A necessidade da proficiência pedagógica dos docentes e a importância das habilidades sociais no ensino

Publicado por Thamires Gouveia em

O artigo foi publicado em 2018, na revista Acta Scientiarum pelos autores Joene Vieira-Santos, Almir Del Prette e Zilda Aparecida Pereira Del Prette. O texto trata de uma revisão sistemática sobre as habilidades sociais na docência universitária, na modalidade presencial. Os autores formularam seis questões guia para a busca, a fim de obter um panorama da área: Quais são os tipos de estudo mais publicados? Em quais áreas de conhecimento e cursos específicos existem investigações sobre tais habilidades? Quais habilidades sociais têm sido estudadas? Como têm sido avaliadas (as fontes de dados e instrumentos)? São empregados instrumentos com evidências de validade? Que conhecimentos foram produzidos com relação às habilidades sociais relevantes para o professor universitário?

O trabalho apresenta em sua introdução aspectos do papel da universidade e sua responsabilidade social, assim como as mudanças advindas do avanço de ideologias neoliberais que afetaram diretamente a atuação docente. Esta seção ainda traz as funções do docente, como, (1) ter competência científica, isto é, ter domínio de sua área de conhecimento; (2) apresentar proficiência pedagógica, ou seja, o professor deve conhecer o processo de ensino e aprendizagem, relacionar sua disciplina com o currículo, compreender a relação professor-aluno e aluno-aluno e por fim saber avaliar o efeito das estratégias de ensino adotadas. Os autores dão ênfase e destaque para a segunda função, colocando-a como necessária para a prática docente. 

O texto enfatiza que novas formas de atuação estão sendo exigidas, em que o processo de ensino-aprendizagem passa a ser centrado no aluno e o professor assume agora a posição de orientador da aprendizagem e não mais somente de transmissor de conhecimento. Outras habilidades podem contribuir nesse processo, como a de estabelecer relação com os alunos. A importância dessa relação foi destacada nesta seção, como tendo impacto nos estudantes quanto à integração acadêmica, satisfação com vida universitária, interesse e participação em sala de aula, qualidade de vida, qualidade do processo de ensino-aprendizagem e evasão. Porém, para se estabelecer uma relação interpessoal adequada e que tenha tais efeitos na vida do aluno, faz-se necessário que o docente apresente um repertório bem elaborado de habilidades sociais. Nesse momento do texto, os autores trazem conceituações do campo teórico-prático das habilidades sociais, área que tem avançado de forma intensa nos últimos anos, no Brasil e em outros países do mundo.  São eles: desempenho social, habilidades sociais e competência social, segundo os autores Del Prette e Del Prette (2017). O primeiro refere-se a qualquer comportamento que ocorra em uma situação social, abrangendo aqueles que contribuem ou não para a competência social. Os que não contribuem podem interferir negativamente a qualidades das relações, como agressivos e passivos. O segundo conceito, refere-se justamente a esses comportamentos que contribuem para a competência, que são as habilidades sociais, compreendidas como classes de comportamento com alta probabilidade de gerar consequências positivas para o indivíduo e grupo. E por fim, a competência social que avalia o desempenho. Importante enfatizar que um desempenho competente socialmente pressupõe valores de convivência, como cidadania, cooperação, solidariedade, responsabilidade social e reciprocidade, essenciais para a prática docente, pois na interação com o aluno, o professor pode servir de modelo de valores essenciais para o exercício profissional.

A revisão sistemática da literatura foi realizada em três grupos de bases de dados, sendo elas: latino-americanas (Scielo Brasil, Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC), LILACS e Index Psi); especifica (Corpus PHS) e americana (PsycArticles). No primeiro e terceiro grupo, foram utilizados três conjuntos de termos: habilidades sociais, professor e local de atuação (p. ex: ensino superior, universidade). E para o segundo, descritores específicos da área. Além disso, dois critérios de inclusão foram utilizados: pesquisas empíricas sobre o desempenho docente e com foco nas habilidades sociais ou em componentes não-verbais e paralinguísticos do professor ou na sua relação com o aluno. A análise foi feita inicialmente pela leitura do título e em seguida por meio do resumo. Se mesmo assim restassem dúvidas, a leitura do texto completo foi realizada. Foram selecionados 23 artigos publicados até 2015. 

Quanto aos resultados, os autores apresentam que 66,7% dos artigos encontrados foram publicados nos últimos 15 anos, o que mostra preocupação recente com as habilidades sociais dos docentes. Com relação ao tipo de artigo, 56,6% são descritivos, o que evidencia que a área está em fase de identificação e caracterização. A necessidade de maior investimento nessa área também é revelada ao se observar que apenas um artigo refere-se ao campo teórico-prático das habilidades sociais como fundamentação. 

