Porque devemos comer carne

Original: John S. Wilkins, evolvingthoughts.net

Humanos, assim como outros primatas, comem principalmente raízes, vegetais e nozes, mas irão comer carne quando disponível. Carne é uma valiosa fonte de proteínas e outros recursos nutricionais, e não pode ser desperdiçada. Mas, apesar dessa ser uma afirmação de fato, ela não é uma afirmação de obrigação ou permissão moral. Eu irei argumentar que nossa história evolutiva torna a ingestão de carne não apenas inevitável, mas algo que vale a pena, apesar de que eu não advogaria em favor da quantidade de carne que ingerimos hoje no mundo ocidental.

Existem muitas teorias de ética, mas uma das mais antigas e influenciais é a visão que pode ser traçada até Aristoteles: a Boa Vida é aquela que leva ao florescimento da vida humana. Isso é chamado de “eudaimonia” em Aristoteles. Agora, dessa perspectiva, o que devemos fazer é o que contribui para a eudaimoni, e por acaso todos concordam que humanos evoluíram para, e se desenvolvem melhor quando, comem uma dieta primariamente constituída de matéria vegetal, com uma pequena quantidade de carne, a famosa “pirâmide alimentar” da escola primária. Existem nutrientes que humanos requerem que a carne provêem e são impossíveis ou muito difíceis de serem obtidos de outra forma.

Eudaimonismo é uma ética “espécie-relativa”. Diferentemente da ética universal do vegetarianismo, direitos e deveres morais não são necessariamente estendidos para outras espécies, mas eles se aplicam à todos os humanos. Em “Expanding the Circle” (Expandindo o Circulo), Peter Singer argumenta que direitos morais são universais a todos os seres sencientes; uma visão eudaimoniana não presume isso. Esse é o universalismo de Kant, não de Bentham. Nós sabemos que todos humanos têm direitos e posturas morais; nós precisamos saber com que base nós devemos conferir direitos a animais. Nós presumimos que membros da especie humana têm uma natureza moral.

Sociedades escolhem conferir direitos baseados nas propriedades morais das pessoas. Pode ser objetado que essa visão faria crueldade contra animais permissível. Isso não procede. Como Kant notou, crueldade contra animais afeta seres humanos, degradando sua natureza moral, e apenas com base nisso ela deveria ser proibida. Mas nós podemos também conferir direitos para não-humanos com base no fato de deterêm algumas ou todas as propriedades morais dos humanos. Por exemplo, adultos de grandes primatas tem as capacidades cognitivas aproximadas de uma criança de três à cinco anos; e então eles deveriam ter os direitos e proteções conferidas a aqueles humanos.

Portanto não devemos comer, ou permitir que comam, grandes primatas ou outras espécies com capacidades cognitivas comparáveis. Mas os animais de abate não estão nessa classe (e aqueles que estão, em algumas culturas, como cachorros, deveriam ser excluidos da categoria de “animais de abate”). Nós deveríamos demandar que animais sejam abatidos (e criados) de forma humana (ou seja, sem crueldade ou dor), mas isso não é o suficiente para que seja proibido consumi-los.

Uma implicação disso entretanto é que nós devemos fazer todas as coisas que contribuem para o florescimento humano, e que isso irá incluir a redução da quantidade de carne ingerida, por vários motivos: muita carne leva a várias doenças, desde gota até problemas cardíacos; carne é um recurso caro e ultimamente insustentável nos níveis atuais; e animais de abate são rotineiramente invasores e ecologicamente nocivos.

Em todas as coisas, proporcionalidade é a chave para o florescimento. Muito de qualquer bem pode se tornar um mal. Um pouco de carne é bom; muito dela é um mal. Isso também é uma visão antiga dos gregos. Epicurianos diziam que o prazer é bom, mas muito dele não é. Em contraste com os extremismos do vegetarianismo, todas as coisas, em moderação, para o florescimento da humanidade, este é o caminho.

O caso do sexto naufrago


Abaixo reproduzo um experimento desenvolvido pelo filósofo Stephen Law, e publicado como parte de um artigomais amplo sobre o ceticismo sobre a existência de Jesus Cristo na revista Faith and Philosophy. Aqui Law discute um exemplo hipotético ilustrativo para avaliar os critérios normalmente utilizados por estudiosos do novo testamento para justificar a existência do Jesus histórico. Um desses estudiosos é Bart Ehrman, que mencionei recentemente.


Destes critérios, Law avalia explicitamente o critério da Múltipla Atestação (a existência de várias fontes originais para uma dada afirmação), o critério da Descontinuidade (a dissonância entre o que é afirmado em uma fonte e a ortodoxia vigente naquela região naquele período) e o critério do Constrangimento (o fato de que pessoas não falariam sobre algo que teria consequência negativa para a difusão da mensagem que ela quer passar).


Eu não tenho uma opinião formada sobre o assunto, mas concordo com Law no sentido que acho os critérios usados para atestar a existência de Jesus um tanto fracos, ou não tão impressionantes quando avaliados no contexto. Podem existir outros, obviamente, dos quais não estou familiarizado, ou mesmo que minha avaliação sobre sua suficiencia seja equivocada (obviamente, não sou historiador). 


Também concordo que o principio avançado por ele, o principio da contaminação, me parece válido. O principio basicamente consiste em afirmar que é razoável ser cético a respeito de toda uma estória se essa apresenta aspectos fantásticos e mundanos (os estudiosos do novo testamento que afirmam a existência do Jesus Histórico rejeitam os aspectos fantásticos da narrativa dos evangelhos, enquanto aceitam os aspectos mundanos da história). Porém me pergunto o que acontece se algum historiador não assume que tai aspectos fantásticos não são… bem, fantásticos?


De qualquer forma, acho o exercício de Law estimulante, e valeria a pena ver o quão razoável as pessoas acreditam que seja a história do sexto náufrago.


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Suponha que cinco pessoas são resgatadas de uma grande, porém inabitada ilha na qual eles naufragaram 10 anos antes. O grupo de náufragos sabia que se eles sobrevivessem eles seriam, eventualmente resgatados, pois a ilha era uma reserva natural visitada por ecólogos a cada dez anos.


