Nada como um dia após o outro…

Após alguns meses outros leitores parecerem ter entendido melhor nossa mensagem. É muito bom quando essa leitora tem o qualidade da colunista Miriam Leitão.

Vejam só:

 

Míriam Leitão – Terceira margem

PANORAMA ECONÔMICO

O Globo 10/5/2007

O debate em torno das usinas do Rio Madeira se passa como se só houvesse esta obra. Ou ela ou a escuridão. Ou a licença em maio, ou então o governo “tomará as medidas necessárias”, como disse ontem a ministra Dilma Rousseff, indicando as térmicas a combustível fóssil como a saída. O assunto é mais rico. Num estudo do WWF e da Universidade de Campinas, ficou claro que há um terceiro caminho.

É preciso ver todo o quadro de possibilidades, das múltiplas opções que não têm que se substituir, mas, sim, serem somadas. A ministra Dilma disse, no balanço do PAC, que ninguém pode achar que as energias solar ou eólica sejam viáveis. Nenhuma fonte é suficiente para cobrir a nossa necessidade, mas se deve, sim, diversificar e pôr, na cesta energética, um pouco de cada coisa, inclusive energia solar e eólica.

O mais impressionante no estudo do WWF, que o governo conhece porque já foi divulgado, é que há uma possibilidade de o Brasil conseguir, até 2020, uma redução da demanda de energia elétrica esperada de até 40%: “Em termos práticos, essa energia corresponde à geração evitada de 60 usinas nucleares de Angra 3, 14 hidrelétricas de Belo Monte ou seis hidrelétricas de Itaipu. Isso significa uma economia de até R$33 bilhões na conta nacional até 2020”, diz o estudo. Quem quer ler um resumo dele pode encontrar no Dossiê Energia, lançado pela USP, onde há muitos outros estudos interessantes, mostrando como é complexa essa matéria. O documento inteiro está em www.wwf.org.br .

O estudo trabalha com dois cenários, o Tendencial e o Elétrico Sustentável; e explica as medidas que podem ser tomadas para que ocorra este segundo cenário, no qual o consumo futuro é 40% menor.

Neste cenário, as fontes alternativas, como solar, eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas, podem fornecer até 20% da geração total de eletricidade, empregando oito milhões de pessoas e reduzindo as emissões dos gases de efeito estufa. Basta para isso que se retome a fase 2 do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), que foi abandonado pelo governo. São criados incentivos e programas para aproveitar o imenso potencial do Brasil com energia solar.

O estudo propõe “políticas agressivas de planejamento energético”, com o objetivo de induzir à eficiência energética. Aliás, entre vários países, os que estão se comportando com mais sensatez nesta era do aquecimento global são aqueles em que as autoridades estão incentivando a redução do consumo e o aumento da eficiência. No Brasil, não se ouve falar nisso, como se não tivéssemos tido um apagão há seis anos, e não estivéssemos num tempo em que a eficiência no uso da energia é uma questão de sobrevivência do planeta. As hidrelétricas no Rio Madeira podem ser uma boa opção, mas certamente não são a única possibilidade, como estão sendo apresentadas.

O cenário Tendencial (ou seja, tudo fica como está) prevê um aumento da oferta de energia de 5% ao ano até 2020, levando a capacidade instalada a 204 mil MW. No cenário Elétrico Sustentável, a capacidade instalada aumentaria 2% ao ano, para 126 mil MW. No primeiro cenário, as fontes fósseis sairiam dos atuais 19% do total para 24%. No segundo, cairiam para 14%. O segundo não é mais caro; pelo contrário, permite uma redução do custo.

Uma das medidas propostas no estudo é fazer leilões de eficiência energética, que tornariam possível, entre outros projetos, o de recuperação das usinas hidrelétricas mais antigas. Há um enorme potencial nas usinas mais antigas se elas passarem por um processo de recuperação, modernização de turbinas e geradores, aumento da eficiência. As passíveis de um programa de aumento da potência – em algumas, a capacidade poderia crescer até 40% – produzem hoje 32 mil MW. Isso equivale a cinco complexos como os de Santo Antônio e Jirau.

O governo incentivaria ou determinaria novos padrões de desempenho energético para equipamentos, tecnologias e processos mais eficientes em toda a cadeia produtiva. Haveria também padrões técnicos mandatórios e aplicação de recursos em pesquisa em favor de redução das perdas técnicas. Para se ter uma idéia de como um bom programa pode produzir ganhos permanentes, a campanha de racionalização do uso, na época do apagão, reduziu em 7 mil MW o consumo. Isso é mais do que produzirão, no pico, as duas hidrelétricas do Madeira.

O WWF também propõe que o Brasil retire o subsídio que dá hoje para as fontes tradicionais de energia através da CCC (Conta de Consumo de Combustíveis). O cálculo deles é que, no ano passado, foram gastos R$4,5 bilhões com esse subsídio; dez vezes mais que os investimentos em eficiência energética.

Combater o desperdício e as perdas técnicas; ter equipamentos mais eficientes; induzir a economia nesta direção através, por exemplo, das compras governamentais; suspender o subsídio à energia fóssil; fazer um programa de recuperação das atuais hidrelétricas no país; diversificar a matriz energética com mais fontes alternativas são sugestões sensatas. Os números são impressionantes e mostram como tem sido simplório e tendencioso o debate atual, que reduz tudo às hidrelétricas do Rio Madeira.

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Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

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