Vamos abrir as escolas? Parte 3

por | maio 20, 2022 | Textos | 0 Comentários

    Já discutimos nos primeiros textos da série questões importantes relacionadas a possível abertura das escolas. Buscamos falas de especialistas e discutimos falácias irresponsáveis. Temos clareza que, ainda que pudéssemos pensar na abertura, uma série de protocolos deveriam ser seguidos e uma infraestrutura mínima deve estar à espera dos alunos, alunas, professores e professoras. Pois bem, podemos então pensar um pouco sobre essa estrutura que (não) temos e para termos clareza do quão longe (ou perto) essa história vai.

Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Junior

  Reconhecendo que as desigualdades se acentuam com a ausência de um projeto educacional e reconhecendo também que as condições sanitárias não são ideais para o retorno (e traremos dados sobre isso), nos cabe a pergunta: é possível planejar o ensino nestes meses finais que nos restam para o fim do ano? É mais inteligente e mais sensato quando nos atentamos aos exemplos da nossa realidade e pesamos as possibilidades que nos são factíveis, do que sair por aí comprando exemplos internacionais que não se encaixam nas nossas salas.

A(s) escola(s) no Brasil

  Dois dos fatores mais importantes no controle da pandemia do novo Coronavírus, já assinalados nos diferentes protocolos, são o distanciamento social e as condições sanitárias, os quais atingem como uma bomba o espaço escolar brasileiro.

  Segundo dados do Censo Escolar de 2019(1), divulgados pelo INEP, a média nacional de alunos por turma varia entre (mínimo) 14,3, na creche, e 31,1 (máximo) no Primeiro ano do Ensino Médio, todavia esse valor chega a 36,5 em algumas regiões do nordeste, por exemplo(2). Esses números são muito superiores aos cerca de 20 alunos/turma da média dos países da União europeia(3), da qual fazem parte os que afirmam (de forma enganosa) que o contágio da doença não foi agravado pela volta às aulas presenciais.

Sobre a realidade aqui, ainda tem mais…

  Ainda, a qualidade sanitária das instituições escolares também é muito diferente. Muitas escolas do Brasil não dispõem de papel higiênico, por exemplo, para todos os estudantes, ou então obtém sua água de cisternas e essa é a única forma possível de alguma tentativa de higienização. Em casos piores não há nem mesmo unidades de saúde próximas e, assim, quem faria a checagem do estado de saúde desses estudantes e professores?

  Há que se considerar também que em muitos casos, como na educação básica, boa parte das relações são construídas pelo toque, pelo contato direto, e então não faz sentido levar a criança à escola para que ela tenha uma educação psicossocial, se estaremos limitando ou proibindo essa ação. Ou seja, o argumento acaba em si mesmo e, portanto, não se justificaria.

Mas tem mais ainda? Sim…

  Voltando aos dados de infraestrutura, temos um grande número de escolas que funcionam em dois ou até três turnos. Ou seja, um conjunto de estudantes que frequentam as aulas no período da manhã, um novo conjunto de estudantes à tarde e outro à noite o que implica que para cumprir as condições sanitárias, a escola deveria ser sanitizada(4) totalmente entre os turnos.

  Como será o controle das condições de entrada? Como está sendo planejado a sanitização dos ambientes? Quais as estratégias de acompanhamento da disseminação do vírus? As perguntas de quem está diretamente envolvido com o retorno, ou seja, alunos e professores, são muitas.

  Quem defende a volta com base na experiência internacional de países desenvolvidos, por outro lado, não parece se perguntar. Um terceiro lado sequer se importa porque não é a sua realidade. Todavia, no meio de tudo isso, poucos se preocupam com as recomendações de caráter internacional, ou com a necessidade de um plano de retomada pensado para o país. Incluímos nesse grupo os ministros e ex-ministros e demais coordenadores do ministério da educação do atual governo.

O que podemos fazer?

  Mas se não retornarmos, o ano estará perdido? Sem dúvidas, a qualidade de qualquer intervenção educacional remota e, nesse momento, adaptada, é inferior ao ensino que foi planejado presencialmente. Não questionamos esse fato. Os primeiros meses de pandemia deixaram claro que a adaptação ao ensino remoto escancarou as desigualdades e tolheu a possibilidade de estudo de muitos estudantes. No entanto, para garantirmos as condições de saúde, defendemos que o retorno presencial não ocorra e que seja possível, com a compreensão da situação, e o desenvolvimento de ações estruturadas em estratégias de acesso no intuito de “devolver” a educação àqueles de quem ela foi tirada.

  Desse modo, a pergunta que deveríamos ter feito não é “devemos retornar?”, porque as recomendações são claras(5), mas, sim, deveríamos questionar “como planejar e executar o trabalho com a situação remota?”. E ainda, “como planejar e executar ações que suportem os aprendizados perdidos nesse ano?”. Essas são questões que, antes de tudo, devem levar em consideração a especificidade dos municípios e, sem dúvida nenhuma envolver os diferentes atores da comunidade escolar.

  Dessa forma, a esfera online, mais segura no momento, deve funcionar se governos e indivíduos articularem ações. Algumas recomendações já têm sido feitas nesse sentido, como as destacadas na sequência, indicadas pela UNESCO(6). Deve-se ressaltar que o acesso à educação é direito constitucional universal de todo cidadão e, assim, dever do poder público de fazer todo o necessário para que mesmo o indivíduo mais afastado e vulnerável não fique em desvantagem.