Na medida que os náufragos recontam suas estórias, eles incluem os fantásticos casos de um sexto indivíduo que naufragou com eles. Essa pessoa, eles afirmam, logo se destacou dos outros por realizar milagres – andar no oceano, curar miraculosamente outro naufrago que havia morrido em decorrência de uma mordida de cobra, criando grandes quantidades de comida do nada e etc. O misterioso sexto naufrago tinha pontos de vista éticos incrivelmente originais e, apesar de não-ortodoxos, eles foram entusiasticamente recebidos por outros náufragos. Finalmente, alguns anos atrás, o sexto náufrago morreu, mas retornou a vida três dias depois, e logo em seguida ascendeu aos céus. Ele inclusive foi visto diversas vezes após esse ocorrido.


Vamos adicional mais alguns detalhes para esse cenário hipotético. Vamos supor que os cinco náufragos contam principalmente a mesma história sobre o sexto membro do grupo. Apesar de diferente em estilo, os relatos são geralmente consistentes. De fato, um retrato vivido e poderoso do sexto náufrago emerge do testemunho coletivo, contendo tantos detalhes quanto, digamos, o Evangelho a respeito de Jesus.


Curiosamente, as estórias sobre o sexto náufrago incluem um número de detalhes que são embaraçosos para o restante dos náufragos. De fato, todos eles concordam que dois dos sobreviventes de fato traíram e mataram o sexto náufrago. Adicionalmente, algumas façanhas supostamente realizadas pelo sexto náufrago estão em clara contradição com o que os sobreviventes acreditam sobre ele (por exemplo, apesar de acreditarem que o sexto naufrago era totalmente desprovido de maldade, eles atribuem a ele ações que aparentam ser deliberadamente cruéis, ações que subsequentemente são difíceis de serem explicadas pelos sobreviventes). Esses são detalhes que dificilmente seriam do interesse dos náufragos de serem inventados.


Tamanha é a admiração pelo sexto membro e por suas visões éticas impares que os sobreviventes tentam de forma insistente em nos convencer que ambas são verdade, e que é importante que nós também abracemos seus ensinamentos. De fato, para o grupo resgatado, o sexto naufrago é uma figura reverenciada, uma figura que eles querem que nós reverenciemos também.


Agora, suponhamos que nos temos, até o momento, nenhuma boa evidencia independente que existiu um sexto náufrago, muito menos que ele realizou milagres atribuídos a ele. Qual seria nossa atitude em relação a essas afirmações?


Claramente, nós seriamos corretamente céticos sobre as partes miraculosos do testemunho em relação ao sexto náufrago. O testemunho coletivo deles não é nem de perto evidencia o suficiente de que tais eventos aconteceram. Mas e sobre a existência do sexto náufrago? É razoável acreditar, apenas com base nesse testemunho, que um sexto náufrago era pelo menos uma pessoa real, e não parte de um delírio, uma ficção deliberada ou o que quer que seja?


Note que as evidências apresentadas pelos cinco náufragos satisfazem os três critérios previamente discutidos.


Primeiro, nós temos múltiplas testemunhos: não um, mas cinco afirmações individuais sobre a existência do sexto náufrago (adicionalmente, note que nós estamos lidando com testemunhas elas mesmas, e não registros de segunda ou terceira mão, então não existe possibilidade de outros terem alterado a estória original. como seria o caso dos testemunhos do Novo Testamento).


Segundo, seus relatos contem detalhes que são claramente altamente embaraçosos (na verdade, são seriamente incriminantes) para quem relata. Isso levanta a pergunta: porque iriam os náufragos deliberadamente incluir tais detalhes em uma estória inventada – um história que, por exemplo, está em clara tensão com o que eles acreditam sobre seu herói, e que, de fato, os descreve como traidores assassinos?


Terceiramente, porque deveriam eles atribuir à um sexto náufrago visões éticas não-ortodoxas ou qualquer outro tipo de visão dissonante com a sabedoria comumente aceita? Se, por exemplo, o sexto náufrago é uma invenção desenvolvida com o objetivo de estabelece-los como gurus de um novo culto, porque irão eles atribuir ao seu líder mítico visões que dificilmente seriam aceitas por outros?


Existe pouca duvida de que poderia ter existido um sexto náufrago que disse e fez coisas atribuídas a ele. Mas se pergunte: o testemunho coletivo do grupo resgatado coloca a existência do sexto náufrago acima de qualquer suspeita? Se não acima de qualquer suspeita, seria sua existência algo que deveria ser  razoavelmente que aceito? Ou seria mais sábio, nesse ponto, que reservemos julgamento e adotemos uma postura cética?

Chomsky chama Harris e Hitchens de fanáticos religiosos

Hoje Daniel Dannett publicou em sua página no Facebook um vídeo do Noam Chomsky, linguista e intelectual de esquerda, dando sua opinião sobre Sam Harris e Christopher Hitchens:

Em primeiro lugar eu acho que eles [Harris e Hitchens] são fanáticos religiosos. Eles por acaso acreditam na religião do Estado, que é muito mais perigosa do que outras religiões […]. Ambos são defensores da religião do Estado, a religião que diz que precisamos apoiar violência e atrocidades do nosso próprio governo porque está sendo feita por todos estes maravilhosos motivos, que é exatamente o que todo mundo diz em todo Estado.

Acho um tanto estranho chamar qualquer tipo de posição ideológica extremista como “religiosa”. Afinal, se religião é qualquer coisa, a ausência dela (secularismo) deveria ser algo que não pode ser classificado como religião. De qualquer forma, não posso dizer que discordo da crítica do Chomsky: o endosso que Hitchens ofereceu à invasão do Iraque sempre me foi desconfortável e as justificativas que ele ofereciam sempre me soavam boas o suficiente apenas se você assumia que intervencionismo militar era algo aceitável.

Essa crítica do Chomsky não é nova. De fato, ele parece ver o movimento “neo-ateísta” como inútil (por apenas oferecer uma mensagem à pessoas que já concordam) ou danoso (por endossar o tipo de violência que ele critica), opinião essa fortemente enviesada pela sua opinião sobre Harris e, principalmente, Hitchens. Tal discórdia parece ter começado logo após 11 de Setembro, quando Chomsky publicou um comentário sobre o atentado que foi interpretado por Hitchens e Harris como uma tentativa de justificar o ocorrido como consequência da política intervencionista Norte-Americana. O debate que se desenrolou não foi nada amistoso, sendo que umas das acusações mais sérias que Chomsky fez a Hitchens é que ele estava sendo deliberadamente enganoso.

