Retorno às aulas, primeiro dia depois de mais de um ano de isolamento por conta do novo Coronavírus. Entre risos e vozes animadas ecoa um grito gutural vindo da garganta, lá no meio do pátio. De início um choque do inesperado, seguido de pavor de algo ruim com eminente risco a vida e depois a sensação de impotência do que fazer frente ao colega em franca convulsão. Esse relato fictício é algo mais real e presente do que você pode imaginar. E se você estivesse nessa situação, saberia o que fazer? Se sim, parabéns! Se tem dúvidas, esse texto é para você.
Saiba que presenciar uma convulsão é bem comum dado ao que um episódio único de convulsão pode ocorrer em 5% da população. Convulsão é a mesma coisa que epilepsia? Não. A convulsão é um tipo de crise epiléptica caracterizada por perda de consciência, enrijecimento dos músculos seguido de abalos dos braços e pernas que dura de 1 a 2 minutos.
A epilepsia, por outro lado, é uma doença crônica do cérebro que acomete 1% da população. As causas são diversas, sendo uma minoria genéticas, até causas adquiridas como traumatismo craniano, infecções ou acidente vascular cerebral, que geram no cérebro uma propensão de crises epilépticas espontâneas. Essa propensão é resultante da interação de múltiplos fatores desde os genes até o meio ambiente.
Vale a pena salientar que a epilepsia pode ser prevenida a partir do cuidado com a saúde do nosso cérebro, evitando exposição a riscos de lesão. O tratamento medicamentoso por sua vez é muito eficaz desde que o paciente siga a orientação médica, podendo conferir controle total das crises em até 80% dos casos. Quando a medicação não controla as crises, são apresentadas alternativas como a cirurgia para epilepsia. Para isso o paciente passa por uma investigação para diagnosticar o local onde as crises se originam no cérebro e o risco de sequela com a remoção desta área lesionada no cérebro. A cirurgia conforme o tipo de epilepsia e da lesão pode chegar até 80-90% de controle das crises.
E quanto ao canabidiol? Os pacientes com crises não controladas e que não são candidatos a cirurgia, ou os que já fizeram a cirurgia e continuam tendo crises, ou ainda crianças, nas quais tentou-se a dieta cetogênica sem benefício, são pacientes candidatos a uso de canabidiol. Os resultados relatados são promissores e se trata de mais uma opção no tratamento das epilepsias.
E afinal, o que eu devo fazer diante de uma convulsão? Primeiro lugar, mantenha a calma, entenda que é uma crise epiléptica e que apesar de parecer que dura uma eternidade, a duração é de segundos a 1-2 minutos. A pessoa em crise não tem consciência, não tem controle do seu corpo e tampouco sente dor.
Ao ajudar, afaste a pessoa do local ou de objetos que possam causar risco de machucar, proteja a cabeça da pessoa e tente posicioná-la de lado para que não se afogue com a própria saliva. Olhe no relógio para ver quanto tempo passou: se a crise já tiver durado mais de 5 minutos, ou se a pessoa está tendo uma crise atrás de outra sem recuperação da consciência, ela necessita ser removida para um pronto socorro. Nos locais que contam com o SAMU, o número é 192. Passada a crise, é comum a pessoa ter sonolência. Comunique-a sobre ocorrido e se não tiver se machucado não há necessidade de ir a pronto socorro.
Da mesma forma que é importante saber o que fazer, é saber o que não fazer diante de uma convulsão. Mitos e crenças ainda estão muito presentes , sendo importante a ação de falar corretamente sobre a epilepsia e ensinar aos observadores que se amontoam ao redor.
Não contenha o paciente. Não coloque nada na boca da pessoa em crise (existe a crença que a pessoa vai engolir a língua, e isso não acontece). Deixe a língua da pessoa quietinha, não mexa na boca. Não dê álcool ou outra substância para cheirar, não dê água ou remédio, pois a pessoa está inconsciente e pode se afogar. Outros mitos falam de possessão demoníaca, castigo de Deus, sinal de fracasso na vida. Frente a tudo isso, aproveite a oportunidade para dizer que não é nada disso e que se trata de uma pessoa que tem uma doença no cérebro comum e que tem tratamento. Essa sua atitude vai ajudar mudar a triste realidade de muitas pessoas que convivem com esta doença. A epilepsia carrega uma carga de preconceito que impõe à pessoa e sua família um peso emocional grande, com dificuldade de manter laços sociais, amizades, namoros ou inserção em ambientes escolares e de trabalho.
Parece estranho tudo isso a que me refiro, mas pare para pensar… Você conhece alguém com epilepsia? Pois bem, para conscientizar a população sobre a epilepsia, no Brasil adotamos a data de 26 de março, o Purple Day, por se tratar de um movimento mundial em que utilizamos um laço ou uma camiseta roxa (purple) para indicar apoio a esta causa, bem como o dia 9 de setembro que é dia nacional e latino-americano de conscientização sobre epilepsia. Faça parte deste movimento, apoie a causa da epilepsia, fale sobre epilepsia com seus amigos e familiares, e peça para passar adiante essas informações corretas, a fim de que a sociedade possa aprender mais sobre a epilepsia e aceitar a neurodiversidade humana.
Para saber mais:
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Prof. Dr. Li Li Min
Prof. Li Li Min é médico, neurocientista, professor titular e chefe de departamento de Neurologia da Unicamp. Pesquisador principal e coordenador de difusão do www.brainn.org.br. Presidente Fundador da www.aspebrasil.org. Embaixador da Epilepsia pela ILAE-IBE. Siga @DoutorLi no Youtube, Instagram e TikTok.
Muito importante discutir e educar a população sobre este tema!
O blog agradece em nome do pesquisador!