Odair Jurukatu e Germana Barata

Cerca de 20 milhões de caranguejos são capturados todos os anos, ou pouco mais de 9.500 toneladas por ano, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente de 2010. Talvez a espécie mais conhecida e apreciada no litoral brasileiro seja o Ucides cordatus ou o caranguejo-uçá, que leva 7 anos para atingir o tamanho necessário para ser vendido a preços que não chegam a R$2 por animal. Uma análise sobre os principais estudos sobre o caranguejo-uçá nos últimos 50 anos indica que a destruição de manguezais e a gestão inadequada na captura são as principais ameaças à espécie.

Artigo publicado na revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, por Vanessa Cusini Spinassé, oceanógrafa e docente da Secretaria Estadual de Educação (SEDU-ES), e Mônica Maria Pereira Tognella, oceanógrafa e docente da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), analisou 58 estudos realizados entre 1970 e 2023, e mostrou que a espécie tem sofrido redução dos estoques e no tamanho da carapaça, em função de terem crescimento lento e falta de tempo para atingir idades avançadas. 

Por meio de técnicas bibliométricas e revisão sistemática em dois bancos de dados internacionais, plataformas Scopus e Web of Science (WoS), as autoras observaram que 67% dos estudos são recentes e as causas de ameaças se dividem em três eixos temáticos: fatores ambientais ligados à conservação dos manguezais, técnica de captura e a gestão de captura. 

Catadores de caranguejo no Delta do Parnaíba, uma das regiões de maior produção no país e que investe no manejo sustentável da espécie. Foto: Blog do Varão, 2013.

A poluição e o desmatamento de manguezais foram apontados como os principais danos ao meio ambiente e que impactam os animais, com a doença do caranguejo letárgico, que aumenta a mortalidade da espécie. A técnica da “redinha”, amplamente usada, consiste em substituir o “braceamento” – que requer a introdução do braço do catador nas galerias onde os caranguejos vivem para sua coleta –, por redes de fios de seda ou plástico que são mais ágeis, porém não diferenciam o macho da fêmea, nem o tamanho do animal, além de causar poluição do ambiente e aumentar a mortalidade de animais que nela ficam presos.


Quanto à gestão da captura, as autoras informam que são poucas as ações de gestão integrada empregadas. Atualmente, uma portaria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) determina o período de defeso – em que não se pode capturar, transportar, beneficiar, armazenar ou industrializar o caranguejo-uçá – de 1o de outubro a 30 de novembro, para os machos, e até 30 de dezembro para fêmeas, como uma forma de proteger a espécie. Para as oceanógrafas, “é importante considerar a valorização do  conhecimento etnológico das comunidades locais e  a implantação de gestão compartilhada visando o uso sustentável deste recurso pesqueiro  nos manguezais brasileiros”.

Preservação conjunta de manguezais, caranguejos e comunidades tradicionais

Os manguezais são encontrados em 118 países, abrangendo uma área de cerca de 138 mil quilômetros quadrados nas regiões tropicais e subtropicais do planeta, com maior porcentagem próximo a linha do Equador. No Brasil, os manguezais ocupam uma área de cerca de 13 mil quilômetros quadrados, ou 8,5% dos manguezais do mundo, a segunda maior área deste ecossistema. 

O caranguejo-uçá é uma espécie-chave para o manguezal e as comunidades tradicionais do entorno. Ele ocorre desde o Sul dos Estados Unidos até Santa Catarina e, frequentemente, atua revolvendo a lama, sedimento rico em matéria orgânica, para construir suas tocas e se alimentar. Isso contribui para a criação e manutenção de galerias, atividade conhecida como bioturbação do sedimento. 

Caranguejo-uçá tem importante papel ao revolver a lama em manguezal. Foto: Cesar Augusto Chirosa Horie/Wikimedia Commons

Cerca de 46% dos estudos sobre o caranguejo-uçá estão no Nordeste, região de maior incidência e volume de captura da espécie. Segundo as autoras, apesar dos estudos serem relativamente recentes, os resultados apontam para a importância da gestão e preservação dos manguezais e do caranguejo-uçá, dos quais também dependem as comunidades locais. “É extremamente importante considerar as particularidades locais quanto ao desenvolvimento da espécie e as características das comunidades e usuários que dali sobrevivem, buscando valorizar os conhecimentos advindos das vivências e experiências dos que fazem parte deste complexo e dinâmico ecossistema que é o manguezal”, concluem Mônica e Vanessa.


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