Nos comentários do meu post passado, meu colega Xis indagou o porque dos “neo-ateus” tenderem para a direita. Meu chute foi que o 11 de Setembro teve um impacto grande na geração do movimento, e que a defesa de ações intervencionistas e autoritárias eram algo esperado dentro do movimento, visto que a motivação para a crítica à religião e para tais ações é a mesma (terrorismo muçulmano). O debate de Chomsky e Hitchens me parece consistente com essa narrativa, assim como o fato de Harris ter colocado que nenhuma de suas posições era particularmente nova.

Sam Harris: defendendo a discriminação?

Eu gosto de muito o que Sam Harris diz. Sua abordagem consequencialista sobre moralidade e sua visão sobre livre-arbitrio são ambas muito similares a o que penso e é sempre muito bom ver alguém com algum tipo de voz no cenário internacional difundindo ideias compatíveis com as suas sobre questões tão importantes como ética e moralidade. E é por esse motivo que fiquei profundamente decepcionado com um recente post em seu site.

Ele inicia comentando sobre o teatro que os passageiros tem que passar quando são aleatoriamente selecionados em aeroportos para serem revistados (muitas vezes de forma bastante invasiva) e terem seus sapatos removidos para a procura de material explosivo. Ele conta o caso de um casal de idosos e uma garotinha apavorada de três anos que teve que remover sua sandália para que fossem investigadas. Concordo que muitas dessas medidas são abusivas e desnecessárias, mas para Harris, o buraco é mais embaixo:

Existe algo que podemos fazer para parar essa tirania de justiça? Algum semblante de justiça faz sentido- e, desnecessário dizer, as malas de todos deveriam ser revistadas, apenas porque é possível colocar uma bomba na bagagem de outros. Mas a TSA [segurança dos aeroportos] tem uma quantidade finita de atenção: Cada momento revistando o Coral Góspel Mórmon subtrai do escrutínio destinado à ameaças mais prováveis. Quem poderia falhar em compreender isso?

Imagine o quão fátuo seria lutar uma guerra contra o IRA e mesmo assim se recusar à discriminar [para a revista] os Irlandeses? E mesmo assim é assim que nós estamos lutando nossa guerra contra o terrorismo Islamico.

Confesso, eu não tenho que passar pela experiência de ser continuamente discriminado. Sem dúvida seria frustrante. Mas se alguém vagamente parecido com o Ben Stiller fosse procurado por crimes contra a humanidade, eu entenderia se eu virasse algumas cabeças no aeroporto. Entretanto, se eu fosse forçado a esperar atrás de uma fila para uma revista desnecessária de mais pessoas, eu certamente iria ressentir a adicional perda do meu tempo.

Nos deveríamos descriminar muçulmanos, ou qualquer pessoa que concebivelmente possa ser um muçulmano e deveríamos ser honestos a respeito disso.

Yep, é isso mesmo. Ele não disputa a paranoia (que me parece obvia) ou mesmo sequer a inutilidade operacional de tais revistas, coisa que ele reconhece. Não… o problema é que não estão revistando quem deveria ser revistado: os muçulmanos, ou pessoas que se pareçam com um. E, aliás, o que diabos é “se parecer com um muçulmano”? Alguém de pele escura e de barba?

Isso sem contar a justificativa dada por Harris para a discriminação é absurda. Claro que se você parece com alguém que está sendo procurado pela polícia, é esperado que você seja abordado mais frequentemente. Mas os muçulmanos que seriam presumidamente parados nessas revistas não se parecem com ninguém: eles apenas se parecem com um estereótipo de muçulmano, um grupo que presumidamente tem maior chances de conter terroristas por algum motivo esdrúxulo. Ver alguém como Sam Harris defendendo uma prática claramente discriminatória por nenhum bom motivo é bastante embaraçoso.

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Atualização (04/05/2012)

Sam Harris publicou um adendo em seu blog sobre o assunto. Não é uma desculpa, é uma explicação sobre o porque de sua postura não ter se desviado do que ele já defendia. Ou seja, quem ficou impressionado, assustado ou decepcionado com sua postura na verdade não havia parado para pensar nas consequências do seu tipo de discurso. Eu posso aceitar isso e confesso que eu sou um dos que não parou para pensar, aparentemente.

Ele ainda reitera que ele não está defendendo discriminação racial (apenas discriminação, por assim dizer), mas aqui eu acredito que ele está sendo insincero. Ele sabe muito bem que muçulmanos são normalmente associados à um estereotipo racial, e defender o “profiling” com base em primeiras impressões é apelar para esse estereótipo ou qualquer outro aspecto fenotípico, estético ou estilístico. Estereótipos esses que falham, obviamente, como indicadores de inclinações terroristas. Harris então compara o “profiling” que ele ele advoga, com o “profiling” psicológico, algo que é obviamente impossível de ser feito em um aeroporto em uma fila de espera.

Ao meu ver, ou Harris está realmente confuso sobre o que ele de fato está defendendo, ou ele notou que foi descuidado em suas colocações e está tentando remediar da melhor maneira possível sem ferir profundamente seu ego.

Dinossauros inteligentes. Do Espaço!!!

Esses dias estive ajudando um colega com seu projeto de doutorado em paleontologia sobre dinossauros, um assunto sempre fascinante. Obviamente eu estou apenas dando meu parecer nos aspectos metodológicos, mas é sempre interessante entender um pouco mais sobre os organismos em questão. De qualquer forma, durante minhas pesquisas eu me deparei com um artigo de divulgação intitulado “Poderiam dinossauros mais avançados dominar outros planetas?”, no ScienceDaily. Aqui está uma amostra do que é dito na matéria:



Novas descobertas científicas levantam a possibilidade que versões avançadas do T. rex e outros dinossauros – criaturas monstruosas com a inteligência e sagacidade de humanos – podem ser as formas de vida que evoluíram em outros planetas no universo.



Colocações bastante ousadas, mas de especulações rasas a internet está cheia. Para minha (não tão grande) surpresa, o site indica um artigo da Revista da Sociedade Americana de Química como fonte da informação sobre os supostos dinossauros alienígenas. Obviamente assumi que era mais uma deturpação de alguma pesquisa por parte dos jornalistas. E de fato, a materia sugere que o conteúdo do trabalho é sobre quiralidade de aminoácidos, um tópico intrigante, sem sombra de duvida, com impactos muito importantes nas teorias de origem da vida na terra. Nada similar à dinossauros alienígenas inteligentes, obviamente.

Mas o que diz exatamente o artigo?

