O sabão contra a COVID-19

por | maio 18, 2022 | Textos | 0 Comentários

O Clube da Ducha: Higiene que garanta saúde não deveria ser segredo para ninguém.

    É provável que muitos de nós já estejamos um pouco estressados e pensando “eu não aguento mais lavar as compras que chegam do supermercado”. Com a pandemia, o que nos ensinava a música do Castelo Rá-Tim-Bum “lava uma mão, lava a outra” voltou a ser (ou virou) rotina para muitos brasileiros. Lavar a mão (e as compras) e o uso do sabão são tão fundamentais nessa luta contra o coronavírus e nesse texto gostaríamos de explicar um pouco mais da química desse processo tão simples e eficaz.

Cyntia Almeida, Gian Carlo Guadagnin

    Com a pandemia do novo coronavírus, muitas pessoas passaram a procurar soluções e maneiras de prevenir a entrada do vírus em suas casas. Surgiram até mesmo recomendações afastadas das indicações científicas, vinculados a um caráter mágico ou milagroso, indicações de medicamentos sem comprovação, a recomendação da ingestão de substâncias agressivas, como água sanitária, a aplicação de gases reativos em algumas regiões do corpo, dentre outras propostas sem sustentação. O problema é que, além de ineficientes, tais métodos geram riscos à saúde como pode ser visto aqui e aqui.

    Ainda na contramão do que se espera de indivíduos tão preocupados com a saúde (o que não julgamos, já que nesses tempos a preocupação deveria ser de todos), vemos a não-utilização correta de instrumentos que poderiam realmente fazer diferença nos cuidados coletivos e pessoais, como a utilização de máscaras, a não aglomeração e o respeito às recomendações de distanciamento social. 

    Tudo isso pra dizer que nesse carnaval de tentativas absurdas e de desrespeito às tentativas de controle e prevenção do contágio da doença, uma das regras básicas de higienização pode fazer bastante diferença: o uso da higienização com o sabão. Mas por que lavar com sabão funciona? Para compreender é preciso olhar primeiro a estrutura do vírus.

O que são os vírus e como é sua estrutura?

    A palavra vírus começou a ser usada em 1930, e seu significado em latim é “veneno”. Antes disso os pesquisadores sabiam que existia uma partícula tão pequena e impossível de ser enxergada com os microscópios que existiam na época e denominada contagium vivum fluidum – um fluido contagioso. 

    Em 1935, o químico Wendell Stanley, conseguiu pela primeira vez isolar o vírus do mosaico do tabaco e assim começaram os estudos sobre a estrutura desses “seres”, ao mesmo tempo que ocorria a invenção do microscópio eletrônico, o que facilitaria a pesquisa da virologia.

    Esses pequenos microrganismos são compostos basicamente por uma parte interna (ácido nucleico) e um revestimento. Mas o que isso significa? O ácido, pode ser composto de RNA ou DNA e são os responsáveis diretos por afetar nosso organismo – são patógenos. O revestimento é chamado de capsídeo e é formado por proteínas e gorduras. Essa “carcaça” protege o material genético até ele encontrar nossas células1.

    Os vírus não são considerados organismos vivos mas após penetrar a célula hospedeira ocorre a ativação do ácido nucleico na célula infectada. Antes disso o patógeno está inativado e, por isso, não é considerado vivo. E aqui está a primeira informação importante: o vírus está inativado até entrar em contato com as células das membranas mucosas e se o eliminarmos nesse momento evitaremos sua ativação. Uma segunda informação importante é a de que muitos estudos já mostraram que o vírus pode sobreviver durante períodos de tempo diferentes em determinadas superfícies. 

    Dito isso, vamos agora entender o que é o tal do sabão. 

O que é o sabão?

    Basicamente (a-há!), as substâncias presentes no sabão são produzidas por uma reação entre componentes comumente presentes em óleos e gorduras (ácidos e ésteres graxos – na terminologia da química), água e álcalis ou uma substância básica. 

Figura 1: Esquema da reação de saponificação.
Fonte: Sala Cinco/Gian Carlo Guadagnin.

    Mas calma, se eu colocar água e óleo em um mesmo recipiente, eles não vão se misturar. Isto está certo e é aí que está a importância da transformação promovida pela base ou álcalis. Você já deve ter ouvido falar de pessoas que fazem sabão usando óleo utilizado ou banha. Temos até sabões veganos hoje, aqueles que usam óleos de plantas cultivadas de forma orgânica. 

    A receita básica de um saponáceo é a mesma daquelas encontradas em antigas escrituras (óleo + água + álcalis). O termo Álcali é árabe, e significa algo que podemos traduzir como “corrosivo”. Os sumérios já utilizavam esse termo para caracterizar substâncias em 3000 a.C. As substâncias alcalinas, ou básicas/adstringentes, são compostas de matéria, cujo pH (sim, olha ele aqui de novo) é maior do que 7, isto é, elas são o “contrário” dos ácidos, mas por também terem características reativas, pela presença de íons (OH-) interagem e quebram, outras substâncias. 

