“Caiçara”, de Oskar Metsavaht, recebeu menção honrosa no Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa de 2023. Foto: Frame Om.art

Para muitas pessoas que conhecem a cidade maravilhosa, deparar-se com a presença de uma colônia de pescadores no posto seis da orla de Copacabana, uma das regiões mais caras da cidade, pode causar espanto ou passar despercebido, em meio a tantas construções suntuosas. O que poucos sabem é que essa colônia de pescadores, conhecida como Z-13, existe antes da zona sul ser atração turística, sendo a mais tradicional do Rio e uma das mais antigas do Brasil, com mais de cem anos de história. Esse símbolo de resistência caiçara não só deixou muitas pessoas surpresas, como também inspirou Oskar Metsavaht – Embaixador da Boa Vontade da Unesco para Sustentabilidade e Embaixador da Unesco para a Década do Oceano 2021-2030 – a produzir o curta-metragem ‘Caiçara’, o qual foi filmado na Z-13.

O curta faz parte do longa-metragem Interactions: When Cinema looks to Nature’ (Interações: quando o cinema olha para a natureza, em tradução livre), um projeto da ONG suíça Art for the World’ formado por doze obras de cineastas de várias países, incluindo brasileiros como Oskar Metsavaht e Takumã Kuikuro, que abordam conexões entre pessoas e natureza através de discussões sobre biodiversidade, meio ambiente e mudanças climáticas. O filme já foi exibido em diversos festivais e eventos desde 2022, incluindo o encerramento da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP 15). No Brasil, pode ser assistido na plataforma do Sesc Digital, de modo online e gratuito. Há também a opção de assistir ao curta no estúdio OM.art que segue em exibição até dia 5 de julho com uma instalação artística, onde é possível explorar percepções mais diversas sobre a arte.   

Caiçara é um filme-manifesto ou docuficção, com um pouco mais de dez minutos de duração, narrado por um jovem, filho e neto de caiçaras. A história se passa na beira-mar em meio a um dos mais emblemáticos estuários do Brasil, a Baía de Guanabara, área de encontro entre rios e oceano, que serve como berçário e alimentação, sendo essencial para a manutenção da vida marinha. Há também cenas em alto-mar, onde o jovem narra a profundidade da relação entre os peixes, os pescadores e o mar, em contraste com as ameaças que o oceano e os pescadores enfrentam, advindas da indústria da pesca.

De forma sensível o curta discute a importância da pesca artesanal e responsável para a conservação do oceano, ao retratar que o trabalho do pescador é regido pelo tempo do berçário de peixes. Quando os peixes aparecem eles podem pescar para seu sustento, mas seu trabalho também é protegê-los – em alusão a época de defeso, período que garante a reprodução dos peixes de modo satisfatório, sem colocá-los em risco de extinção. Em contraste, a pesca predatória é regida pelo tempo da produtividade em larga escala, com o arrasto da rede pelo fundo do mar, que pesca todo tipo de vida marinha que surge à frente, em um processo que está levando ao esvaziamento do oceano. 

A mensagem do curta nos revela a importância do oceano para a sobrevivência dos caiçaras, que possuem uma relação íntima e atávica com o mar, cultivada pela  transmissão de saberes ao longo de gerações. “Meu avô diz que esse mar é minha herança, que a nossa pesca faz parte do meu sangue…e minhas raízes são feitas de vento, areia e onda…meu pai aprendeu tudo o que ele sabe com o meu avô, que aprendeu tudo que sabe com o avô dele também. Daí vem toda uma espinha de histórias”. Nesse trecho, o jovem narra essa relação de íntima subsistência de seu povo com o oceano e a importância da preservação da cultura local, nos mostrando a importância de olharmos para o mar e para os caiçaras com mais respeito e afeto.

Os pescadores tradicionais do Brasil somam mais de um milhão de profissionais da pesca, uma parte deles são os caiçaras povo tradicional que vive nos litorais do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, onde se estabeleceram em manguezais, costões rochosos, restingas e estuários da Mata Atlântica. Fruto do processo de colonização do litoral brasileiro, os caiçaras são o resultado da miscigenação dos portugueses com indígenas, que durante anos sofreram com o processo de desterritorialização pela especulação imobiliária, e ainda sofrem. No posto seis de Copacabana restam apenas as banquinhas dos pescadores da Z-13, suas casas foram empurradas para as áreas periféricas, mas suas histórias permanecem vivas e precisam ser contadas. 

Para saber mais: 

Luzimar Soares Bernardo. A Patrimonialização das comunidades tradicionais: Um estudo sobre os pescadores artesanais da Praia de Copacabana. XXV Encontro Estadual de História da ANPUH, São Paulo, 2019. 

O Blog Um Oceano tem parceria com a Rede Ressoa Oceano


Juliana Di Beo

sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

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