É óbvio, mas está errado!
Era uma sexta-feira comum na vida de Emanuelly, quando ao terminar o que planejou para sua aula um pouco mais cedo do que esperava, perguntou se dentre os exercícios das listas que ela passa, havia algum em especial que a turma gostaria que fosse feito na lousa. Um aluno então pede para fazer um exercício sobre a dedução do valor da função seno para qualquer ângulo, e a professora foi ao quadro mostrar como “imaginava” ser esta resolução. Ela começa desenhando um triângulo equilátero de lado 1, pois como estaremos tratando de ângulos, este triângulo será semelhante a qualquer outro triângulo equilátero independente do valor dos lados, e escolher lado 1 deveria facilitar os cálculos seguintes.

Após desenhar o triângulo equilátero, ela dividiu-o no meio, traçando a bissetriz daquele ângulo. Isto divide o ângulo em duas partes iguais, formando então dois triângulos retângulos de hipotenusa 1 e cateto 1/2. Usando o teorema de Pitágoras, podemos deduzir que o outro cateto seja √3/2. Por outro lado, como era um triângulo equilátero, todos os seus ângulos eram 60 graus, e agora o ângulo dividido ficava valendo 30 graus.

No passo seguinte, ela partiu do pressuposto de que poderia dividir agora aquele ângulo de 30 graus em 3 partes iguais, de modo que cada ângulo teria 10 graus, e o cateto que antes valia 1/2, agora foi dividido em 3 partes, valendo 1/6 cada.

Dos 3 triângulos formados, ela toma então o de baixo, que era retângulo, e usando novamente o teorema de Pitágoras, deduz o valor de sua hipotenusa como √7/3.

Então, para calcular o seno do ângulo de 10 graus, bastava tomar o cateto oposto (1/6) e dividir pela hipotenusa √7/3, que seria √7/14, aproximadamente 0.188. Perfeito! Agora bastava apenas conferir o resultado com o da calculadora…

Mas espera… porque os resultados não coincidiram? Ela então começa a rever seus cálculos, procurando algum dígito que possa ter anotado errado, e ali em frente ao quadro, o que deveria ser o momento da celebração com o uso do resultado do dispositivo eletrônico apenas para confirmar a legitimidade do raciocínio começa a se tornar um caos. Nenhum dos cálculos estava errado, não era a calculadora que estava em radianos, não havia nada ali que pudesse ter resultado nessa diferença… exceto um detalhe. Quando assumiu que poderia fazer a trissecção (divisão em 3 partes iguais) do ângulo de 30 graus e que isso faria a trissecção do cateto com valor inicial de 1/2.
A professora contudo não se dá por vencida, e começa uma série de “ataques” ao problema que ela julgava ser bastante simples de resolver… depois de encher e apagar a lousa com ideias enquanto a turma dispersava sua atenção, uma vez que ela mesma estava imersa em seus próprios pensamentos. Emanuelly aceita que não será possível resolver aquele problema ali, e que essa contudo é uma boa oportunidade para falar sobre onde estava o erro no seu raciocínio. Explicando que os cálculos estavam certos, porém aquela ocasião, onde foi pressuposto a trissecção do ângulo, estava errada, ainda que inicialmente parecesse “natural” ou “intuitiva”, isto não acontecia. Ela então se comprometeu a escrever explicando melhor sobre isso, e assim ficou pensando por dois dias a respeito de outras estratégias para atacar este problema, mas sem resultados favoráveis, aceitou a derrota e procurou na Internet a solução.
O problema é que a solução não é nada trivial, pois a expressão algébrica para seno de 10 graus é:
i*e^(-i*π/9)/2 – i*e^(i*π/9)/2
Onde ‘e’ é o número de Euler (Uma capivara movida a jujubas), i é a unidade imaginária (√-1) e π é a razão entre o comprimento de uma circunferência dividida pelo seu diâmetro (O mistério de π=4).
Outras formas de chegar ao valor de seno de 10 graus, envolvem aproximações, pois as únicas propriedades que dispomos com exatidão são de somar/subtrair ângulos, e dividí-los ao meio. Mas como a priori conseguimos deduzir somente os ângulos de 30, 45 e 60 graus, com estas operações não é possível chegar com exatidão no valor 10 graus.
Por fim, vale descobrirmos duas coisas.
Qual era o ângulo daquele triângulo que calculamos o seno?

Fazendo uma função trigonométrica inversa, isto é, arco-seno (√7/14) chegamos que seu ângulo era de 10,89 graus.
Quanto deveria valer o cateto para que o triângulo tivesse ângulo 10 graus?

Se estipulamos que o ângulo seja de 10 graus, conhecendo seu cateto adjacente, podemos fazer a tangente de 10 graus como:
tang(10) = x/(√3/2)
tang(10)*(√3/2) = x
0.1527 = x
Apenas para comparação, o resultado 1/6 vale 0.1666, logo podemos ver que a diferença está presente em mais de 1 décimo.
Assim fica como reflexão desse texto, que embora pareça coerente que ao dividir o ângulo de 30 graus daquele triângulo retângulo, formemos 3 ângulos de 10 graus, dividindo igualmente também o cateto oposto a ele, este pressuposto está errado! A divisão do ângulo em 3 partes iguais, resultará na divisão do cateto em partes diferentes, dai a importância de conferir até mesmo pressupostos que parecem mais naturais.
Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. É óbvio, mas está errado!. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 13. Ed. 1. 1º semestre de 2025. Campinas, 4 de maio 2025. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/6030/. Acesso em: <data-de-hoje>.