Uma capivara movida a jujubas

Em semestres anteriores, Emanuelly sempre que trabalhava o conceito de sequências, em dado momento desenvolvia a sequência que converge para o número e (conhecido como número de Euler):

(1 + 1/n)^n

Diante essa sequência, sem avisar sobre sua convergencia, ela questionava a turma sobre o que aconteceria a medida que n fosse aumentando. Pedindo inclusive que tentassem fazer com suas calculadoras dos celulares, os cálculos para valores de n bem altos. Aos poucos os alunos iam se convencendo de que realmente esta sequência parecia não ultrapassar certo valor e terminava por ai, apenas um número famoso na Matemática.

Mas após estudar Matemática Básica para um concurso (do qual ela não passou), veio a descobrir uma forma um tanto interessante de dar um sentido mais real para este número, e decidiu tentar…

Não era incomum que a professora Emanuelly sentasse na mesa durante as aulas, tanto para explicar ou escrever na lousa, mas aquele dia ela trouxe também um pote grande de jujubas, e disse que falariam sobre capivaras.

Para começar ela definiu que uma capivara de tamanho usual, conseguia transportar 10 kg de jujubas em um trajeto de até 10 km, mas comia 1 kg de jujuba a cada 1 km percorrido,

Então perguntou se algum aluno, que pudesse comer jujubas (ela fez questão de se certificar disso, para evitar acidentes), gostaria de ser uma capivara? Um aluno chamado Natan se voluntariou e Emanuelly entregou para ele 20 jujubas e um papel com o desenho de uma capivara. Então explica que aquelas 20 jujubas representariam 10 kg de jujubas, Natan deveria dar 10 passos largos, cada passo equivaleria a 1 km percorrido pela capivara, e por isso, deveria comer 1 kg de jujubas (duas jujubas).

Natan sem entender direito o propósito, deu seu primeiro passo largo, e comeu duas jujubas. Depois continuou seus passos, comendo duas jujubas a cada passo, até que no décimo passo, comeu as últimas jujubas que carregava.

Emanuelly agradece, dizendo que foi excelente, e pede que outro aluno se voluntarie, agora para ser uma capivarinha. Dessa vez Leonardo se voluntaria, e Emanuelly entregou para ele 10 jujubas e um papel com o desenho de uma capivarinha. Então explique que assumiriam a seguinte relação, se a capivarinha tem metade do tamanho da capivara, a carga que ela carrega é também metade (5 kg), mas também o consumo de jujubas seria a metade (0,5 kg a cada km percorrido). Assim, aquelas 10 jujubas representariam 5 kg de jujubas, Leonardo deveria dar 10 passos largos, e cada passo largo equivaleria a 1 km percorrido pela capivarinha, e por isso, deveria comer 0,5 kg de jujubas (uma jujuba).

Leonardo também não entendia direito o propósito daquilo, mas seguiu as instruções repetindo de forma parecida o que Natan fez, e a cada passo, comeu um jujuba, até que no décimo passo, comeu a última jujuba que carregava. Emanuelly agradece novamente, dizendo que foi excelente.

Apesar da turma não entender ao certo o propósito de tudo aquilo, Emanuelly estava animada, e decidiu verificar se a turma estava de acordo com a ideia de que uma capivara da metade do tamanho, carregava metade da carga de uma capivara usual, mas também consumia metade das jujubas que a capivara usual consumiria. Até aqui tudo bem, ninguém parecia estranhar esta relação linear entre tamanho, carga e consumo de jujubas.

Ela então explorou duas situações para se assegurar de que o raciocínio estava claro, e propôs uma capivara com 2/3 do tamanho e outra com 1/3 do tamanho de uma capivara usual. E a turma parecia concordar que a carga que elas carregariam e consumiriam seriam também 2/3 e 1/3 das jujubas que uma capivara usual carregaria e consumiria.

Nisso o entusiasmo de Emanuelly foi para as alturas, a turma estava pronta para a melhor parte da aula, o desafio!

Ela então explicou o problema para aquela turma.