Atualmente não é surpreendente que L-aminoácidos e D-carboidratos são produzidos em sistemas biológicos, visto que enzimas que os produzem são elas mesmas homoquirais (não uma mistura com sua imagem espelhada). Na Terra pré-biótica, não existiam tais catalizadores quiralmente seletivos para fazer o primeiro aminoacido ou açucares ou nucleosídeos, então muitos cientistas tem especulado que essa seletividade poderia ter surgido em um mundo previamente aquiral.

O autor segue argumentando sobre como a influencia de luz polarizada de ondas curtas poderia ter destruído um tipo de enantiômeros, privilegiando os compostos que constituem a vida na terra. Aparentemente, tal processo apenas poderia ter ocorrido no espaço e não na atmosfera terrestre, e a partir disso o autor sugere que tais compostos foram gerados em meteoros que posteriormente foram lançados à Terra.


Estranhamente o autor se refere à “nós” repetidas vezes durante o artigo, ora falando sobre a comunidade científica, ora falando sobre quem escreveu o artigo. Isso é deveras estranho, ainda mais levando em conta que que o artigo tem apenas um autor. Fora isso o texto é bastante confuso e mal escrito. Mas… e os dinossauros? 

Uma implicação desse trabalho é que em outros lugares do universo podem existir formas de vida baseadas em D-aminoacidos e L-carboidratos, dependendo de que tipo quiralidade da luz polarizada circular no setor do universo ou de qualquer outro processo operando em favor de L-alfa-metil aminoacidos nos meteoritos que pousaram na Terra. Essas formas de vida poderiam muito bem ser versões avançadas de dinossauros, se mamíferos não tivessem a boa sorte dos dinossauros terem sido erradicados por uma colisão asteroidal. É melhor que não encontremos eles.

Err… o que?


Porque eles seriam dinossauros? Visto que não sabemos nada de como vida extraterrestre é (sequer sabemos se ela existe), eu não arriscaria dizer que ela seria composta por répteis arcossauros de 4 membros, com um esqueleto, um crânio, uma mandíbula e ovos amnióticos. Muito menos répteis arcossauros de 4 membros, com um esqueleto, um crânio, uma mandíbula e ovos amnióticos com inteligencia quase-humana! Será que o autor desse artigo sequer contempla a improbabilidade disso existir até mesmo na Terra? Afinal, das bilhares de formas de vidas que existem e já existiram, a grande maioria é composta de organismos procariotos unicelulares. Se você vai chutar que ETs se parecem com qualquer coisa, eu começaria por ali.


Eu só posso especular sobre a linha de raciocínio que leva uma pessoa a escrever isso, mas imagino que o autor caiu presa da noção errada de que evolução segue uma tendência histórica pré-determinada e “progressiva”, na qual o resultado final é, necessariamente, um ser antropomórfico e inteligente. O fato de um meteoro ter dizimado os dinossauros seria, então, um feliz acidente que impediu os dinossauros de se tornarem tais seres, dando espaço a nós. Outros planetas estariam cheios de reptilianos inteligentes…


Claro, isso tudo é ficção cientifica e não ciência, o que me faz perguntar: como isso passou pelo processo de revisão por pares da Revista da Sociedade Americana de Química? Um leigo bem informado seria capaz de identificar que essa passagem (o ultimo paragrafo do artigo!) não passa de especulação barata e que não serve proposito outro além de tornar o artigo como um todo suspeito e o processo editorial da revista uma piada. Me pergunto que tipo de revisor acadêmico falharia em notar isso.

Referência

Breslow. Evidence for the Likely Origin of Homochirality in Amino Acids, Sugars, and Nucleosides on Prebiotic Earth, Journal of the American Chemical Society.


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27, Abril, 2012- Parece que o artigo foi removido do ar em devido a suspeitas de quebra de diretos autorais. Whatever dude… whatever…


04, Maio, 2012- Notei que a figura original que havia colocado sumiu do post. Para minha surpresa notei que o Science Daily também tirou a notícia do ar.

A probabilidade da ressurreição de Cristo (com formulaz!!1!)

A um certo tempo atrás eu assisti o debate entre Bart Ehrman e Willian Lane Craig sobre a historicidade da ressurreição de Cristo, com o primeiro argumentando contra e o segundo obviamente argumentando a favor. Esse é um assunto de grande importância para Craig, visto que a historicidade da ressurreição é o único dos argumentos utilizados por Craig que defende a existência de um Deus cristão. Todos os outros  são apenas argumentos genéricos sobre a existência de algo com características presumidamente divinas.

De qualquer forma, um dos focos do debate (que é longo, porém recomendo) é sobre a colocação de Ehrman que, visto que a ressurreição de Cristo é um milagre e que milagres são eventos altamente improváveis, um historiador nunca poderia afirmar sobre a historicidade de um evento de ressurreição, uma vez que a única coisa que historiadores podem fazer é apontar qual narrativa histórica é mais plausível. Para refutar essa colocação, Craig introduz um argumento baseado no Teorema de Bayes para o cálculo de probabilidades colocando que, apesar de uma hipótese ser altamente improvável (no caso, um milagre), sua probabilidade final leva em conta outros fatores. Esses outros fatores, quando equacionados corretamente, levariam a conclusão que a ressurreição de Cristo é uma hipótese provável.

Visto que gosto de probabilidade e que apologetas tem um péssimo histórico de distorção de teorias científicas e filosóficas, abaixo exponho uma breve explicação do argumento de Craig e minha objeção  este argumento. Adicionalmente, ele é o cristão que todo ateu adora odiar, e eu não tenho nenhuma pretensão de ser original. Abaixo reproduzo da forma mais generosa que consigo o argumento de Craig e a seguir explico os motivos dele estar errado. Aviso: Formulas! Prossiga com cuidado.

