Por Laura Cristina
No fundo dos oceanos, milhões de navios naufragados repousam em silêncio, de transatlânticos famosos como o Titanic a incontáveis cargueiros e navios de guerra. Longe de serem apenas relíquias históricas ou meros pontos de interesse para mergulhadores, esses gigantes adormecidos representam uma ameaça ambiental crescente, funcionando como verdadeiras bombas ecológicas.
Mesmo um naufrágio famoso como do Titanic, que repousa no Atlântico Norte desde 1912, embora não seja uma grande ameaça de vazamento de óleo no padrão dos navios modernos, sua estrutura de aço está se desintegrando. Essa corrosão libera ferro na água, alterando a química local e permitindo o crescimento de bactérias específicas que absorvem o metal.

Manchete anunciando naufrágio do Titanic após colisão com iceberg, em 1912. Fonte: Arquivo The New York Times.
O estudo do Titanic ajuda os cientistas a entenderem como os materiais se comportam em águas profundas ao longo de um século, fornecendo dados cruciais para prever o que acontecerá com outros naufrágios mais recentes e, potencialmente, mais poluidores. A tragédia levou à criação da Patrulha Internacional do Gelo, que monitora icebergs no Atlântico Norte e a busca pelos destroços e o estudo do naufrágio também impulsionaram avanços na tecnologia de sonar e na oceanografia, além dos protótipos e estudos recentes sobre o satélite SWOT, permitindo um mapeamento mais preciso do fundo do oceano, com dados visuais e sonoros em alta resolução. Além disso, pesquisadores da Universidade de Dalhousie (Canadá) e da Universidade de Sevilha (Espanha) descobriram uma nova bactéria capaz de consumir óxidos de ferro, a qual foi chamada de Halomonas titanicae.
A preocupação é o conteúdo desses naufrágios, como os navios da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, que afundaram carregados com milhões de litros de combustível e óleos pesados. Um vazamento desses pode cobrir vastas extensões de água, sufocando peixes e aves marinhas, contaminando praias e destruindo habitats delicados como os recifes de coral e mangues. De acordo com o estudo realizado pela microbiologista belga Josefien Van Landuyt em 2022, há aproximadamente 20 milhões de toneladas de produtos petrolíferos nos oceanos do mundo como consequência dos naufrágios das Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
Não apenas o combustível, mas a própria estrutura dos navios, as tintas usadas (muitas delas com compostos tóxicos) e as cargas que transportavam são fontes de poluição. Metais pesados como mercúrio, arsênio, cobre e cádmio se desprendem lentamente, contaminando a água e os sedimentos do fundo do mar. Esses metais não desaparecem; eles se acumulam na cadeia alimentar marinha, ou seja, são absorvidos por pequenos organismos que servem de alimento para peixes maiores. No topo dessa cadeia estão os seres humanos. Além disso, muitos navios militares afundaram com munições, explosivos e até armas químicas. Com a corrosão natural ao longo das décadas, há um risco real de que esses materiais perigosos sejam liberados, com consequências ainda desconhecidas e devastadoras para o ambiente marinho.
Análises feitas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) avaliam mais de 8.500, entre 3 milhões de naufrágios, como altamente poluentes, visto a liberação de mais de 20 bilhões de poluentes, em sua maioria óleos de combustíveis pesados.
Felizmente, nem todo naufrágio é uma má notícia para o oceano. Em muitos casos, especialmente em áreas onde o fundo do mar é plano e arenoso, a estrutura de um navio afundado intencional e não intencionalmente pode se transformar em um recife artificial. Ele oferece um novo habitat, com fendas e esconderijos que atraem diversidade de vida marinha. Peixes encontram abrigo, corais e esponjas se fixam nas superfícies metálicas e formam colônias coloridas, e toda uma comunidade biológica floresce ao redor.
Monitoramento e soluções
O desafio global para fiscalizar e solucionar os naufrágios é imenso. Com a quantidade estimada de milhões de naufrágios no fundo dos oceanos, muitos deles ainda não mapeados, o tempo está correndo. O biólogo marinho Maurício Carvalho, estimou cerca de quase 3 mil naufrágios no Brasil. A corrosão natural, acelerada pelo aquecimento das águas, aumenta o risco de novos vazamentos. Remover esses destroços é uma tarefa extremamente cara, complexa e, muitas vezes, inviável, além de envolver questões legais e culturais intrínsecas.

Destroços do Titanic nas profundezas do Atlântico, tomado por microrganismos. Crédito: NOAA/Science Photo Library
Para enfrentar essa ameaça, a tecnologia se torna uma aliada essencial. Sondas e sonares são usados para mapear o fundo do mar e localizar novos naufrágios. Robôs submarinos, equipados com câmeras de alta resolução e sensores, inspecionam os destroços de perto, procuram por sinais de corrosão e vazamentos visíveis, e coletam amostras de água e sedimentos para análise química.
Sensores de qualidade da água são implantados para detectar a presença de óleo ou metais pesados em tempo real, alertando as autoridades sobre qualquer anormalidade. Na superfície, satélites e drones com tecnologia de radar avançada podem identificar manchas de óleo, mesmo em vasta extensão, enquanto modelos computacionais preveem a trajetória e o impacto de um possível vazamento.
A combinação dessas tecnologias permite um monitoramento mais eficaz e uma resposta mais rápida a possíveis desastres. É crucial que a comunidade científica, governos e organizações trabalhem juntos para mapear esses fantasmas submersos, desenvolver novas estratégias de mitigação e garantir que o legado do passado não comprometa o futuro dos oceanos. Afinal, a saúde dos mares está diretamente ligada à saúde do planeta e à sobrevivência de todo tipo de vida.
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Historical shipwrecks in international waters contribute to coastal pollution. Brief Communication, Ocean Coast. Res. 72, 2024.
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