Sopros de outros tempos e espaço: como foi participar de uma conferência de zines

Nasci no final da década de 1980. Dentro da convivência intergeracional do nosso laboratório, sou uma das mais velhas. Compartilho com algumas colegas algo que as mais jovens não viveram: um mundo pré-internet, e a experiência da primeira internet, que é muito, muito diferente desta que temos hoje. Não tenho outro jeito de começar esse texto sem ser assim, nostálgica, porque foi desse jeito que me senti quando um pacote grande e pesado finalmente chegou nas minhas mãos, vindo dos correios com remetente do Canadá. O que tinha em minhas mãos era literalmente um congresso internacional no formato de zines.
Já escrevi outras vezes aqui sobre atividades do laboratório com zines. Conheci os zines no movimento punk, quando era adolescente. Para a ética punk de ajuda mútua e faça-você-mesmo, o zines sempre foram modos de fazer comunidade, contar novidades, espalhar a palavra da autonomia. Naquela época, vivíamos num mundo de internet discada, onde a comunicação tinha outro tempo-espaço. O pacote cheio de zines me deslocou para o que persiste neste mundo das tecnologias de comunicação que me formaram.
Ano passado Daniela e eu participamos o DIY Methods 2024, uma “conferência de participação remota, sem telas, cheia de zine, sobre métodos experimentais para pesquisa e intercâmbio de pesquisas”, organizada pelo The Low-Carbon Research Methods Group, coordenado por Anne Pasek da Trent University. Recebi o pacote depois de idas e vindas pelos sistemas internacionais de correios. O pacote chegou no Brasil, parou na alfândega e voltou para o Canadá, e após alguns ajustes burocráticos-mágicos (tipo escrever “documentos” na descrição do conteúdo, e colocar meu CPF depois do meu nome), o pacote finalmente chegou. Depois de quase oito meses. De fato, outro tempo-espaço de trocas de informações, e como sempre particularmente demorado quando estamos na periferia do mundo.
O objetivo do congresso é, por um lado, realizar um experimento de outras mídias e temporalidades, mas também tensionar os métodos tradicionais de pesquisa. Acho que nunca havia estado em um espaço onde a experimentação metodológica fosse discutida com tanta profundidade e entusiasmos, por tantas vozes diferentes. Dentro da minha heresia marxista, acredito que não seja possível uma mudança da realidade que não passe por uma reconfiguração da materialidade. E na ciência, a realidade material é concretizada nos métodos que escolhemos para produzir nossos dados. Por isso que, para mim, pensar sobre métodos é fundamental para produzir uma ciência politicamente interessante.

Ainda estou lendo os zines, e quem sabe escreva um post de mais fôlego apresentando os que achei mais interessantes, como por exemplo o “Publish or Perish”, que é um zine-jogo-ficção sobre os dramas de fundar uma revista científica. Mas por hoje gostaria de contar sobre a minha felicidade por esses encontros, e convidar você a saber mais sobre essa iniciativa, e quem sabe participar esse ano! Fique de olho na página do DIY Methods para saber as datas de inscrição.
Descrição da imagem: Zines do congresso DIY Methods 2024, com destaque para o zine “Pequeno manual feminista para sobrevivência na universidade”, de Daniela Manica e Clarissa Reche