Pesquisa conduzida por cientistas do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Norte (ICMBio/CEPNOR) e da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) registrou, pela primeira vez a ocorrência do siri-capeta, espécie invasora vinda do Indo-Pacífico e encontrada na plataforma continental do estado do Amapá, numa rica região de biodiversidade, o Grande Sistema de Recifes do Amazonas. 

Pontos em preto representam as regiões onde os siris foram encontrados e as manchas em vermelho correspondem à área do GARS. Fonte: Artigo de Cintra et al., 2023.

No estudo foram coletados quatro indivíduos da espécie Charybdis hellerii, entre as profundidades de 20 e 90 m próxima ao Grande Sistema de Recifes do Amazonas (GARS em inglês). Os siris foram encontrados como fauna acompanhante, ou seja, capturados acidentalmente pela pesca industrial de arrasto do camarão-rosa (Penaeus subtilis e Penaeus brasiliensis). Segundo os autores do estudo, essa modalidade de pesca é extremamente prejudicial para os ambientes marinhos, porque há uma diversidade de animais associados com a pesca acidental (bycatch em inglês) cuja remoção perturba a comunidade marinha local e favorece o estabelecimento de espécies oportunistas como o siri. 

Apesar de ser simplista associar animais ao mal, as pessoas que batizaram o siri-capeta não mediram o tom antropocêntrico de suas ideias, e associaram o “mal” ao comportamento instintivo do siri, que por sinal é bastante agressivo. Por outro lado, ele não é tóxico, e sua carne é até apreciada em alguns lugares, mas não é recomendado a prática, para evitar a confusão na identificação com siris nativos como o Cronius ruber, siri-da-pedra.

Características do siri-capeta usadas na identificação e manejo. Foto: ICMBio

Atualmente, o siri-capeta (Charybdis hellerii) é uma das principais espécies invasoras do oceano Atlântico, pois ocorre fora de seu local de distribuição natural e gera impactos para os ecossistemas. O sucesso de sua invasão é explicado, principalmente, pela duração da fase de larva do siri, que ocorre em um período suficiente para que ela atravesse o oceano em água de lastro de navio ou por corrente marítima. Além disso, seu potencial invasor também se relaciona com a capacidade de se estabelecer em estuários e fundos rochosos de águas rasas.

Histórico de invasão

No Brasil, essa espécie de siri foi identificada pela primeira vez em 1999 nos estados de Alagoas, Rio de Janeiro e Bahia, mas já está  amplamente distribuída no país, com exceção da Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Sul. No entanto, o pesquisador Israel Cintra da Universidade Federal Rural da Amazônia primeiro autor do estudo, acredita que a espécie já ocorre nessas áreas, pois não há barreiras induzidas por seres vivos ou por fatores climáticos no litoral brasileiro, a não ser no Rio Grande do Sul, em que as baixas temperaturas podem limitar a distribuição da espécie.

Os indivíduos da espécie Charybdis hellerii foram depositados na Coleção Carcinológica do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Norte ICMBio/CEPNOR. Fonte: Artigo de Cintra et al., 2023.

Na região Norte do país o primeiro registro ocorreu em 2013, e já tinha sido registrada dez anos antes na Guiana Francesa. O estudo deste ano, demonstra a extensão de sua distribuição na costa brasileira e os seus impactos, especialmente nos recifes do Amazonas após uma década em território marinho nacional. 

Outras espécies invasoras já ocorrem no GARS como o ofiuróide (Ophiothela mirabilis) nativo do oceano Pacífico, e  o peixe-leão (Pterois volitans). O impacto dessas espécies no meio ambiente são muitos, podendo estar relacionado à competição por alimentos com espécies que possuem dieta semelhante e à disputa por territórios, resultando no desequilíbrio do meio ambiente.

Exemplares de ofiuróide e peixe-leão invasores do GARS, da esquerda para direita. Fonte: Wikimedia Commons e Freepik.

É preciso destacar que a invasão de espécies é consequência das atividades humanas, dentre elas os autores do estudo mencionam, o transporte marítimo, a construção de canais de navegação, o escape de biodiversidade exótica no ambiente e as modificações nos ecossistemas provocadas pelas mudanças climáticas. Com o aumento dos efeitos das mudanças climáticas e a intensificação da exploração do oceano, o estabelecimento de espécies exóticas nos ecossistemas marinhos tem avançado a uma taxa acelerada.  

Novo relatório de avaliação de espécies invasoras, lançado em setembro de 2023 pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), aponta a ocorrência de mais de 37.000 espécies invasoras no mundo todo, sendo que 10% delas apresentam impactos nos ecossistemas marinhos. No litoral brasileiro 82% das espécies exóticas invasoras são animais invertebrados e 10% são peixes. O siri-capeta, por exemplo, tornou-se a segunda espécie invasora mais abundante  em costões rochosos do complexo estuarino-baía de São Vicente e São Paulo.  

Segundo o Relatório de Avaliação Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos de 2019, espécies invasoras são uma das cinco principais agentes da perda de biodiversidade. 

Por isso, é essencial realizar esforços de monitoramento e controle de espécies invasoras, especialmente em áreas prioritárias para a conservação, como o GARS. Além disso, é preciso minimizar os impactos da pesca de arrasto, que é a modalidade mais nociva e predatória que existe. Sendo responsável por 50% do descarte de fauna e somente 26% da produção pesqueira. A ineficiência ambiental está evidenciada, o Rio Grande do Sul já fez sua parte e conseguiu proibir o arrasto. Agora falta arrastar os outros 25 estados para esse mesmo fim.

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Juliana Di Beo

sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

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