Entender as convenções da linguagem visual é uma competência essencial para quem divulga ciência e quer informar e engajar seu público nas redes sociais.

Antes de mais nada

Antes de mais nada, é importante ressaltar que a educação e divulgação científicas são atividades essenciais, porém pouco valorizadas, nos espaços de construção do conhecimento – especialmente nas universidades e programas de pós-graduação.

Seria estratégico que a comunidade dedicasse recursos e pessoas para promover uma cultura científica que vá além dos muros institucionais e alcance um público mais amplo, evitando que o conhecimento fique restrito a periódicos científicos em língua estrangeira, acessíveis apenas aos especialistas.

Pesquisadores, estudantes e demais profissionais precisam ser devidamente capacitadas para fazer divulgação científica de forma eficaz. Estar capacitadas, neste contexto, inclui compreender as diferentes linguagens e tecnologias necessárias para interagir e engajar pessoas nos ambientes não formais.

Divulgação científica pra quê?

Um dos principais objetivos da divulgação científica é promover o letramento científico. Segundo Amanda Marques e Marandino, o letramento científico busca formar cidadãos, não preparar futuros especialistas. Pessoas capazes de participar do debate público, tomar decisões informadas e simplesmente usufruir desta enorme herança histórica, social e cultural, que é o conhecimento científico.

Para tanto, é necessário que os interessados possam ir além do ensino conceitual, e que as/os divulgadores compreendam que a alfabetização/letramento científico é um processo contínuo e permanente que precisa estar disponível para além das instituições escolares.

A educação não formal, presente em espaços como museus, zoológicos, centros culturais e afins, desempenha um papel importante no letramento científico, complementando a educação escolar.

Vale lembrar, é claro, que agora como nunca, as redes sociais têm um papel central na comunicação e no debate público, e que o conteúdo no formato audiovisual é predominante nessas plataformas. Há também todo um imaginário coletivo induzido por discursos sobre ciência promovidos pela mídia e diversos setores do entretenimento.

A linguagem não é território exclusivo da palavra

Na formalidade do ambiente acadêmico, nossa comunicação tende a se tornar cada vez mais complexa e rebuscada. Nos dedicamos a cultivar a linguagem verbal, seguindo a tendência histórica de considerá-la a expressão “natural” da racionalidade e erudição.

No entanto, basta sair deste meio para perceber que somos bombardeados com informações apresentadas de maneiras mais persuasivas e invasivas. É necessário mais do que bons argumentos e referências bem selecionadas para captar a atenção do público em geral para as contribuições de cientistas e pesquisadores.

E é aqui que, ao meu ver, muitas pessoas que começam a divulgar ciências tropeçam: elas subestimam (ou simplesmente desconhecem) a importância das linguagens não-verbais.

Para pesquisadores da área de comunicação e estudos culturais em educação, não é novidade nenhuma constatar que a linguagem visual, por exemplo, tem uma enorme importância na cultura de massa, na educação e na comunicação sobre ciências.

Como chegamos aqui?

Um ensaio de Lucia Santaella* fornece uma perspectiva interessante. Segundo Santaella, podemos categorizar as culturas humanas em seis grandes eras civilizatórias, cada uma com seus próprios processos comunicativos. A primeira é a era da comunicação oral, em que a fala desempenha um papel fundamental. Em seguida, temos a era da comunicação escrita manual. Na sequência, há um avanço significativo com a invenção da prensa mecânica, permitindo a reprodução da escrita em cópias a partir de uma matriz. Posteriormente, surgiram a era da comunicação de massa, com o rádio e a televisão como principais meios intersemióticos. E, finalmente, chegamos à era da comunicação digital.

* professora titular da PUC-SP com doutoramento em Teoria Literária na PUC-SP, e livre-docência em Ciências da Comunicação na ECA/USP

As seis categorias analíticas, conforme Santaella, 2005: a da comunicação oral, escrita, impressa, de massa, digital e hipermídia, uma era pós-imagem (embora sequenciais, o surgimento de uma não leva a anterior ao desaparecimento)

A era da comunicação digital, em particular, tem moldado nossa sociedade de maneiras profundas. Além disso, a ascensão das redes sociais e o consumo crescente de conteúdo audiovisual são características marcantes dessa era. Nesse contexto, a habilidade de criar e compartilhar imagens tornou-se essencial, tanto para grandes corporações e instituições, quanto para meros mortais, como nós. Gradualmente, estamos vendo a esta habilidade se tornar quase um pré-requisito para a integração do indivíduo na cultura e na sociedade.

✨ Este assunto é super complexo, mas vamos falar mais sobre ele em futuras postagens!

