Dilema de professor

Embora este blog faça parte de uma plataforma de divulgação científica, peço licença para escrever sobre um dos muitos dilemas da saga que é ser professor. Portanto escrevo sobre sentimentos, angústias, dúvidas, desânimos e também proposições para superar esta avalanche de negatividade que por vezes nos invade, especialmente em tempos de valores tão conturbados.

De ciência, este post pode se relacionar ao fato de que o tema é um vasto campo que merece investigação e que me moveu para as minhas próprias pesquisas (mas que não chegaram a ponto de conclusões, e portanto, de serem divulgadas).

O dilema que me refiro é aquele que provavelmente grande parte dos professores sensíveis à crise de valores que vivemos experimenta: De que adianta me importar? Vale a pena canalizar energia para formar moralmente? Tenho esta capacidade?

As justificativas para não se comprometer são numerosas: As famílias, que deveriam educar, estão desestruturadas! Eu tenho contato com os alunos apenas algumas poucas horas por semana, que diferença posso representar? Os alunos não estão abertos para aprender! Até tentei, mas as influências dos amigos são mais fortes! Mal tenho tempo para cuidar de mim e de minha família! Mas e o conteúdo, como fica? Sou pago para ensinar, não para educar!

Entendo que todas as afirmações são, de fato, coerentes e justificam, em parte, condutas de professores que optem por não intervir na formação moral de seus alunos.

Mas então Paulo Freire nos alerta: “As terríveis conseqüências do pensamento negativo são percebidas muito tarde.”

E reforça: “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”

Daí me lembro de um diálogo que me marcou muito. Estava ministrando uma capacitação para um pequeno grupo de professores de educação física da rede pública no interior de São Paulo. O tema era exatamente o que abordo nesta postagem, e uma professora, já bastante experiente, aparentemente desgastada e desesperançosa, utilizava a justificativa das famílias que atribuem à escola a função de educar em valores, e que, portanto, não adiantava a dedicação dos docentes, visto que, ao saírem da escola, os jovens viveriam toda sorte de abandono.

Antes de tentar argumentar, outro professor, também experiente, pôs fim ao assunto afirmando algo como: “Não concordo! Se está ruim com a gente lá, lutando dia a dia, imagine sem!” É ou não é a mesma afirmação anterior de Paulo Freire?

Mas com toda certeza, atuar buscando colaborar na formação da personalidade moral dos jovens, em qualquer espaço educacional, é um desafio grandioso e, muitas vezes, de resultados imediatos difíceis ou impossíveis de serem percebidos. Então o docente precisa se apegar a esperança de que sua ação poderá ter repercussões futuras, mesmo que ele mesmo não presencie. É como a mensagem bíblica da semeadura, nós plantamos, mas a germinação normalmente já não é de nossa alçada.

No entanto, os colegas que já percorreram bons anos de ensino com atenção à formação humana provavelmente já tiveram a oportunidade de confirmar as repercussões de sua conduta. Vejam se a cena já lhe ocorreu: Uma pessoa vem te cumprimentar, sorridente, até com um abraço . Você fica meio sem ação pois não a reconhece. Mas depois dela se apresentar, um filme percorre suas memórias e consegue se lembrar de seu ex-aluno ou sua ex-aluna. Mesmo numa conversa rápida, pois ambos tem suas tribulações, aquele que fez parte da sua história como professor lhe deixa, entre outras mensagens, a afirmação de que aprendeu muito naquele tempo. Se a conversa for um pouco mais prolongada, se lembrará inclusive de algumas situações que mediou e que gerou tais aprendizados.

E então, identificou-se? Espero que sim, pois a sensação é incrível! Apesar da constatação de que estamos realmente ficando velhos, a certeza de que se contribuiu positivamente na vida daquela pessoa pode ser o alimento que fornecerá energia para continuarmos firmes.

Para os jovens professores que ainda não viveram esta situação, fica a mensagem de que toda energia dispensada para ajudar moralmente seus alunos, principalmente em tempos tão confusos, vale a pena, mesmo que não se perceba.

Finalizo com uma pequena mensagem que me vem sempre à memória em momentos de esperança desafiada:

Um homem andava pela praia numa manhã após uma noite de terrível tormenta que trouxe para a areia milhares de estrelas do mar. Ele observou outra pessoa que se agachava, pegava algumas estrelas e entrava no mar, devolvendo-as à água, antes que o sol se erguesse muito. Curioso, o primeiro homem se aproximou e perguntou: “Porque está fazendo isto? São milhares de estrelas na praia, que diferença você fará?” Então, aquela pessoa que acabava de retornar da água lhe respondeu: “Para aquelas estrelas, eu fiz toda a diferença!” Logo se viam duas pessoas devolvendo estrelas à água.

Um grande abraço a todos os colegas professores, aos alunos e um todo especial aos meus ex-alunos, tanto aqueles que tive o privilégio de reencontrar como aqueles que não, mas que permanecem na memória no coração!

 

Sobre Leopoldo Hirama 9 Artigos
Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, (UFRB), formado em Educação Física pela FEF-Unicamp, mestre em Ciências do Esporte e doutorando na mesma instituição. Atua na temática da Pedagogia do Esporte, mais especificamente nos esportes coletivos e lutas e as possibilidades do fenômeno esportivo na educação de crianças e adolescentes em comunidades periféricas. Atualmente pesquisa as características do ambiente de ensino do esporte para a formação da personalidade moral de jovens praticantes.

4 Comentários

  1. Que texto singelo e verdadeiro... Um empurrãozinho a mais para uma nova semana de trabalho na vida de professores.
    Por causa de textos assim e da possível reflexão que nos provoca que sou a favor de uma constante reciclagem do professor... Ah, se tivéssemos esta oportunidade... Se nossos salários fossem realmente bons para que pudéssemos trabalhar menos e estudar mais... Utopia? A princípio parece que sim... Mas é através de iniciativas como este blog que acredito que conseguiremos tal melhora enquanto o reconhecimento e as ações governamentais não nos favorecem.
    Parabéns pelo texto, pela iniciativa do blog e pelo olhar positivo!
    Obrigada pelo ânimo extra nesta segunda-feira!
    Obrigada pelo exemplo!

  2. Realmente, o trabalho de professor é árduo, ingrato, mas de extrema importância para a formação destes pequenos cidadãos. É um trabalho de "formiguinha" e a satisfação vem da própria noção de dever cumprido.

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