Por Livia Savóia e Germana Barata

Em abril, terminou a 4ª Sessão do Encontro do Comitê Intergovernamental de Negociação, para debater o Tratado Global Contra a Poluição Plástica (INC-4), coordenada pelas Nações Unidas, no Canadá. Durante o evento, no qual 170 nações debateram um tratado para regulamentar e diminuir a poluição plástica no mundo, cientistas brasileiros assinaram e entregaram um manifesto para pressionar o governo brasileiro a assumir compromissos para reduzir a poluição de plásticos e aumentar a reciclagem. O país foi responsável pela produção de 2% do total mundial, em 2022, e a tendência mundial é que aumente até 2050 e, com ela, a poluição. Para frear o tsunami de plástico, precisamos de um Tratado ambicioso a ser acordado em novembro próximo, quando ocorrerá a 5a e última sessão.

Natalia Grilli, oceanógrafa que integra a Coalizão de Cientistas para um Tratado Global de Plásticos Efetivo, esteve no evento e contou que o manifesto é uma forma de pressionar o governo brasileiro a adotar posicionamentos mais ambiciosos que envolvem o chamado ciclo do plástico – da extração do petróleo até seu descarte – para que a indústria e governos assumam mais responsabilidade e controle deste produto que impacta o meio ambiente e a saúde humana. 

Obra #TurnOffThePlasticTap do artista canadense Benjamin Von Wong (2021) foi exibida na frente do centro de convenções onde ocorreu a 4ª sessão para debater o tratado contra a poluição plástica em Ottawa. Crédito: INC-4


“O Brasil está bem receptivo nas questões relacionadas à reuso, responsabilidade dos produtores, inclusão social de catadores de recicláveis, mas algumas outras está mais resistentes como mexer na produção de polímeros plásticos primários, ainda não há posição sobre isso”, avaliou Natalia, que atua na Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, da Universidade de São Paulo (USP), e é membra da Liga das Mulheres pelos Oceanos

Dia 30 de abril, foi lançada a declaração Bridge to Busan, em que alguns países se comprometeram a endereçar todo o ciclo de produção de plásticos a produção de polímeros plásticos. O Brasil ainda não é signatário e, como outras nações que também possuem uma indústria petroquímica forte, ainda é resistente. 

Natalia diz ter “um otimismo realista”, pois a declaração, a ser aprovada no final do ano, ainda possui muitos trechos em aberto, o que indica a necessidade de avanços nos acordos sobre o plástico. “Mais de 300 cientistas do mundo inteiro que se voluntariaram para oferecer o melhor conhecimento científico para formular políticas públicas e o trabalho da sociedade civil. Ainda temos a opção de ter um Tratado eficiente e ambicioso, mas ainda há muito trabalho pela frente para que isso aconteça”. A pesquisadora menciona o forte lobby da indústria petroquímica, por meio de participação no evento para defesa de pontos positivos do plástico. “O conflito de interesse nas negociações precisa estar endereçado, e estar mais focado na gestão de resíduos do que endereçar o ciclo de vida do plástico como um todo e consiga lidar com o problema na fonte”.

A reunião reuniu 2.500 representantes e 71 organizações da sociedade civil como a Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), WWF Brasil, Oceana Brasil, Vozes do Oceano, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), além dos parceiros da rede Ressoa Oceano, a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano e a Liga das Mulheres sobre o Oceano. 

As metas debatidas na capital canadense, em Ottawa, foram uma preparação para a 5a e última sessão que ocorrerá em novembro deste ano na Coreia do Sul, quando deverá ser publicado um texto final contra a poluição plástica. 

Preocupação crescente

“Se o oceano fosse transparente, e não azul, estaríamos completamente envergonhado do que fizemos”, com essa frase impactante sobre a poluição dos plásticos no oceano que Barbara Karuth-Zelle, da Allianz Board Member and Group COO, participou da Conferência da Década do Oceano, que terminou em abril na Espanha. Se a situação da poluição plástica está ruim, pode piorar. Dados de uma pesquisa da Universidade da Califórnia estima que a produção anual de plástico vai crescer 22% até 2050 e, com ela, aumentará a poluição em 62%. 

A poluição plástica ganhou visibilidade e repercussão na sociedade. Porém, a dimensão da poluição é preocupante e exige, mais do que ações individuais, regulamentação e responsabilização da indústria do plástico. Alguns projetos de lei tentam emplacar no congresso ainda sem sucesso. Um dos exemplos é a PL 2424/2022, em tramitação no Senado, que define regras para estimular a economia circular do plástico, “internalizando os custos ambientais e sociais na produção”, com incentivos à reciclagem e reuso, eliminação de produtos de itens descartáveis e “encorajar a adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços”, entre outras propostas. 

