso] que dá direito ao uso deste território para articular com entidades na condição de detentora desta autonomia aqui, que nos é delegada. Às vezes temos algum conflito com o próprio ICMBio que não quer reconhecer, mas é uma conquista. A outra foi a questão do Bolsa Verde [Programa de Apoio à Conservação Ambiental], que é uma retomada e que a gente, enquanto Associação, tem batido nessa tecla, estamos cobrando sempre, então é uma conquista.
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