    Assim, quando você promove a mistura de uma base com uma espécie “gordurosa / oleosa”, ocorre uma transformação e um novo composto é produzido, com características bem particulares, e capaz de interagir com diferentes substâncias, inclusive com água e óleo ao mesmo tempo. O sabão pode ser considerado uma espécie com “cabeça” e “cauda”. A cabeça é hidrófila (ou seja, por ter uma carga iônica é polar e assim tem atração pela água que também é polar), enquanto a cauda é hidrófoba e lipófila (avessa à água e atraída pela gordura). Em outras palavras, é atraída pela água, de um lado, e por óleo ou gordura, do outro lado.

    Mas e o vírus, onde entra nessa história?

Figura 2: Esquema da estrutura da molécula de sabão em projeção de traços.
Fonte: Sala Cinco/Gian Carlo Guadagnin.

Lava uma mão/lava a outra. Como o sabão funciona?

    O poder de remoção de sujeiras e eliminação de vírus e bactérias está também em como as espécies, as partes constituintes, estão organizadas na molécula. Pois então, quando lavamos as mãos, fazemos com que as moléculas se organizem de forma a interagir ao mesmo tempo com a água e a sujeira. 

Figura 3: Esquema da formação de micelas.
Fonte: Sala Cinco/Gian Carlo Guadagnin.

    À medida que as “cabeças” se estendem para interagir com à água, as “caudas” se voltam para dentro para se proteger da água enquanto interagem com a sujeira (no nosso caso, os vírus). As forças de interação entre as moléculas são tão grandes que “levantam” a sujeira da superfície, recolhendo as substâncias em pequenas “gaiolas” moleculares, que chamamos de micelas. Essas micelas são carregadas pela água.

Figura 4: Esquema da atuação de micelas sobre vírus.
Fonte: Sala Cinco/Gian Carlo Guadagnin.

    Com vírus e bactérias (sujeiras), as caudas da molécula de sabão interagem com a membrana externa do patógeno, que é formada por gordura, e a rompem pela força das interações. Os pedaços dos contaminantes inativados (lembra que o vírus só se ativa quando penetra nas células?) são espalhados e carregados pela água, impedindo sua capacidade de infecção.

Tirando a limpo.

    Na luta contra a COVID-19 o prêmio da boa saúde está em disputa no ringue e não são necessárias táticas complexas ou caras, apenas 20 segundos de batalha. Mas por que 20 segundos?

    Bom, porque leva algum tempo para que as moléculas cheguem em todos os lugares, e, além do sabão e da água, para que a interação entre as substâncias seja efetiva e eficiente é preciso espalhar e atritar o agente de limpeza sobre o local que se deseja sanitizar. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda esfregar “os pulsos, as palmas e costas das mãos, os espaços entre os dedos em um movimento entrelaçado, fechando os punhos em torno de cada polegar e esfregando as pontas dos dedos nas palmas das mãos. ”

    Um detalhe importante é que sabão comum já resolve tudo. Não há provas científicas de que sabões e detergentes ‘antibacterianos’, com formas de ação e substâncias diferentes, são mais eficientes contra os vírus. Na verdade, não funcionam tão bem, a menos que incluam no mínimo 60% de álcool. Isso devido ao fato de que vírus e bactérias são coisas bastante diferentes e os produtos antibacterianos não afetam os vírus. 

    Para finalizar, lembre-se que um bom banho, lavar as mãos e higienizar as compras é muito mais seguro e eficiente que tomar medicamentos sem funcionamento comprovado e ainda correr o risco de tornar as bactérias e vírus mais fortes. Tudo o que você precisa é de um pouco de água e sabão e uma esfregadinha. Entre para o Clube da Ducha e mande o vírus embora, indo direto da porta da rua para o ralo. É mais básico do que você pensava não?

Referências.

1. G, TORTORA. B, FUNKE. C, CASE; Microbiologia. 12, ed. p. 359. 2017. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=L98_DQAAQBAJ&pg=PR17&dq=caracter%C3%ADsticas+dos+v%C3%ADrus&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjkjNeA7M_pAhX0IbkGHR6kBe0Q6AEIKDAA#v=onepage&q&f=false>

2. BBC Brasil. Coronavírus: o que o sabão faz com o vírus cauda Covid-19. Abril, 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-52096406>

3. UNESCO. Como o sabão mata o Covid-19 nas mãos das pessoas. Abril, 2020. Disponível em: <https://pt.unesco.org/news/como-o-sabao-mata-o-covid-19-nas-maos-das-pessoas>

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