1 – Analisar a resposta e escolher as melhores ferramentas

    Escolher as tecnologias mais adequadas de acordo com os serviços de energia elétrica e comunicações disponíveis, bem como as capacidades dos alunos e professores. Isso pode incluir plataformas na internet, lições de vídeo e até transmissão através da televisão ou rádio.

2 – Assegurar-se de que os programas são inclusivos

    Implementar medidas que garantam o acesso de estudantes de baixa renda ou com deficiências. Considerar instalar computadores dos laboratórios da escola na casa dos alunos e ajudar com a ligação à internet.

3 – Estar atento para a segurança e a proteção de dados

    Avaliar a segurança das comunicações online quando baixar informação sobre a escola e os alunos na internet. Ter o mesmo cuidado quando partilhar esses dados com outras organizações e indivíduos. Garantir que o uso destas plataformas e aplicações não violam a privacidade dos alunos.

4 – Dar prioridade a desafios psicossociais, antes de problemas educacionais

    Mobilizar ferramentas que conectem escolas, pais, professores e alunos. Criar comunidades que assegurem interações humanas regulares, facilitando medidas de cuidados sociais e resolvendo desafios que podem surgir quando os estudantes estão isolados.

5 – Organização do calendário

    Organizar discussões com os vários parceiros para compreender a duração da suspensão das aulas e para decidir se o programa deve centrar em novos conhecimentos ou consolidação de currículo antigo. Para organizar o calendário é preciso considerar as áreas afetadas, o nível de estudos, as necessidades dos alunos e a disponibilidade dos pais. Escolher metodologias de ensino de acordo com as exigências da quarentena evitando métodos de comunicação presencial.

6 – Apoiar pais e professores no uso de tecnologias digitais

    Organizar formações e orientações de curta duração para alunos e professores. Ajudar os docentes com as condições básicas de trabalho, como rede de internet para aulas por videoconferência e assegurar os pagamentos salariais, principalmente daqueles que apresentam maior vulnerabilidade..

7 – Mesclar diferentes abordagens e limitar o número de aplicações

    Misturar as várias ferramentas disponíveis e evitar pedir aos alunos e pais que baixem ou testem múltiplas plataformas.

8 – Criar regras e avaliar a aprendizagem dos alunos

    Definir regras com pais e alunos. Criar testes e exercícios para avaliar de perto a aprendizagem. Facilitar o envio da avaliação para os alunos, evitando sobrecarregar os pais.

9 – Definir a duração das unidades com base na capacidade dos alunos

    Manter um calendário de acordo com a capacidade dos alunos se concentrarem sozinhos, sobretudo para aulas por videoconferência (assegurando para isso as condições mínimas de vida na alimentação, saúde e habitação). De preferência, cada unidade não deve exceder os 20 minutos para o ensino fundamental e 40 minutos para o ensino médio.

10 – Criar comunidades e aumentar a conexão

    Criar comunidades de professores, pais e diretores de escolas para combater o sentimento de solidão e desespero, facilitando a troca de experiências e discussão de estratégias para enfrentar as dificuldades.

Isso quer dizer que vai funcionar?

  O processo está longe de ser considerado fácil. Desse modo, as recomendações são densas e envolvem parcerias importantes, articulação do Ministério da Educação (praticamente ausente durante toda a pandemia). Além disso, requerem conhecimento técnico, preparo, diálogo, respeito e segurança para os profissionais, estudantes e suas comunidades, além de noção das realidades locais. Mas ainda assim, é mais coerente do que colocar vidas em risco e lidar com a dor.

Finalizando

  Por fim, devemos reiterar que o espaço virtual nunca substitui a experiência de sala de aula na formação do indivíduo. Além disso, uma educação digitalizada não pode ser pensada como terminal. Assim, devemos exigir as adaptações necessárias ao momento e simultaneamente cobrarmos a construção de uma educação universal, válida, eficiente, pública e presente para todos os sujeitos.

  O que estamos vivendo agora é atípico e não pode ser entendido como o novo normal. A educação, quando segura, deve ser presencial. Do contrário, podemos privar indivíduos do acesso, criar novas defasagens e aumentar a desigualdade social, que já nos é tão crassa, ou acabar por fomentar uma educação como negócio, que deve ser considerada um perigo no longo prazo e, portanto, desestimulada.

Referências:

1. Censo escolar no Brasil,
http://portal.inep.gov.br/censo-escolar

2. Alunos por turma 2019 no Brasil,
http://portal.inep.gov.br/web/guest/indicadores-educacionais

3. Alunos por turma no Mundo,
https://novaescola.org.br/conteudo/4475/brasil-esta-entre-os-paises-com-mais-alunos-por-turma

4. Sanitização, o que é?
De água sanitária à radiação: você já ouviu falar em sanitização?

5. ARTIGO: Reabrir as escolas: quando, onde e como?
https://nacoesunidas.org/artigo-reabrir-as-escolas-quando-onde-e-como

6. Covid-19: Unesco divulga 10 recomendações sobre ensino a distância devido ao novo coronavírus
https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706691

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