8 de março – Dia Internacional da Mulher: os direitos conquistados

Comemorando as conquistas dos direitos das mulheres

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A busca pela existência de regras que assegurem a posição da mulher na sociedade, de forma paritária aos homens, é uma constante diante da persistente situação de vulnerabilidade da mulher. O homem detém ele mesmo o poder econômico, político e jurídico, podendo decidir pela distribuição dos bens, dos serviços, bem como por quais leis serão aprovadas. A preponderância do homem nas decisões acaba por refletir os seus interesses, desconsiderando os interesses da mulheres, muitas vezes excluindo-as. 

Alba Idaly Munoz Sanchez e Maria Rita Bertolizzi, ao enfrentarem o conceito de vulnerabilidade para a promoção da saúde coletiva, trouxeram importante contribuição sobre o significado da vulnerabilidade pela literatura [1]. Citando Watts e Bohle, as autoras esclarecem que a vulnerabilidade precisa ser compreendida em três perspectivas [1]. A primeira refere-se à proteção jurídica em torno do indivíduo que se considera. A segunda consiste no empoderamento no que toca à participação política e institucional. A terceira é a política extraída da organização estrutural-histórica da sociedade [1]. 

A mulher se enquadra nessas três perspectivas, eis que ela precisa lutar pelo reconhecimento de direitos aplicáveis apenas aos homens. Mesmo constituindo a maioria da população, as mulheres não ocupam a maioria dos cargos políticos e diretivos, que continuam concentrados nos homens e a história da sociedade demonstra que a posição da mulher está ligada ao contexto histórico, político e religioso. Diante dessas perspectivas, é possível traçar a evolução e a luta das mulheres que visam a transcendência da individualidade para uma proteção universal de direitos. 

Como cita Rebecca Viana em publicação [2] no portal Jus, a

 “história do direito feminista é dividida em três períodos no decorrer do tempo, desde direito ao voto, divórcio, educação e trabalho, nos séculos 18 e 19 e direitos sobre a liberação sexual e uso de contraceptivos na década de 1960 e a luta por igualdade no mercado de trabalho nos anos de 1970, todavia, a luta perdura até os dias de hoje”.

O direito ao voto só foi conquistado pelas mulheres no Brasil, em primeiro momento, em 1927 no Estado do Rio Grande do Norte que estabeleceu o voto feminino [3]. Em segundo momento, em nível nacional, o voto foi permitido às mulheres no Código Eleitoral de 1932, mas somente àquelas com escolaridade [3]. A Constituição da República de 1934 constitucionalizou o direito ao voto pelas mulheres, mas somente às mulheres que exerciam função remunerada em cargos públicos. O direito ao voto de forma universal às mulheres foi previsto efetivamente apenas na Constituição de 1946 [3]. Isso considerando que o Brasil é uma república desde 1889, em tese. 

O direito ao voto foi um marco na história feminista, pois possibilitou a participação da mulher nas decisões. Mas os direitos políticos das mulheres estão longe de se constituírem eficazes, tal como os do homem. Por exemplo, os direitos políticos apresentam duas vertentes: o direito de votar e o direito de ser votado. As mulheres ainda precisam continuar a luta pelo direito de serem votadas. Em pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) realizada em 2018 sobre um monitoramento feito pela Inter-Parliamentary Union a respeito da presença de mulheres em Câmara de Deputados, em ranking de 190 países, o Brasil estava na 152ª posição no percentual de mulheres parlamentares correspondente à 10,5% em relação à média global de 23,6%, em dezembro de 2018 [4]. Atualmente, em trâmite no Senado Federal, existem cinco projetos de lei e duas propostas de emendas à Constituição que estabelecem meios de proteção da participação da mulher na política, como a reserva de pelo menos 30% dos lugares para cada sexo na composição dos órgãos partidários [5].