Com relação aos cursos abordados, 26,1% foram nas ciências biológicas e 30,4% não especificaram tal informação. Segundo a análise dos autores, esse dado pode evidenciar uma preocupação e atenção atual com relação a formação mais humanizada desses profissionais. Três informantes foram identificados nos trabalhos: alunos, professores e pesquisadores. A maioria (47,9%) dos artigos teve os estudantes como fonte de informação, o que evidencia aspectos sobre as mudanças nos papeis de docente e discente, em que o aluno se torna ativo no processo. Os autores ao analisarem tais trabalhos pontuam que o aluno é capaz de avaliar de forma adequada o desempenho social dos docentes e que tais avaliações podem até mesmo ser utilizadas no processo de feedback para o docente. Uma parcela de 26,1% dos artigos teve somente docentes como informantes, avaliando seu próprio desempenho ou de um docente idealizado. Os estudos em que os pesquisadores foram informantes, representou 8,6%. Houve dois trabalhos em que discentes e docentes foram os informantes e apenas um em que todos foram informantes (aluno, docente e pesquisador).

Finalmente, com relação ao tipo de instrumento utilizado, 47,9% possuíam evidências de validade, sendo que 65,2% dos trabalhos avaliou vários aspectos do desempenho docente e entre eles as habilidades sociais. Destas, três tiveram maior destaque: comunicação (aspectos de comportamentos não-verbais e paralinguísticos, verbais, ambos ou sem especificação), trabalho (falar em público e comportamentos das habilidades sociais educativas – voltadas para desenvolvimento e aprendizagem do outro) e, por fim, a expressão de sentimentos positivos (relação amistosa e/ou solidária). Os autores analisam que as duas primeiras parecem estar mais relacionadas com a postura tradicional, de transmissor, porém a terceira está mais ligada ao papel atual, em que o docente é um mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento. Os autores citam trabalhos que colocam que características como, respeito mútuo, amizade, bom humor, carisma e demostrar interesse, facilitam a interação professor-aluno, e com isso demonstram como o suporte social pode ser fundamental nessa relação.  Os resultados evidenciam um processo de mudança de requisitos essenciais para o docente, em particular as habilidades sociais para atuação no ensino superior. Como limitação os autores apontam para o uso restrito de artigos publicados, excluindo, portanto, teses e dissertações sobre o tema. 

Esse texto nos alerta para um assunto fundamental para a prática docente. Tanto os trabalhos apresentados, como os resultados obtidos pela pesquisa mostram que essa área de estudo sobre a relação professor-aluno é essencial. A importância das habilidades sociais do professor fica explicitada na compreensão de seus efeitos nesta relação, pois docentes com repertório de habilidades sociais elaborado podem favorecer o desenvolvimento de valores e competências fundamentais para o aluno no seu engajamento na vida universitária, no mundo de trabalho e mais, podem ter um impacto na vida pessoal desse estudante, fazer a diferença. Afinal, quando falamos em habilidades sociais, estamos abordando aspectos verbais, não-verbais e paralinguísticos presentes na relação. 

Em outra publicação (VIEIRA-SANTOS; HENKLAIN, 2017), os autores citam o estudo de Polick et al. (2010) que realizaram entrevistas com 173 alunos. Foi perguntado quais as características dos professores que os marcaram no seu percurso na universidade. Os aspectos que mais apareceram foram: a paixão do professor pelo assunto que desenvolve nas aulas e o estabelecimento de uma relação com os alunos que facilite a transformação pessoal significativa na vida deles. As habilidades sociais estão presentes nos dois, no primeiro pois será por meio dos gestos, postura, expressões que o aluno sentirá essa paixão e no segundo, pois por meio da empatia, assertividade, comunicação que o aluno será transformado.    

Em resumo, o artigo instiga para se repensar a prática do docente universitário, pois enfatiza a necessidade da proficiência pedagógica dos docentes e principalmente, ressalta a importância das habilidades sociais no ensino. Essas habilidades podem influenciar tanto a prática de lecionar, como o efeito nos alunos, não só de forma acadêmica, mas também pessoal, como cidadãos. Ter habilidades como as de comunicação desenvolvidas é um fator essencial, porém a expressão de sentimentos é um diferencial, é algo que pode conectar mais o aluno ao conteúdo, dar-lhe mais espaço para se expressar e também criar um canal de suporte social imprescindível para o processo de ensino-aprendizagem. Uma forma de desenvolver e aprimorar as habilidades sociais docentes, segundo estudos, seria por meio de programas de desenvolvimento profissional que podem melhorar aspectos das habilidades sociais do docente.

Fonte: https://www.researchgate.net/publication/326502447_Habilidades_sociais_de_docentes_universitarios_uma_revisao_sistematica_da_literatura


Thamires Gouveia

Formada pelo Centro Universitário Padre Anchieta no Curso Superior de Bacharelado em Psicologia. Atualmente, está vinculada ao Programa de Mestrado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em Educação, na linha de pesquisa Psicologia e Educação Superior, com o trabalho intitulado "Programa de desenvolvimento de habilidades sociais no contexto universitário" . É bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Em 2014, finalizou a Iniciação Cientifica, intitulada "Efeitos da Previsibilidade sobre Estímulos Incontroláveis nas Fases do Estro em Ratas", financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), onde recebeu menção honrosa do Centro Universitário Padre Anchieta pelo trabalho realizado. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Habilidades Sociais, Transtorno do Espectro Autista e Educação Superior.

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