O argumento Bayesiano para a ressurreição de Cristo

Segundo o Teorema de Bayes, a probabilidade de uma hipótese precisa ser avaliada em relação ao oque é chamado “conhecimento de fundo”. Conhecimento de fundo é todo e qualquer conhecimento prévio que pode influenciar a estimativa da probabilidade de uma hipótese. Por exemplo, o recente registro de partículas mais velozes que a luz pode ser totalmente plausível se tomada por si só. Porém se levarmos em conta a teoria da relatividade de Einstein, que coloca que velocidades superiores seriam impossíveis, isso influencia a avaliação da probabilidade daquele registro. Assim, podemos considerar justificado o esforço dos pesquisadores em achar um eventual erro que levou aos registros, como de fato foi o caso. Dentro da teoria probabil’stica bayesiana, a probabilidade de acordo com o conhecimento de fundo de uma hipótese é

sendo R a hipótese da Ressurreição de Cristo e E as evidências disponíveis e Pr a probabilidade estimada levando em conta o conhecimento de fundo. Nesse caso Pr(R) é a probabilidade intrínseca da ressurreição (ou seja, a probabilidade de alguém ressuscitar), Pr(E) é a probabilidade intrínseca da existência das evidências (em outras palavras, a probabilidade de alguém afirmar positivamente que uma ressurreição ocorreu, seja a afirmação verdadeira ou falsa) e Pr(E:R) é a probabilidade de que alguém diria que uma ressurreição ocorreu, dado que essa ressurreição de fato é verdadeira. Craig usa a versão extendida da formula aplicável a casos onde existe uma dicotomia entre a hipótese e sua negação (no caso, ou Jesus ressuscitou ou ele não ressuscitou), onde Pr(E) é avaliado no contexto da hipótese da ressurreição de Cristo e na hipótese de que a ressurreição de Cristo não ocorreu:

O ponto de Craig é que Ehrman está errado em argumentar que a probabilidade da ressurreição é baixa (logo impossível de ser elegida como uma hipótese histórica válida), visto que ele está avaliando apenas a probabilidade intrínseca de alguém ressuscitar Pr(R), deixando de fora outros fatores, especificamente Pr(E:¬R). Segundo Craig, se tal probabilidade (que é a probabilidade de alguém afirmar positivamente que uma ressurreição ocorreu quando nenhuma ressurreição ocorreu) é demasiadamente baixa, a probabilidade da ressurreição será elevada. Para ilustrar isso Craig evidencia corretamente que a probabilidade Pr(R:E) pode assumir a seguinte forma:


com X=Pr(E:R)*Pr(R) e Y=Pr(E:¬R)*Pr(¬R). Se Y for pequeno o suficiente, a razão se aproximaria de X/X que é sempre 1, que significaria certeza total em R. Como Pr(E:¬R) compõem Y, então um Pr(E:¬R) baixo implicaria na aceitação da ressurreição de Cristo como uma hipótese histórica. Sendo assim, cabe ao cético demonstrar que existe uma hipótese naturalista que explique com sucesso as evidências de forma a tornar Y alto o suficiente para rejeitar R, e não apenas simplesmente apontar que a probabilidade (intrínseca) da ressurreição é baixa, como Ehrman fez.

Probabilidade pequena? E daí?

Então… onde exatamente Craig está errado? As possibilidades são diversas, mas a mais grave decorre de uma interpretação distorcida do que é uma probabilidade baixa. Para entender, vamos reiterar o argumento de Craig.

Para Craig, se o poder explicativo de uma hipótese naturalística é baixa (ou, se Pr(E:¬R) é baixa), isso implicaria que a probabilidade da hipótese de ressurreição, quando avaliada à luz das evidências (Pr(R:E)), é de quase 100% certa, não importando o quão baixa é a probabilidade da ressureição em si. Se isso parece estranho, é porque de fato é. Para ilustrar isso, basta desenhar a função Pr(R:E) para diversos valores de X (que inclui o poder explicativo da hipótese da ressurreição):

Fica, então, bastante evidente que o valor de X importa, e quanto menor for seu valor, menor terá que ser Y para que aceitemos a ressurreição de Cristo como uma hipótese provável. Em outras palavras, não basta apenas demonstrar que as hipóteses naturalísticas são ruins para explicar as “evidencias”, mas sim que a hipótese supernatural é muito superior em poder explicativo e em probabilidade intrínseca, tarefa que dificilmente pode ser atingida apontando que não existe consenso sobre uma hipótese natural para as evidências.

No fim, nada disso difere significativamente de dizer “você não consegue explicar, logo Deus fez”. Isso é Deus-das-lacunas, e igualmente falacioso. Nada além disso.

E acredito que esta seja uma avaliação bastante caridosa do argumento. Afinal, como naturalista, eu sequer acredito que a ressurreição é uma possibilidade lógica. Isso implica que, segundo o meu conhecimento de fundo, que é dado por biologia, física, medicina, etc, Pr(R)=0, o que implica que a probabilidade da ressurreição é sempre zero.

Craig de fato tenta abordar esta objeção, colocando que seus outros argumentos (Kalam, argumento Ontológico, etc) evidenciam a existência do supernatural e do divino e que, levando isto em conta como conhecimento de fundo, Pr(R) é diferente de zero, o que possibilita a ressurreição como uma hipótese válida. Entretanto, esses outros argumentos foram feitos de forma a serem consistentes com nosso conhecimento sobre a natureza. Inclusive, grande parte da fama de Craig vem do fato dele ter desenvolvido um argumento cosmológico que seria consistente com nosso conhecimento atual sobre cosmologia. Claro, esses argumentos são pura bobagem, mas mesmo se não fossem, eles não permitem a violação das leis naturais. Ou seja, Pr(R) ainda seria igual a zero. 
Um fato interessante desta argumentação é que, mesmo se fosse verdade, nós teríamos que primeiro aceitar a existência do supernatural e do divino, para depois considerar a ressurreição como plausível. Ou seja, o argumento apologético para a ressurreição de Cristo só funciona se você já aceita a existência de Deus. E é exatamente por esse motivo que argumentos apologéticos deste tipo não convencem um cético. 

Morre Robert R. Sokal

Abaixo reproduzo uma tradução do anuncio da morte de Robert Sokal feito pelo professor Michael A. Bell.

Acho até difícil alguém não conhecer Sokal, e arrisco que até dentro das áreas biológicas. Como o texto evidencia, seu livro “Biometry” é um importante livro-texto para o aprendizado de estatística e, apesar de ser voltado para a área de biologia, sempre achei o texto fluido, ilustrativo e de fácil compreensão, algo que é de grande serventia para profissionais de qualquer área.