Mas afinal, que outras linguagens são essas?

“O ser humano é uma espécie simbólica, que transforma em representações tudo o que está ao alcance dos sentidos”

Susana N Sato (2017), apud Deacon, 1998 e Cairo, 2013

Para além das linguagens verbais oral e escrita, que vêm prontamente à mente, é importante reconhecer a variedade de formas de comunicação que desempenham um papel fundamental em nossa sociedade. Dentre essas formas, destacam-se as linguagens visual, verbal ou mista. As linguagens não-verbais organizam sinais, formas, luzes, gestos, cheiros, cores, olhares, sensações e expressões para expressar mensagens e conceitos historicamente constituídos. As linguagens são condicionadas pela cultura e ambiente em que foram produzidas, não sendo universais e muito menos de codificação espontânea.

A linguagem visual, especificamente, emprega elementos visuais para transmitir informações e significados. Esses elementos visuais são o ponto, linha, plano, volume, cor, luz, formas e texturas. Não por acaso, eles constituem-se nos elementos básicos do design gráfico. Conforme Ronan Couto, professor de História da Arte e Teoria da Arte na UEMG, definiu em sua dissertação: “a linguagem visual é um fenômeno de cultura que se estrutura como imagem, e se constitui como prática de produção de sentido”. Por fim, a linguagem visual é amplamente utilizada nos principais meios de comunicação e entrenimento, com destaque para a publicidade, arte – além de, é claro, na comunicação científica, por meio de ilustrações, infográficos e gráficos.

Cacofonia

Por outro lado, cada linguagem carrega e transmite suas próprias mensagens distintas. Nos ambientes das plataformas sociais, onde diversas mídias e linguagens se mesclam, uma legenda e uma trilha sonora têm o poder de reforçar a mensagem transmitida por uma imagem em um vídeo, criando um conjunto coeso de elementos comunicativos interligados. É importante destacar que as convenções e códigos da linguagem visual são complexos e quase nunca são subjetivos.

Por exemplo, na comunicação visual, podemos enfatizar informações através de vários recursos, indo além de simplesmente colorir um texto em vermelho-vivo. A composição gráfica estabelece uma hierarquia de informações, utilizando tamanhos, proporções, contrastes e legibilidade para destacar determinado tópico ou informação. Caso eu posicione mal um destes elementos na figura, a mensagem se torna praticamente invisível para o leitor.

Em ensaio, Jean Trumbo enfatiza que:

Toda representação da ciência requer que sejam tomadas decisões sobre cores, escala, textura, ponto de vista, etc. Estas considerações, aparentemente simples, (…) contribuem enormemente para o que o público compreende”

Essay: Seeing Science: Research Opportunities in the Visual Communication of Science (Trumbo, 2000)

Pessoas que atuam na divulgação podem se tornar comunicadores muito melhores se tiverem acesso à formações sobre teoria e prática das linguagens visuais e mistas. O domínio de algumas convenções da comunicação visual pode levar os projetos a cativar outros públicos e se comunicar com muito mais clareza – beneficiando a sociedade como um todo, ao estimular a troca de informações e democratizar o acesso ao conhecimento.

Resumindo

Criar e editar imagens próprias é uma competência essencial para quem divulga ciência e quer informar e engajar seu público nas redes sociais. Isso porque nessas plataformas, a informação verbal é apenas um fragmento da mensagem. A linguagem verbal não dá conta, sozinha, de cativar as pessoas para conteúdos que tenham credibilidade e uma boa curadoria.

Referências e outras leituras:

  • Marques, A. C. T. L., & Marandino, M.. (2018). Alfabetização científica, criança e espaços de educação não formal: diálogos possíveis. Educação E Pesquisa, 44.
  • Santaella, Lucia (2005). Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus.
  • Pires, E. G.. (2010). A experiência audiovisual nos espaços educativos: possíveis interseções entre educação e comunicação. Educação E Pesquisa, 36(1), 281–295.
  • Sato, S. N. (2017). A infografia na divulgação científica: um estudo de caso da revista Pesquisa Fapesp. Dissertação de Mestrado, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. doi:10.11606/D.27.2017.tde-07112017-155938. Recuperado em 2023-05-23, de www.teses.usp.br
  •  Couto, R.C. (2000). A escolarização da linguagem visual: uma leitura dos documentos ao professor. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais.
Sobre a imagem destacada/vídeo: Montagem a partir de imagem criada pela IA do Bing, no navegador Edge. O comando foi "linguagem visual e comunicação científica". O vídeo do fundo, com letras voando aleatoriamente, foi selecionado no acervo do Canva.

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