Enquanto a produção de plástico segue acelerada, pesquisadores do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) coletaram, no início do ano, lixo no fundo do mar brasileiro, entre 200 e 1.500m de profundidade e há 200km da costa dos estados de São Paulo e Santa Catarina, com resíduos de vidro da década de 1920 e de plástico dos anos 1960, como indica a data de fabricação de algumas embalagens plásticas. A pesquisa, que buscava estudar a biodiversidade de peixes, se surpreendeu com a quantidade de lixo plástico recuperado nas amostras.

Mar plástico, o que fazer?

Em meio ao chamado tsunami de plásticos, o que nós como cidadãos podemos fazer?

O Brasil irá contribuir com o Acordo Global de Plásticos da Organização das Nações Unidas, com sugestões de como minimizar os impactos de plásticos no mundo. Maria Inês Bruno Tavares, diretora do Instituto de Macromoléculas (IMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou “[Vamos apontar] o que temos que fazer para minimizar o efeito do plástico pelo descarte indiscriminado de pessoas e empresas, efeitos que não são benéficos para a saúde humana, marinha e para o meio ambiente”. 

Entre algumas das sugestões do IMA está a identificação do tipo de plástico, que facilita a decisão de consumo e a possibilidade de reciclagem, e a substituição de materiais utilizados atualmente. Para a população participar deste processo, a equipe da UFRJ aposta na reciclagem, na devolução da embalagem para as lojas onde o produto foi comprado e com recebimento de descontos para as próximas compras. O instituto vai começar um processo de ensino para os profissionais que fazem reciclagem na Cidade Universitária do campus da Universidade. O objetivo do projeto é fornecer conhecimento sobre as diferenças dos materiais plásticos, e o seu potencial financeiro, entender quais são os valores agregados ao produto que está sendo reciclado. 

A equipe de Douglas McCauley, da Universidade da Califórnia de Santa Bárbara (UCSB), nos Estados Unidos, defende que é preciso estratégias para acelerar o processo de reciclagem e maneiras de diminuir a produção e o uso de plásticos para que não tenhamos que testemunhar uma montanha de 3,8km de altura ocupando a ilha de Manhattan, na cidade de Nova York, apenas no ano de 2050. O projeto da UCSB utiliza inteligência artificial para combater a poluição, divulga dados de pesquisa e de produção e incentiva ações de controle à produção de plásticos. Entre as sugestões para diminuir a produção estão: os plásticos serem fabricados com um mínimo de 30% de materiais recicláveis; limitar a produção de plástico virgem; investir em infraestruturas de tratamento de resíduos de plástico e em nova capacidade de reciclagem e cobrar taxa sobre embalagens plásticas. Segundo os pesquisadores da Califórnia, um tratado resultante de acordos fracos poderá resultar em uma produção de plástico na casa dos 89,6 milhões de toneladas em 2050, enquanto acordos ambiciosos poderão reduzir esta produção para 17.7 milhões de toneladas. 

Até que as nações e autoridades governamentais entrem em consenso para assinar um Tratado dos Plásticos ambicioso (esperamos!) em Busan, na Coreia do Sul, no final deste ano, é preciso pressão social e mudança de comportamento de consumo para evitar ou diminuir o consumo de plásticos e contribuir para a reciclagem de embalagens. Ainda dá tempo de lutar para que em 2050 tenhamos mais peixes do que plásticos no oceano.

Dicas para diminuir o consumo de plásticos no dia-a-dia

 

Dicas para diminuir o consumo de plástico. Acesse outras dicas no site do Grupo Iberdrola. Crédito: Grupo Iberdrola

Leia mais:

Artigo de Natalia Grilli Por dentro dos bastidores do Tratado Global contra Poluição Plástica: estamos mesmo no meio do caminho? para o jornal O Eco em 15 de dezembro de 2023.

Em fevereiro de 2024, o Jornal da Ciência, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publicou um dossiê sobre plásticos com 20 artigos, que abordavam a urgência de atentar com a quantidade de plástico presente no mundo e formas de diminuir o seu uso.

O Blog Um Oceano tem parceria com a Rede Ressoa Oceano


Germana Barata

Jornalista de ciência, mestre e doutora em história social. É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp e editora dos blogs Ciência em Revista e Um Oceano.

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