Estratégias para Eficiência Energética: pontos para discussão

Leilões de eficiência energética.

Essa é uma maneira alternativa de se viabilizar através de agentes de mercado (especialmente ESCOs) a consecução de medidas que poupem energia nos setores de usos finais e também no setor de oferta. Esse mecanismo é similar ao leilão de oferta de energia já em prática no Brasil. Consiste na determinação de uma determinada quantidade de energia a ser conservada (MWh) e a sua compra por um órgão ou agência de governo, por exemplo.

Alternativamente, pode ser também feito um leilão a partir de um montante de recursos ofertado e os agentes devem fornecer programas que maximizem a quantidade de energia conservada.

Isso exige uma grande capacidade de monitoramento e verificação por parte da agência responsável pelo mecanismo, mas tem sido aplicado especialmente nos Estados Unidos. Além disso, implica em se ter bons diagnósticos de potenciais de eficiência energética e os custos relacionados com conservação de energia.

Padrões de eficiência energética em equipamentos.

Os índices de desempenho energético que já se encontram em implantação no Brasil poderiam ser mais ambiciosos e quando necessário recursos para pesquisa e desenvolvimento deveriam ser canalizados para viabilizar a adoção de índices mais agressivos de redução de consumo.

Cerca de 30% do total das economias nos usos finais considerados poderiam vir apenas tomando como padrão os equipamentos mais eficientes comercializados hoje no país[1].

Licitações tecnológicas de agências de governo.

O setor público representa cerca de 10% do consumo total de eletricidade. Estas agências têm a possibilidade de especificar padrões de desempenho que, por sua vez, estimularão fabricantes a desenvolver e oferecer o produto para atender a essa demanda.

Esse tipo de iniciativa é importante principalmente quando estão relacionadas com novas tecnologias ainda não introduzidas em escala significativa no mercado. Em tais casos, os riscos de desenvolvimento tecnológico podem ser altos para os fabricantes, se estes não souberem se haverá um mercado para os equipamentos produzidos. Esse tipo de iniciativa é uma maneira de assegurar retornos financeiros para os fabricantes através da compra de uma quantidade grande de equipamentos com determinadas especificações.

Coordenação entre os fundos e recursos existentes para Eficiência Energética

Existem recursos suficientes para uma mudança significativa nos padrões de tecnologias e processos de produção e usos de energia no país. Existem também agentes já estabelecidos (públicos e privados) que necessitam ser melhor articulados para que investimentos para criação e expansão de mercados para tecnologias mais eficientes e fontes renováveis sejam acompanhados por medidas regulatórias complementares (tarifas, padrões técnicos) e apoio de programas de P&D e treinamento que deverão aperfeiçoar as tecnologias e reduzir seus custos ao longo do tempo.

É necessário definir metas para os resultados de investimentos em eficiência, melhorar a capacidade de monitoramento, verificação e avaliação de resultados obtidos através da aplicação desses recursos. Os investimentos compulsórios das empresas de eletricidade em seus programas de eficiência energética e P&D, além do CTENERG devem ser mais bem coordenados para garantir maximização de benefícios sociais, especialmente no longo prazo.

Concessionária virtual de energia: uma concessionária de Negawatts

Nas atuais condições de regulação no país, as companhias não têm incentivos econômicos para promover maior EE e ajudar seus consumidores a serem mais eficientes. Exsitem de fatos grandes desincentivos uma vez que uma redução de vendas de kWh significa na grande maioria das vezes uma redução de receita. Os incentivos econômicos que existem sinalizam invariavelmente em favor da expansão do sistema de geração, T&D e maiores vendas de kWh.

Para os programas de eficiência energética agora implementados pelas concessionárias sugere-se aqui um novo conceito de concessionária virtual de eletricidade que poderia ter como recursos os valores anualmente investidos através da Lei 9.991/2000, por exemplo. Essa concessionária poderia ser uma empresa privada licitada publicamente com metas anuais de energia conservada (e/ou potência retirada) durante um determinado período de tempo. Essa concessionária venderia serviços de eficiência energética para uma dada região geográfica e competiria com as concessionárias convencionais e com as tarifas praticadas de eletricidade na região. As atividades dessa concessionária seriam reguladas pela ANEEL e poderia garantir maior transparência e preservação de aspectos de interesse público também associados aos programas de eficiência energética. Seria também uma maneira de facilitar o monitoramento, verificação e avaliação dos investimentos em programas de eficiência energética.

Essa seria também uma alternativa para evitar o conflito de interesses atualmente existente para uma concessionária explorar o potencial técnico e econômico de eficiência energética.

Metas de redução de consumo

Grandes consumidores de energia (públicos e privados) poderiam ter negociadas o cumprimento de metas de redução de energia ao longo de determinados períodos de tempo. Já existem diversos modelos e mecanismos (“white certificates”, por exemplo) que podem ser explorados para estimular que o próprio mercado busque soluções economicamente atraentes para redução de consumo de energia.

Conclusões

Não existe uma fórmula mágica para resolver todas as barreiras que interferem com o progresso das iniciativas em favor de maior eficiência energética. No entanto, é evidente a necessidade de um forte e consistente apoio governamental, seja através de subsídios ou de leis e forte regulação, para transformar e consolidar um espaço no mercado de energia para aumentar significativamente o uso eficiente de energia.

Diversos tipos de intervenção e estratégias da política pública podem ser eficazes na abordagem de barreiras e ampliar os investimentos públicos e privados em EE, sendo desejável que exista um mínimo de coordenação e integração dessas estratégias para maximizar os benefícios para a sociedade (e minimizar a duplicidade e o potencial desperdício de gastos públicos e privados).

É possível constatar que o Brasil já possui elementos importantes para colocar em pratica um programa que viabilize grandes economias de energia. Em primeiro lugar existem recursos humanos qualificados e capacidade de expansão dos mesmos. Existem diversos grupos (acadêmicos ou não) e empresas[2] que podem realizar diagnósticos, propor e executar projetos de eficiência energética. Existem experiência e expertise suficientes para serem mobilizadas em programas nacionais de eficiência energética. O país dispõe de instituições com mandato para supervisionar, coordenar ou acompanhar essas ações e ONGs que são especializadas nesses temas.


[1] O impacto de padrões de eficiência energética em equipamentos poderá ser significantemente maior se forem acompanhados índices que estão sendo considerados nos EUA, Japão e Comunidade Européia. Vale lembrar que muitas das indústrias aqui estabelecidas dominam as melhores tecnologias e muitas vezes exportam equipamentos mais eficientes e destinam ao mercado doméstico outros produtos menos eficientes.

[2] Um dos grandes benefícios dos programas das concessionárias foi o de ter fomentado a criação e manutenção de diversas ESCOs e empresas de consultoria que vem trabalhando com diversos tipos de programas e clientes em praticamente todo o território nacional.

Share

Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *