Estudo define quatro zonas com padrões de precipitação homogêneos na Amazônia Legal. Região do arco do desmatamento apresenta maior tendência para períodos de seca.

Pesquisa publicada em junho deste ano na revista Nature Scientific Reports identificou quatro zonas com padrões homogêneos de precipitação na Amazônia Legal. Duas delas apresentaram aumento de precipitação, enquanto as outras duas sofreram redução no período analisado, de 1981 a 2020. O estudo também mostrou forte correlação entre a temperatura de regiões do Oceano Atlântico e os anos com os maiores índices de seca na floresta.
A pesquisa é inédita em regionalizar a Amazônia de acordo com o padrão de chuvas. Segundo o cientista de dados e autor principal do estudo Rodrigo Moreira, é a primeira vez que um estudo utiliza a metodologia chamada de Inclinação de Sen para identificar e agrupar as regiões de mudança na precipitação na Amazônia Legal Brasileira (BLA). “Diferente de outros estudos, aplicamos uma análise de magnitude de tendência pixel a pixel utilizando a plataforma de computação em nuvem Google Earth Engine, o que nos permitiu fazer esta regionalização”, explica Rodrigo, que é também professor de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Rondônia (Unir).
Para agrupar a Amazônia em zonas homogêneas de precipitação, os pesquisadores utilizaram dados anuais de chuvas de setembro a agosto entre o período de 1981 e 2020, fornecidos pela plataforma Google Earth Engine. Os quatro agrupamentos da Amazônia Legal foram definidos por um método de K-means, que classificou cada agrupamento, de acordo com o padrão médio de precipitação.
Oceano, chuvas e Amazônia conectados
A região que apresentou maior redução média nas chuvas compreende o arco do desmatamento – que concentra mais de 75% do desmatamento na Amazônia. O estudo indica que essa alteração no regime de chuvas na região será intensificada com o aumento da temperatura do oceano. Segundo Rodrigo, a mudança na temperatura da superfície do mar pode levar a padrões de precipitação mais extremos, como secas prolongadas, que contribuem para a degradação acelerada da floresta amazônica, como as queimadas.
Dados do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, mostraram que a temperatura do oceano tem batido recorde todos os dias há mais de um ano. A maior temperatura foi registrada em 29 de fevereiro de 2023, nesse dia os termômetros marcaram 21,09ºC, quebrando todos os recordes históricos de medição. A emissão de gases de efeito estufa na atmosfera são os principais responsáveis pelo aquecimento do oceano, que cobre 71% da superfície do planeta e é o principal regulador climático da Terra. O aumento de sua temperatura contribui para catástrofes climáticas, como chuvas intensas e secas prolongadas.

Rodrigo explica que é esperado para os próximos anos uma maior intensidade nos processos de degradação na região do arco do desmatamento. Um desses processos de degradação que a floresta pode sofrer mais rapidamente é o ponto de não retorno – quando o ambiente perde sua capacidade de recuperação. O ponto de não retorno ou ponto de inflexão é um ponto crítico de estresse ambiental, onde uma pequena degradação pode causar uma mudança radical no estado do ambiente. “Na região do arco do desmatamento as principais atividades econômicas são a agricultura e a pecuária, várias culturas são altamente sensíveis a alterações no comportamento das chuvas, falamos de pequenos produtores sem acesso a métodos de irrigação, o que aumenta a vulnerabilidade a mudanças climáticas”, destaca o pesquisador.
O especialista lembra que estudos recentes mostraram que eventos extremos de secas têm se tornado mais frequentes, intensos e prolongados. Essa tendência de seca observada principalmente no arco do desmatamento revela uma preocupação em relação às comunidades locais e urbanas, que são altamente dependentes das chuvas, especialmente em termos de sua adaptabilidade climática. “A produção agrícola depende fortemente da sazonalidade da chuva para épocas de plantio e colheita, com as mudanças climáticas, os produtores estão à mercê da variação nestes padrões, o que pode afetar a produção”, detalha. No caso da produção de leite, Rodrigo explica que o estresse climático causado pelas altas temperaturas pode diminuir a produção por animal, pois a seca prolongada afeta o recurso alimentar.
Apesar da pesquisa apontar o risco iminente que corre a floresta amazônica e a população, os autores enfatizam que é preciso buscar soluções com urgência, pois é possível reagir de maneira rápida e eficaz. “Este aumento no risco climático ressalta a necessidade urgente de estratégias de adaptação e mitigação para proteger a floresta e as comunidades dependentes dela, dependemos de maior vontade política para fomentar estas ações”, conclui.
Relações complexas em oceano e atmosfera
Estudo conduzido pela Universidade Federal de Rondônia (Unir) identificou que os anos em que se registraram os maiores índices de seca da Amazônia – 2005, 2010, 2015 e 2016 – coincidiram com períodos de altas temperaturas em várias regiões do oceano. “Embora sistemas como o El Niño e Circulação Meridional de Capotamento do Atlântico (Amoc) tenham influência no clima amazônico, a temperatura no Atlântico Sul mostrou-se relevante para os padrões de precipitação na região”, explica Rodrigo Moreira, autor do estudo.
A principal causa desta correlação é o Modo Meridional Atlântico (AMM, na sigla em inglês), responsável por variações na temperatura e ventos tropicais do Atlântico, que opera em alternância de fases positiva e negativa. Quando a fase é positiva, as temperaturas do Atlântico Norte ficam mais altas do que a média, criando condições que impactam os padrões de circulação atmosférica, que por sua vez reduzem as chuvas na floresta amazônica.

A relação entre temperatura do oceano e secas na Amazônia envolve interações complexas entre processos oceânicos e atmosféricos. Além do AMM, outros fatores influenciam na precipitação da região. O El Niño, marcado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico, causa o enfraquecimento dos ventos alísios e mudança na Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Como resultado, a ZCIT se desloca para o Sul e a precipitação na Amazônia diminui. Por outro lado, durante a La Niña, ocorre o inverso, as águas ficam mais frias, e isso leva ao deslocamento da ZCIT para o Norte do país, aumentando as chuvas na região.
Na prática, devido a alterações na intensidade desses fenômenos, os eventos extremos – como secas severas e chuvas intensas – serão mais frequentes e poderão causar estragos maiores. Segundo Rodrigo, em anos muito secos, a estação de queimadas – geralmente com pico entre agosto e setembro – costuma começar mais cedo ou terminar mais tarde. Essa seca prolongada, aumenta a área de floresta perdida para queimadas, perda de biodiversidade, aumento de emissão de gases do efeito estufa e consequentemente, problemas de saúde pública.
O Blog Um Oceano tem parceria com a Rede Ressoa Oceano

2 comentários
Romanceteca · 4 de agosto de 2024 às 22:46
Adorei o artigo, IA estão cada dia mais presentes em nossas vidas.
Germana Barata · 9 de setembro de 2024 às 11:07
Que bom que curtiu. Continue conosco.