“Amamos o que nos surpreende e protegemos o que amamos”, a frase atribuída ao documentarista e inventor do equipamento de mergulho autônomo, Jacques Cousteau (1910-1997), inspira esforços de aproximar a sociedade do oceano. A nova pesquisa de percepção de brasileiros sobre o oceano indica que ainda faltam esforços para que a disposição em mudar comportamentos em defesa do oceano se transforme em ações efetivas.

Divulgada nesta terça (10), a pesquisa “Oceano sem mistérios” realizou 2 mil entrevistas com pessoas de todas as regiões do país, e mostra que 87,6% estão dispostos a adotar hábitos mais sustentáveis, apesar de apenas 7% terem se envolvido em ações de preservação no último ano. Quando comparada à primeira pesquisa, de 2022, houve melhora de 5,4 pontos percentuais na disposição.

“Essa grande lacuna entre a vontade e a ação é onde temos que trabalhar forte por meio do engajamento. O que vimos é que quanto maior a escolaridade, maiores as chances de se ter atitudes pelo oceano”, enfatizou Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário e uma das autoras do estudo.

Os resultados da pesquisa Oceano sem mistérios foram apresentados por Janaína Bumbeer durante a 3a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3), em Nice (França). Créditos: Divulgação

A nova pesquisa inclui perguntas sobre a conexão emocional das pessoas com o mar e sobre a conexão do oceano com as mudanças climáticas. A maioria dos entrevistados (80%) informa que têm emoções positivas em relação ao mar, como sentir calma, curiosidade ou animação, enquanto que 8% sentem medo. Mas apenas 14% identificam o impacto do oceano nas mudanças climáticas. Essa fraca percepção também se reflete nos esforços internacionais recentes em fortalecer a presença do oceano nas negociações da Conferência do Clima (COP) com a criação do Pavilhão do Oceano, em 2022, e que estará presente na próxima COP-30, no Brasil. 

Apesar da maioria das pessoas entrevistadas já ter ouvido falar sobre diferentes ecossistemas costeiros, boa parte nunca visitou falésias (78%), recifes de corais (77%), dunas e manguezais (61%), sendo que as restingas são as mais desconhecidas (60%) e menos visitadas (80%). Os resultados também mostram que o Nordeste e o Sul são as regiões mais familiarizadas com o oceano, enquanto que o Norte é a menos. Esses resultados indicam ser necessário um esforço de divulgação e educação oceânica para dar visibilidade a esses biomas. 

Nesta pesquisa, as pessoas entrevistadas afirmaram buscar menos informações sobre o oceano (27%) do que em 2022 (33%).

Outro desafio que a pesquisa aponta é que somente 30% das pessoas entrevistadas afirmaram impactar diretamente o oceano, enquanto 44% acreditam não impactar. Esses dados sugerem que será preciso atuar para transformar a conscientização da população, principalmente daqueles distantes do oceano. Como os debates do Congresso das Nações Unidas sobre o Oceano têm mostrado, a humanidade depende do oceano para viver e sua vida, onde quer que esteja, impacta profundamente o oceano.

A partir dos resultados, Janaína acredita que é preciso investir em chamadas para ações pelo oceano em diferentes formatos e acessível a diferentes públicos. “ Vimos que a  geração Z, por exemplo, é mais disposta a mudar os hábitos do que as demais gerações,e também de acordo com as diferentes regiões do país – um ação voltada para pessoas que vivem na região Norte deve ser diferente para as que vivem na região Sul, isso deve ser considerado”, conclui Janaína.

A pesquisa mostra que há  um reconhecimento sobre a importância do oceano, fato que fica claro quando 9 dentre 10 brasileiros concordam que o oceano precisa entrar no currículo escolar, um apoio importante que vai ao encontro da aprovação, em abril, do chamado Currículo Azul na educação básica do país. 

O Brasil está à frente no quesito pesquisas sobre a percepção do público sobre o oceano. O Canadá realizou uma em 2019, a Canada Ocean Literacy Survey, com 1359 pessoas de todo o país. A maioria dos respondentes (52%) declarou que suas atividades impactam diretamente o oceano e 77% se mostraram dispostos a mudar hábitos pela preservação do oceano, dados inferiores aos da pesquisa brasileira, quase 10% maior. A maioria dos canadenses indicou conhecer o oceano através da mídia, de visitas ao oceano, da educação e da ida a museus e aquários. Enquanto a poluição foi a maior preocupação de 44,1% das pessoas entrevistadas, as mudanças climáticas apenas preocuparam uma minoria (9,5%). 

Já a pesquisa do Reino Unido, que somou mais de 8 mil participantes em 2021, mostrou alguns diferenciais interessantes, como o fato de 93% das pessoas consultadas reconhecerem a forte relação do oceano com as mudanças climáticas, enquanto para 73% a maior ameaça a esse ecossistema era também a poluição e os plásticos. Diferentemente dos resultados atuais no Brasil, a pesquisa mostrou que a principal emoção associada ao oceano era de preocupação. E dentre os principais meios para se informar sobre o oceano apareceram a TV e o rádio em primeiro, filmes e documentários em segundo, e a mídia, em terceiro lugar.

As três pesquisas incluem questões em comum e outras distintas, que contribuem para aperfeiçoamentos, como ocorreu na segunda edição brasileira. “Precisamos de mais investimentos para medir como estamos interagindo com a sociedade”, disse Jen McRuer, gerente de pesquisas da Coalisão de Letramento Oceânico do Canadá, organização responsável pela pesquisa. Segundo ela, o desafio 10 da Década do Oceano – Restaurar a relação da humanidade com o oceano – é o que menos recebe investimentos, apesar de sua relevância. 

O lançamento da pesquisa brasileira ocorreu durante a 3a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3), em Nice (França), e pode ser consultada na íntegra. A segunda edição da pesquisa foi vista como um importante investimento do país no monitoramento da relação da sociedade com o oceano. Que as edições futuras indiquem maior conscientização e engajamento social. Se depender da entrada do currículo azul no ensino básico e na visibilidade e relevância que o oceano tem ganhado, teremos bons ventos adiante.


A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza coordena a pesquisa, em cooperação com a UNESCO, Maré de Ciência e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e passa a monitorar as mudanças necessárias para mudar a relação da sociedade com o oceano, um dos desafios da Década do Oceano, que segue até 2030.

O Blog Um Oceano tem parceria com a Rede Ressoa Oceano


Germana Barata

Jornalista de ciência, mestre e doutora em história social. É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp e editora dos blogs Ciência em Revista e Um Oceano.

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