Violência Doméstica na Gestação e Puerpério

Profa. Fernanda Surita, à esquerda e a aluna de doutorado, Odette, à direita. Foto de arquivo pessoal.

Você já se perguntou qual o papel dos profissionais de saúde no enfrentamento à violência doméstica? Nosso blog conversou sobre esse assunto com a aluna de Doutorado do programa de Pós-graduação em Tocoginecologia, Odette Del Risco Sánchez: em seu trabalho, orientada pela Profa. Dra. Fernanda Surita, Odette estudou a questão da violência doméstica, triagem nos serviços de saúde e sua relação com a saúde da mulher, sobretudo em contextos específicos, como na gestação e no puerpério, inclusive no contexto da pandemia de Covid-19.

Para a pesquisa, foram ouvidas 600 mulheres gestantes e puérperas, que frequentavam regularmente os ambulatórios de Obstetrícia do CAISM. Desse total, 23% relataram terem sofrido algum tipo de violência, seja física ou psicológica. Os principais agressores relatados foram parceiros ou ex-parceiros, tendo sido mencionados também outros membros do núcleo familiar, o que “reforça a importância de explorar a vivência das violências que acontecem no núcleo de convívio e nos vínculos afetivos”, afirma a pesquisadora.

Esses resultados corroboram com outros tantos estudos que indicam que, ao contrário do que  acredita o senso-comum, a maioria dos agressores relatados eram pessoas conhecidas das mulheres. Para a pesquisadora, esse indicador “nos faz repensar as representações do espaço familiar como um ambiente livre de violências” e provoca discussões importantes sobre a questão da abordagem da violência doméstica como um problema de saúde pública. 

Ainda segundo Odette, “nossos achados demonstram que a gestação e o pós-parto são momentos nos quais a violência doméstica e por parceiro íntimo podem estar presentes e são ocasiões onde a triagem da violência contra a mulher deve ser valorizada, pois o vínculo com os profissionais de saúde é muito forte e, assim, é uma oportunidade para a abordagem do tema. Várias pesquisas têm mostrado as graves consequências da violência para a saúde da mulher gestante e do recém-nascido, daí a importância de abordar este tema durante a atenção pré-natal e pós-natal”. 

A pesquisa indicou também que os relatos de violência foram mais frequentes antes da pandemia de COVID-19, o que pode ter relação com uma maior dificuldade de acesso aos serviços de proteção causada pelo distanciamento social. Nesse sentido, a pesquisadora destaca a necessidade de se “repensar estratégias efetivas para facilitar o acesso aos serviços especializados àquelas mulheres que se encontram em situações de exposição a violência nas suas mais diversas formas”, explica Odette.

Surpreendeu as pesquisadoras a receptividade das mulheres entrevistadas e de toda a equipe de profissionais em colaborar com a pesquisa, desfazendo a crença de que a abordagem a um tema tão sensível pudesse ser prejudicada pela baixa resposta, em razão do desconforto causado nas mulheres em situação de violência: a garantia de um ambiente favorável, amistoso e acolhedor para a coleta dos dados garantiu a participação efetiva das mulheres convidadas a participar da pesquisa.

As pesquisadoras conduziram ainda uma revisão integrativa com trinta e oito artigos científicos que discutiam estratégias e recomendações para a abordagem da violência contra as mulheres, bem como os diferentes fatores que aumentam as vulnerabilidades das mulheres à violência e como eles foram exacerbados durante o período de distanciamento social. Nestes trabalhos, os profissionais de saúde de diversas áreas foram reconhecidos como fundamentais para detectar e responder à violência, sobretudo durante o período de isolamento imposto pela pandemia.

Imagem da capa da cartilha

Nesse sentido, desenvolveram um material educativo voltado aos profissionais de saúde da atenção pré-natal e pós-natal,  com a finalidade de sensibilizá-los sobre a importância de desenvolver competências profissionais para abordar a questão da violência doméstica. Conheça o material clicando na figura ao lado

As pesquisadores produziram também um editorial que convida os ginecologistas e obstetras a pensarem sobre a importância do seu papel de escuta, acolhimento e realização da triagem, livre de preconceitos, os quais impactam fortemente a saúde das mulheres.

Profa. Fernanda e Odette, foto de arquivo pessoal.

Para o futuro, a pesquisa seguirá com a “realização de uma parte qualitativa, que não pôde ser realizada durante a pandemia” – explica a Profa. Fernanda Surita – e ainda buscará avaliar a implementação da estratégia de abordagem da violência doméstica no serviço de atenção pré-natal e pós-natal nos ambulatórios de Obstetrícia, que ocorreu em virtude dos resultados dessas pesquisas. “Esperamos um maior fortalecimento da implementação da triagem sobre violência doméstica nos ambulatórios mediante a qualificação de residentes e estudantes de Medicina”, acrescenta.

Referências

Violence against women during pregnancy and postpartum period: a mixed methods study protocol. Sánchez ODR, Bonás MK, Grieger I, Baquete AGL, Nogueira Vieira DA, Contieri Bozzo Campos B, Guerazzi Pousa Pereira CG, Surita FG.BMJ Open. 2020 Oct 21;10(10):e037522. doi: 10.1136/bmjopen-2020-037522.

Domestic violence: A cross-sectional study among pregnant and postpartum women. Sánchez ODR, Tanaka Zambrano E, Dantas-Silva A, Bonás MK, Grieger I, Machado HC, Surita FG.J Adv Nurs. 2022 Jul 19. doi: 10.1111/jan.15375

Violence against women during the COVID-19 pandemic: An integrative review. Sánchez OR, Vale DB, Rodrigues L, Surita FG.Int J Gynaecol Obstet. 2020 Nov;151(2):180-187. doi: 10.1002/ijgo.13365.

Routine Enquiry for Domestic Violence during Antenatal Care: An Opportunity to Improve Women’s Health.Surita FG, Sánchez ODR.Rev Bras Ginecol Obstet. 2022 Mar;44(3):211-213. doi: 10.1055/s-0042-1742735.

Odette é cubana, país onde se graduou e concluiu mestrado. Veio para o Brasil para o Doutorado no programa de Tocoginecologia, integrando-se ao grupo de pesquisa da Profa. Dra. Fernanda Surita, o SARHAS (Saúde Reprodutiva e Hábitos Saudáveis). Dentro do grupo de pesquisa, iniciou seus estudos acerca da violência doméstica na gestação e puerpério enquanto participava dos grupos de atenção a adolescentes grávidas no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher – CAISM Enquanto mulher estrangeira trabalhando e pesquisando no Brasil, Odette se interessou pela Lei Maria da Penha e seu caráter, não só punitivo e de responsabilização do agressor, mas educativo e de atuação multidisciplinar em relação às mulheres que sofreram violência. Odette acredita que o papel do sistema de saúde é decisivo no fortalecimento do combate violência doméstica. 

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Este texto foi produzido pela equipe de redação do blog “Saude: pesquisa e desenvolvimento”, com revisão e autorização do entrevistado.

Sobre Pós-graduação FCM/Unicamp
Os programas de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas têm o objetivo de propiciar a formação de professores pesquisadores de alto nível nas diversas áreas do conhecimento da saúde. A busca persistente de excelência acadêmica e o compromisso com a atividade de pesquisa constituem o substrato básico que norteia a todos os Programas.

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