Surgido há 20 anos, este conceito ganha força em comunidades na defesa de seus territórios a partir do impacto das marés no cenário de mudanças climáticas
Um conceito, uma história, um pedaço de cultura brasileira, uma luta das pessoas que precisam dos mangues para sobreviver. Marisqueiros, pescadores, pesquisadores, todos juntos em uma palavra: maretório. Maretório é uma junção de maré com território e muito utilizada pela população costeira do Brasil para se referir aos territórios influenciados pela maré, que por sua vez é influída pelos ciclos lunares ou pelas mudanças climáticas.
“Maretório é o território das marés”, explica Bruna Martins, oceanógrafa pela Universidade Federal do Pará (UFPA), que estuda a biodiversidade dos mangues amazônicos e é gerente de implementação de programa na Associação Rare do Brasil. O maretório é uma palavra que passou a ser usada em 2001 e está relacionada à criação das Reservas Extrativistas (Resex).
Resex
Bruna Martins gerente de implementação de programa na Associação Rare do Brasil/ Arquivo pessoal
“Maretório é o território das marés”
Bruna Martins.
A região Norte do Brasil é a região que concentra a maior faixa contínua de manguezais do mundo. Segundo Bruna, esses manguezais estão suscetíveis às vazantes de macromarés – marés que podem chegar a uma amplitude de até 6 metros em relação ao nível mais baixo. Se o impacto da maré já é intenso em algumas regiões, a situação poderá se agravar ainda mais. É o que conclui o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que prevê o aumento do nível do mar e que deverá causar variações de 20% (para mais ou para menos) no nível da maré até 2100.
As pessoas que dependem do mar e dos mangues para sobreviver têm amplo conhecimento sobre essas áreas, que passa de geração a geração. “Dependo 90% do maretório para me alimentar e pegar meus peixes e meus mariscos.(…) Desde os 8 anos que eu pesco, e foi meu pai e minha mãe que me ensinaram. Eles se foram e essa é a minha continuação na pesca”, relata Nara García de Morais, marisqueira e moradora da Resex Mãe Grande de Curuçá (PA). O depoimento de Nara reforça a importância da luta constante contra as ameaças de invasão de áreas de extração de caranguejos, seringueiras, turus, peixes, entre outros.
“Dependo 90% do maretório para me alimentar e pegar meus peixes e meus mariscos.(…) Desde os 8 anos que eu pesco, e foi meu pai e minha mãe que me ensinaram. Eles se foram e essa é a minha continuação na pesca”
Nara de Morais
A importância da palavra maretório não é só de cunho territorialista. “O sentido do maretório é o da apropriação construída mediante práticas culturais, ecológicas, econômicas, rituais, por isso, não tem fronteiras fixas, já que é um conceito que representa a mobilidade de uma coletividade pela zona costeira”, explica a geógrafa Márcia Pimentel em artigo na Revista de Ecologia e Geografia Política de 2019.
“Muitas das frases que as pessoas falam para nós, não é a nossa realidade. A nossa realidade é maretório, é o estado Resex, onde se concentram as 12 reservas do estado do Pará”, enfatiza Marcelo Ferreira Costa, pescador e também membro da Resex Mãe Grande de Curuçá (PA). Trata-se de um termo importante, que deve continuar conquistando espaços, para a garantia dos direitos dessas comunidades, essenciais para a sustentabilidade dos mangues, do mar e das regiões costeiras brasileiras. Quem sabe em breve veremos a palavra maretório ocupando os territórios dos dicionários modernos.
“Muitas das frases que as pessoas trazem, falam para nós, não é a nossa realidade. A nossa realidade é maretório, é o estado Resex, onde se concentram as 12 reservas do estado do Pará”
Marcelo Costa
2 comentários
Nelson Bastos · 11 de janeiro de 2023 às 08:17
Muito interessante o debate sobre Maretórios, precisamos aprofundar.
Germana Barata · 11 de janeiro de 2023 às 17:54
Bacana Nelson. Sim, aos poucos entram termos novos e novas perspectivas para as políticas de meio ambiente para incluirem a parte social de modo mais integrativo.