Sokal também teve um grande impacto na área da biologia evolutiva por ter fundado a escola da fenética, ou taxonomia numérica. Os taxonomistas numéricos defendiam que a classificação dos seres vivos deveria ser feita com base na similaridade dos organísmos e desenvolveram uma ampla gama de métodos estatísticos para a analise de similaridade de entidades biológicas. Ironicamente, muitos criacionistas acreditam que é assim que ancestralidade comum é inferida. Porém é sempre bom notar que os taxonomistas numéricos não buscavam relações de parentesco através destes métodos, apenas a proposição de grupos biológicos para classificação. A escola que competiu com a taxonomia numérica, a cladística,  procurava não apenas inferir as relações de ancestralidade comum através de similaridade compartilhada (sendo o “compartilhada” o termo essencial aqui), mas também a proposição de uma classificação baseada no padrão de relações de ancestralidade e descendência. Basta dizer que foi esta ultima escola que prevalesceu, por oferecer um sistema de classificação baseado em padrões evolutivos, sendo considerado um sistema natural de classificação.

Apesar da taxonomia numérica ter perdido a “guerra cultural”, as metodologias desenvolvidas pela escola são de grande importância para diversas áreas não-biológicas e amplamente utilizadas ainda na área de biologia molecular, mesmo a contragosto de muitos pesquisadores.

Sokal teve uma vida interessante, longa, produtiva e impactante. Acredito que ninguém possa pedir mais que isso.

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É com pesar que anunciamos que o Distinto Professor Emérito Robert R. Sokal morreu aos 86 em Stony Brook na segunda, 9 de Abril de 2012. Prof. Sokal foi um membro fundador do Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade Stony Brook, co-fundador da escola metodológica de Taxonomia Numérica, e o principal investigador nos programas de pesquisa sobre variação espacial em insetos e humanos e sobre respostas evolutivas em insetos. Ele supervisionou o treinamento de numerosos alunos de doutorado e ensinou biometria para um numero muito maior. Ele era membro da Academia Nacional de Ciências (EUA) e recebeu diversos outros reconhecimentos de mérito durante a sua excelente carreira. Nós do departamento de Ecologia e Evolução da Stony Brook vamos sentir falta de suas ideias, seu apoio e sua amizade.

Prof. Sokal nasceu de uma família judia de classe média em 13 de Janeiro de 1926 em Viena, Áustria, filho único de Klara e Siegfried Sokal. Ele fugiu da ameaça Nazista com sua família em 1938 para Shanghai, China, que se tornou o refúgio de dezenas de milhares de judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Robert frequentou a escola secundária em Shanghai, obtendo seu bacharelado em Biologia da universidade de St. Johns em 1947. Lá ele conheceu uma jovem estudante Chinesa, Julie Chenchu Yang, que se tornou sua esposa e o amor da sua vida. Um livro intitulado Letzte Zuflucht Schanghai (“O Refúgio Final em Shanghai”) por Stefan Schomann (2008), em alemão e traduzido para chinês, conta a história da fuga de Robert de Viena, o refúgio de sua família em Shangai e o começo de sua vida com Julie, antes dele vir para os Estados Unidos para sua graduação.

Prof. Sokal fez sua pós-graduação na Universidade de Chicago, onde adquiriu seu doutoramento em Zoologia em 1952 sob a supervisão do entomologo Alfred E. Emerson e foi fortemente influenciado por Sewall Wright. Ele entrou no Departamento de Entomologia na Universidade do Kansas em 1951 como um instrutor, e ascendeu rapidamente pela hierarquia acadêmica até Professor de Biologia Estatística em 1961. Ele foi recrutado por Laweence B. Slobodkin para o Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade Estadual de Nova York em Stony Brook em 1968, onde permaneceu pelo resto de sua carreira.

As publicações científicas do Prof. Sokal cobriram uma ampla gama de tópicos em sete décadas. Ele publicou artigos seminais em ecologia, evolução, antropologia, geografia, estatística e obviamente em sistemática. Seus artigos foram publicados na Science, Nature, PNAS USA e muitos dos melhores periódicos em ecologia, evolução, sistemática, antropologia e estatística. Ele provavelmente é melhor conhecido pelos biólogos evolutivos e por ecólogos por seu livro “Biometry” com F. James Rohlf, sendo que a quarta edição foi completada um ano antes de sua morte. Uma recente busca no Google Scholar indica que a terceira edição do “Biometry” foi citada 19.851 vezes. Prof. Sokal também é conhecido por ser o co-fundador da Taxonomia Numérica com Peter H. A. Sneath em 1963. Seu trabalho promoveu o uso de métodos estatísticos para a classificação e foi controverso tanto por advogar pelo abandono da tradicional taxonomia evolutiva, quanto por levar ao debate entre os defensores dos métodos fenéticos e os dos métodos cladísticos. De qualquer forma, é inegável que Prof. Sokal foi pioneiro no uso de métodos estatísticos rigorosos e objetivos e no uso de computadores em sistemática. Prof. Sokal começou sua carreira dissertando sobre padrões de variação geográfica em afídeos do gênero Pemphigus. Mais tarde ele iniciou pesquisa sobre a resposta evolutiva à seleção em populações de laboratório em besouros do gênero Tribolium e moscas domésticas. O seu maior projeto empírico, que ele perseguiu durante duas décadas, focava na analise do padrão de variação espacial em populações humanas em uma variedade de caracteres e desenvolveu novos métodos para tais análises. Prof. Sokal publicou 12 livros (5 traduzidos) e 206 artigos, e suas publicações foram citadas dezenas de milhares de vezes.

Prof. Sokal veio a Universidade de Stony Brook como professor em 1968. Ele foi nomeado como professor titular em 1972 e professor distinto em 1991. Ele se aposentou em 1995 e se tornou um professor emérito muito ativo. Ele atuou como membro e diretor do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade de Stony Brook de 1980 a 1983 e foi vice-reitor de Pesquisa e Estudos de Pós-Graduação de 1981 a 82. Ele bastante permaneceu ativo em sua pesquisa científica, no Departamento de Ecologia e Evolução, na vida universitária e na Academia Nacional de Ciência, comparecendo aos coloquios do departamento até o ultimo ano de sua vida, quando sua saude impediu de continuar com estas atividades.

Prof. Sokal também atuou em muitas outras capacidades prestigiosas, incluindo Presidente da Sociedade para o Estudo de Evolução, para a Sociedade Americana de Naturalistas, para a Sociedade de Classificação, e para a Federação Internacional de Sociedades de Classificação, sendo membro fundador desta última. Ele foi um editor associado da Evolution (1965-68) e editor da The American Naturalist (1969-1974). Ele recebeu muitas menções honrosas, incluindo ambos os prêmios Fullbright e Guggenheim, o Premio Charles R. Darwin por sua carreira pela Associação Americana de Antropologia Física, e muitos outros. Ele foi filiado à Academia Americana de Artes e Ciências e à Associação Americana para o Avanço da Ciência, e foi membro da Academia Nacional de Ciência dos EUA.