Outro direito que a mulher luta pela proteção é o acesso à educação. Em estudo sobre os direitos adquiridos pelas mulheres no Brasil (e no Oriente Médio), focado no acesso desde o ensino básico ao superior, Rebecca Viana destaca que o ensino das meninas foi, por muito tempo, limitado a aulas particulares em casa ou em conventos no período colonial (Brasil Colônia de 1530 a 1822) [6]. O direito de frequentar escolas começou com uma pequena participação nas escolas públicas mistas do século 19, em sequência, no ensino primário e depois no ensino superior. E o acesso mais amplo ao conhecimento permitiu que as mulheres conquistassem ainda mais direitos. 

Mesmo mulheres representando hoje a maioria tanto na educação básica quanto no ensino superior, esse cenário não se reflete no mercado de trabalho e na equiparação salarial. Assim, nota-se que o Brasil avançou no aumento das mulheres nas cadeiras de escolas e universidades, porém havendo ainda muitas melhorias a se alcançar.

O contínuo avanço na luta pelos direitos das mulheres pode ser depreendido também na conquista das legislações que visam combater a violência contra as mulheres. A violência contra a mulher é um fato na sociedade brasileira diante da objetificação do corpo da mulher que decorre desde o Brasil colônia [7]. Para se ter uma ideia, até os dias atuais, em casos criminais de lesão corporal, homicídio ou feminicídio, a defesa do agressor utiliza-se de uma tese que é admitida por certas decisões judiciais de legítima defesa da honra. A tese se sustenta no impulso do agressor em agir por ciúmes ou por paixão ao se deparar, por exemplo, com a infidelidade que o tiraria do seu estado psíquico normal e poderia inocentá-lo por não ter agido com culpa. Essa tese é usada até hoje em pleno ano 2021 e, pela luta das mulheres, será agora apreciada pelo Supremo Tribunal Federal para declará-la inconstitucional [8]. 

Ou seja, a luta das mulheres é constante e deve ser cada vez mais fortalecida. Como observa Lilia Moritiz Schwarcz [9]:

quanto mais as mulheres vão conseguindo impor sua independência e autonomia, tanto maior tem sido a reação masculina e a demonstração de misoginia”.

Por isso que o dia internacional da mulher existe para que haja a conscientização de que a mulher precisa ter a proteção jurídica, com a previsão de direitos que assegurem a igualdade entre as mulheres e os homens, conforme previsto no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 [10]. 

É possível contestar a igualdade de gênero por diferenças biológicas?

As mulheres foram tão desvalorizadas e desacreditadas pela sociedade historicamente que foram necessárias justificativas biológicas para explicar que, ainda que haja diferenças nos cérebros de mulheres e homens, não há qualquer correlação entre a competência e inteligência. Durante os últimos 30 anos, pesquisas sobre essas diferenças entre os cérebros explodiram, mas muitos desses estudos são inconclusivos, é o caso de um breve artigo da Nature [11] cujo estudo demonstrou que o processamento da linguagem não é distribuído uniformemente nos hemisférios cerebrais, porém outro estudo em 2008 provou que a declaração não é valida [12]. Este tipo de estudo tem se repetido durante a história, mas o mais chocante foi aquele publicado em 1985 onde o psicólogo Gustave Le Bom, declarou que “as mulheres são as formas mais inferiores da evolução humana” e a partir desse momento aumentaram-se as buscas para provar a inferioridade da mulher ao mesmo tempo que outros estudiosos buscavam demonstrar que essas pesquisas eram inconclusivas ou até que continham falhas nos procedimentos [13].

As mulheres têm sido discriminadas há muitas gerações, podendo mencionar um caso polêmico até os dias de hoje, com a publicação do livro de Charles Darwin “A origem do Homem” (1971) onde o autor afirma a superioridade masculina. Este acontecimento despertou ainda mais movimentos sociais, como as mulheres chamadas “feministas darwinianas”, defensoras da evolução biológica e da igualdade de sexos. Dentre os nomes mais conhecidos está a escritora americana Helen Hamilton Gardener [14] que se considerava feminista evolutiva e envolveu-se profundamente em resolver questões sobre as diferenças biológicas de ambos os sexos. Em 1988, Gardener publicou um dos artigos mais conhecidos “Sexo no cérebro”. Ela trabalhou muito para mostrar que as diferenças físicas entre mulheres e homens não indicam nenhum tipo de inferioridade mental ou de qualquer outro tipo. Ela defendia que o tamanho dos cérebros não significava mais ou menos inteligência. Para contribuir à ciência, em 1897, ela decidiu doar o seu cérebro para realizar pesquisas a respeito e mostrar de uma vez que o cérebro das mulheres não era de nenhuma maneira inferior ao do homem. Ela morreu em 1925 e o Dr. James Papez realizou vários estudos, sendo os únicos resultados a importância da educação para a capacidade intelectual da humanidade.