Robert R. Sokal deixa sua esposa de 64 anos Julie Sokal, seus filhos David Sokal e Hannah Sokal-Holmes, e quatro netos. Sua falta será grandemente sentida por sua família, seus amigos e seus colegas.

Robert R. Sokal (1926-2012)

De onde vieram as berinjelas?

A berinjela, Solanum melanogena, pertence ao mesmo gênero dos tomates e das batatas. Apesar de seu sabor originalmente amargo em decorrência do acumulo de glico-alcalóides, a berinjela apresenta uma grande capacidade de absorver condimentos e temperos, adquirindo sabores ricos e complexos. Tal característica a fez famosa em cozinhas de diversos países, permitindo a elaboração de diversos pratos, como o ratatouille francês, o parmegiana italiano, o karnıyarık turco, entre outros. Mas, afinal, de onde vieram as berinjelas? Esse mistério persegue os pesquisadores à séculos, se não milênios. 
Existem duas espécies candidatas para serem a genitora selvagens das berinjelas domésticas: S. incanum ou S. undatum. Similaridades genéticas entre essas espécies e as variedades domesticadas sugerem não apenas relações de parentesco, mas também a possibilidade de que estes grupos cruzem livremente na natureza. Adicionalmente, essas espécies ocorrem nos possíveis centros de origem da berinjela, reforçando assim a possibilidade de serem espécies genitoras das berinjelas domésticas.
A India é tida como provável sítio de domesticação original, visto que é nessa região que se encontra um grande numero de variedades  selvagens e domesticadas. O registro histórico da região mais antigos tem aproximadamente 2000 mil anos de idade, porém já descrevem variedades de berinjelas domésticadas. Adicionalmente, registros históricos da China, mais especificamente da província de Yunnan, também apresentam descrições consistentes com as de variedades domésticas de berinjela, o que sugere um evento de domesticação em um período anterior aos registros históricos, ou mesmo que ambas as localidades são possíveis focos sítios de domesticação.
Variedade morfológica das berinjelas e espécies aparentadas. A- S. violaceum. B- S. aethiopicum. C- S. capsicoides. D- S. undatum. E- S. torvum. F- S. melanogena subsp. ovigerum. Fotos sem letras pertencem à variedades de S. melanogena.
Evidencias moleculares sobre a questão não são conclusivas. Elas indicam que S. incanum, S. undatum e S. melanogenica formam um grupo biológico válido, o que significa que provavelmente todas pertencem à mesma espécie natural e que a berinjela domesticada teve sua origem a partir deste grupo. Entretanto, não há um padrão geográfico claro, sugerindo que o grupo é marcado por troca de material genético por toda sua extensão geográfica. Apesar disso, há evidencia de grupos de variantes domésticas e selvagens achadas apenas na India e no sul da China, reforçando a idéia de que esses são prováveis sítios de domesticação. 
Apesar disso ser um possível reflexo de falta de amostragem e de resolução das análises moleculares, é possível que os registros, tanto moleculares quanto escritos, tenham sido apagados pelo intenso intercâmbio comercial entre estas regiões no passado. A Rota da Seda foi uma importante rota comercial do leste Asiático, e o intenso fluxo de pessoas (e consequentemente de sementes) pode tornar a identificação de um ponto específico de origem para a domesticação difícil, se não impossível. A domesticação gradual da berinjela e o cruzamento com variantes nativas que já poderiam ser consumidas localmente, podem ter se dado ao longo de uma vasta extensão geografica. Talvez tenhamos que encarar a dura realidade de que talvez nunca seja possível responder com certeza de onde vieram as berinjelas. 
Representação esquemática dos possíveis centros de domesticação da berinjela. A seta de duas pontas indica o fluxo comercial da antiguidade entre os principais centros: India e sul da China.
E sim, esse foi um post inteiramente sarcástico, apesar de factualmente correto.
Referencia:

Meyer, R., Karol, K., Little, D., Nee, M., & Litt, A. (2012). Phylogeographic relationships among Asian eggplants and new perspectives on eggplant domestication Molecular Phylogenetics and Evolution, 63 (3), 685-701 DOI: 10.1016/j.ympev.2012.02.006

Teólogo critica ateus e glorifica irracionalidade

Hoje nas minhas inclusões no mundo maluco me deparei com o seguinte filme:

Pra quem não conhece, Alister McGrath é professor de teologia, da King’s College de Londres, e tem sido um duro crítico dos chamados “neo-ateus”, como evidenciado em seu famoso livro “O Delírio de Dawkins” (obrigado, Erick). No filme, McGrath fala sobre a Convenção Internacional de Ateus que irá acontecer em Melbourne (Australia) e sobre seu entusiasmo em comparecer a essa convenção. McGrath obviamente não é ateu e em seu vídeo faz algumas colocações que considero no mínimo equivocadas:

O neo-ateísmo enfatiza a racionalidade do ateísmo. Ateísmo é sobre fatos, fé é sobre fugir da realidade.

Estou com você até aqui.

Richard Dawkins, como vocês se lembram, rejeita fé como um tipo de doença mental e Christopher Hitchens, em seu livro “Deus não é Grande”, diz “Nossas crenças são a ausência de crenças”. O ponto que ele estava tentando fazer é que você só aceita as coisas que podem ser absolutamente provadas.

Absolutamente provadas? Eu tinha a nítida impressão que Dawkins e Hitchens concordavam que é impossível provar a não-existência de uma divindade transcendental. A resposta de Hitchens para a questão é bem clara: não faz a menor diferença se é possível provar ou não a inexistência de Deus, visto que ele seria contra um regime espiritual totalitário, como o advogado pelas religiões abraâmicas, por questões morais. Essa ideia de que “neo-ateus” valorizam apenas aquilo que pode ser provado é uma representação errônea do ateísmo desses autores e da grande maioria dos ateus que conheço. Ele prossegue:

O ponto principal aqui é que nenhuma das verdades pelas quais nós vivemos são coisas que podem ser provadas. Você pode provar algumas coisas por razão, outras por ciência, mas elas não são as Grandes Verdades nas quais nós podemos basear nossas vidas.

Então elas não são exatamente verdades, mas opiniões. É obvio que McGrath, assim como outros religiosos, usam o termo “Verdade” para expressar algo que não é necessariamente “verdade”, mas algo que eles sentem que pode ser verdade (uma crença), mas não querem analisar sob o escopo da razão:

Eu não posso provar que democracia é melhor do que fascismo, eu não posso provar que existe um Deus, assim como meus colegas ateus não podem provar que não existe nenhum Deus. Eu não posso provar que eu estou certo quando digo que nós devemos ajudar aqueles que são marginalizados e desalojados. […] Mas isso não é causa para preocupação. Porque todo mundo sabe que as coisas realmente importantes na vida estão além da razão.

Então, aparentemente, eu sou exceção. Até onde posso conceber, é possível fazer um argumento ético sobre a superioridade da democracia em relação ao totalitarismo, assim como podemos fazer argumentos lógicos em favor da conclusão de que Deus existe ou que não existe. Nada disso está além do escopo da razão. O fato de que McGrath consegue chegar nessas conclusões sem corrobora-las através de argumentos lógicos não implica que toda conclusão irracional é válida. Pelo contrário, isso apenas implica que McGrath não pode discutir logicamente sobre o assunto, enquanto eu e outros que não jogamos a razão pela janela (ateus e teístas) ainda podemos.

Como adendo final, ele coloca:

Nós fazemos a pergunta: qual sistema de crenças é mais racionalmente baseado, dá mais sentido à vida, trás estabilidade, dá entusiasmo! Eu você sabe, eu me fiz essa pergunta muitos anos atrás e eu achei a resposta. E é por isso que eu sou agora um cristão.

Visto que McGrath descarta razão como um instrumento válido para avaliar a existência de Deus, fica claro que McGrath não está argumentando que razão, bem estar, estabilidade e entusiasmo provam a existência de Javé, mas sim que tudo isso justifica sua filiação à fé cristã.

Deus? Bem, esse pode muito bem não existir. Pelo menos é o que a razão me diz.

Bispo Luiz Gonzaga Bergonzini defende dogma em detrimento da ciência?

Aparentemente liberdade de expressão vai muito bem com Catolicismo. Pelo menos é o que parece defender Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo emérito da Diocese de Guarulhos. Em seu site, ele coloca que a PUC “Não pode ter em seu corpo docente professores contrariando os ensinamentos da Igreja Católica, dentro ou fora da sala de aula.” O motivo é simples: a PUC é da Igreja Católica e a dona da bola dita as regras.

Aparentemente o tal comentário foi estimulado pelas posições militantes do professor de jornalismo Leonardo Sakamoto, conhecido por sua defesa dos direitos humanos, liberdade de expressão e por ter um sorriso incrivelmente perturbador. De qualquer forma, d. Bergonzini não vê os esforços do dr. Sakamoto sob essa luz, dando a entender que ele é um dos “professores abortistas, defensores da eutanásia, da liberação da maconha, da ideologia homossexual ou comunistas”.

Leonardo Sakamoto – Adora fazer longas caminhadas na praia após um aborto.
Palavras duras para um Homem de Deus. Mas estaria ele correto na sua colocação? Bem, conceitualmente acredito que sim. Afinal, se os professores da PUC assinam um contrato afirmando que irão apresentar “reflexão incessante, à luz da fé católica”e “fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja”, e se as atitudes do Sakamoto distoam do que é considerado como a “mensagem tal como é apresentada pela Igreja”, então a PUC estaria mais que justificada em se desfazer de um professor que não está de acordo com as normas institucionais. 
Mas ser anti-aborto é uma posição dogmática da Igreja Católica? Certamente isso não está na Biblia. Até onde sei, grande parte do fervor anti-aborto religioso vem da noção de que a alma adentra o corpo durante o momento da concepção, idéia endossada por algumas passagens bíblicas, principalmente por Jeremias 1:5: 

Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações. 

, dando a entender que, segundo alguns, Deus nos conhece a antes do nascimento e até antes de nossa concepção. Existem vários furos para tal tipo de interpretação, obviamente, e para cada passagem anti-aborto é possível colocar uma que pode ser interpretada como pró-aborto. Definitivamente Deus não tem problemas com eviscerar mulheres gravidas. Talvez exista alguma tecnicalidade que eu desconheça nesse ponto. Mas de uma maneira ou outra, a posição anti-aborto está normalmente relacionado a segmentos cristãos da sociedade. Curiosamente, Dom Bergonzini foi um dos membros da igreja católica que se posicionou contra a eleição presidencial de Dilma e de todos os políticos favoráveis à legalização do aborto.


Dom Luiz Gonzaga Bergonzini: ele poderia ter sido abortado.

O ponto, ao meu ver, é que Dom Bergonzini está defendendo uma visão particular dos ensinamentos Biblicos que, por algum acaso é a endossada oficialmente pela Igreja Católica. Do Código de Direito Canônico:

Cân. 1398 — Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae

O que me pergunto é se o Bispo estaria disposto a aplicar a mesma lógica em todas as áreas do conhecimento? Afinal, apesar da igreja Católica se colocar como grande defensora da ciência, algumas pequenas idiossincrasias existem de forma tão ou mais explicitas quanto a condenação ao aborto. O Human Generis, documento no qual o papa Pio XII declara a posição da Igreja Católica em relação às teorias sobre a origem do homem, deixa bem claro que apesar dos fiéis poderem aceitar a evolução, nem todas as teorias podem ser assimiladas tão facilmente:

Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.

Ou seja, católicos que seguem o Human Generis podem aceitar que Adão e Eva surgiram através de evolução, mas não que eles eram membros de uma população maior de “proto-humanos” (ou que os nomes faziam referências a populações de pessoas, e não a pessoas). O problema disso é que sabemos que as populações humanas nunca tiveram um numero inferior a 10 mil indivíduos, e sabemos disso a partir de estudos de genética populacional humana. Seria o Bispo contrário ao ensino genética de populações na PUC, visto que as conclusões desses estudos ferem dogmas religiosos? Estaria ele disposto a sacrificar ótimos cursos de pós-graduação, como o de programa de Zoologia da PUC/RS, um dos únicos do Brasil com nota 6 da CAPES, apenas porque seus professores se valem de ferramentas que descreditam a existência de um Adão e uma Eva literal?

Ou talvez seja melhor reconhecer a possibilidade de que dogmas religiosos podem estar errados?