Uma frase [15] famosa desta notória cientista já afirmava que 

as mulheres precisam de ciência assim como a ciência precisa das mulheres”.

Que possamos lembrar da importância da defesa dos direitos das mulheres não só nesta data, mas todos os dias.

Feliz Dia das Mulheres!

Autoras: Luisa F. Ríos Pinto, Regiane A. de Oliveira, Carolina F. Ferreira, Gabriela F. Ferreira, Paula Penedo P. de Carvalho

Referências

[1] MUNOZ SANCHEZ, Alba Idaly; BERTOLOZZI, Maria Rita. Pode o conceito de vulnerabilidade apoiar a construção do conhecimento em Saúde Coletiva?. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 319-324, Abr. 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232007000200007&lng=en&nrm=iso Acesso em 04  Mar.  2021. 

[2] VIANA, Rebecca. O direito à educação das mulheres no Brasil e Oriente Médio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4998, 8 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53655. Acesso em: 3 mar. 2021.

[3] BESTER, Gisela Maria. Aspectos históricos da luta sufrágica feminina no Brasil. Revistas de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 15, n. 21, p. 11-22, 1997. Disponível em < https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/23351/21028> Acesso em 04 abr. 2021

[4] SILVEIRA, Daniel. Em ranking de 190 países sobre presença feminina em parlamentos, Brasil ocupa a 152ª posição. G1, Política. Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/em-ranking-de-190-paises-sobre-presenca-feminina-em-parlamentos-brasil-ocupa-a-152-posicao.ghtml Acesso em 04 mar 2021

[5] Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/02/propostas-em-analise-no-senado-ampliam-participacao-da-mulher-na-politica Acesso em 04 mar 2021

[6] Ver em https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/historia/brasil-colonia

[7] Lilia Moritiz Schwarcz ao discorrer sobre a cultura do estupro no Brasil faz a seguinte observação: “uma das primeiras gravuras conhecidas da América, datada de cerca de 1580, também tratou de imaginar um ‘amistoso’ encontro entre o Velho e o Novo Mundo. Nela, o europeu é representado como um homem branco que domina uma série de símbolos ligados à civilização: o astrolábio, as caravelas, o estandarte, os sapatos e o excesso de roupas. América, por sua vez, surge no corpo de uma mulher, praticamente nua e deitada numa rede, mostrando que o Novo Mundo andava preguiçoso e lânguido, apenas aguardando a chegada do Velho. As associações com a barbárie são igualmente óbvias: a falta de vestimentas a cobrir o corpo de América, os pés descalços, os animais exóticos a rodeá-la e sobretudo as cenas de canibalismo ao fundo. Mas há outro detalhe significativo: ela estende um dos braços na direção do conquistador, como se desejasse a ‘invasão’ e o convidasse para esta.” (SCHWARCZ, Lilia Moritiz. Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 189)

[8] Disponível em <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461297&ori=1> Acesso em 04 mar. 2021

[9] SCHWARCZ, Lilia Moritiz. Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 187

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

[11] Ver em https://www.nature.com/articles/373607a0

[12] Ver em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18359009/

[13] Ver em https://pebmed.com.br/ha-diferencas-no-cerebro-de-homens-e-mulheres/

[14] Ver em https://en.wikipedia.org/wiki/Helen_H._Gardener

[15] Ver em https://mujeresconciencia.com/2016/02/24/cerebro-femenino-cerebro-masculino/?fbclid=IwAR35XbZb_ZMW6U7jcQeSN26BlMmKfbOJoep4iP9cajYEt8j9DzK7wD-HXC8)

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