  • Fazer com que 1 tonelada (1.000 kg) de jujubas chegue no final de um trajeto de 10 km, utilizando capivaras.
  • Apenas as capivaras podem transportar as jujubas, não é permitido impedí-las de comer enquanto caminham.
  • Podemos criar postos de coleta no trajeto, para carregar e descarregar as jujubas nas capivaras.

Alguns alunos logo expecularam que seria impossível, pois como nos exemplos mostrados na sala pelo Natan e pelo Leonardo, elas consumiriam toda a carga para chegar no destino. Emanuelly diz que isso é verdade, se eles não estiverem considerando os postos de coleta.

Então a turma volta a pensar em como resolver o problema com a ideia de um posto de coleta, mas boa parte da turma parece não entender bem como isso poderia ajudar no objetivo. Contudo, alguns alunos se mostram entusiasmados por descobrirem como salvar uma parte da carga. Eles explicam que se colocassemos um posto de coleta na metade do trajeto, seria possível:

  • 100 capivaras carregariam 1.000 kg até o posto de coleta localizado na metade do trajeto (5 km), e reuniriam 500 kg.
  • Então 50 capivaras carregariam 500 kg até o destino, e reuniriam 250 kg.

Emanuelly parabeniza o raciocínio, e pede apenas que completem a solução da problema, isto é, como fazer 1.000 kg chegarem até o destino? Os alunos rapidamente respondem que bastava repetir o processo começando com 4.000 kg. Emanuelly diz que era isso mesmo, e pergunta se é possível melhorar o algoritmo? Pois assim, perderam 3.000 kg de jujubas.

Os alunos seguem pensando, e logo se dão conta de que se usassem dois postos de coletas, um em 1/3 do trajeto e outro em 2/3 do trajeto, daria um resultado melhor, mas estão se confundindo um pouco os cálculos, Emanuelly percebendo isso sugere discretamente que comecem com 3.375 kg de jujubas:

  • 337,5 capivaras carregariam 3.375 kg até o primeiro posto de coleta localizado em 1/3 do trajeto (3,3… km), e reuniriam 2.250 kg.
  • 225 capivaras carregariam 2.250 kg até o segundo posto de coleta localizado em 2/3 do trajeto (6,6… km), e reuniriam 1.500 kg
  • Então 150 capivaras carregariam 1.500 kg até o destino, e reuniriam 1.000 kg.

A expressão da turma era de espanto ao mesmo tempo de felicidade, pois não entendiam de onde veio aquele 3.375 kg iniciais que a professora tirou, mas parecia que acrescentando um posto de coleta a mais, conseguiram reduzir as jujubas perdidas. Emanuelly sem dizer nada sobre o que houve, sugere que tentem melhorar o transporte de jujubas, e logo os alunos propõe usarem 3 postos de coleta.

  • 100 capivaras carregariam 1. 000 kg até o primeiro posto de coleta localizado em 1/4 do trajeto (2,5 km), e reuniriam 750 kg.
  • 75 capivaras carregariam 750 kg até o segundo posto de coleta localizado em 2/4 do trajeto (5 km), e reuniriam 562,5 kg.
  • 56,25 capivaras carregariam 562,5 kg até o terceiro posto de coleta localizado em 3/4 do trajeto (7,5 km), e reuniriam 421,875 kg.
  • Então 42,1875 capivaras carregariam 421.875 kg até o destino, e reuniriam 316,40625 kg.

Emanuelly parabeniza o raciocínio, e pede que novamente completem a solução da problema, isto é, como fazer 1.000 kg chegarem até o destino? Os alunos se confundem um pouco ao trabalhar com aquele número cheio de casas decimais, mas com algum esforço chegam na fração 256/81, e a convertem para aproximadamente 3.160 kg.

A professora então pergunta para a turma, se a medida que aumentarmos os postos de coleta, a quantidade de jujuba gasta no transporte vai reduzir? E a turma de forma uníssona concorda que sim. Então ela complementa a pergunta, questionando até quanto é possível reduzir o gasto de jujubas?

A turma parece não entender direito a pergunta, então ela dá algumas situações, como se seria possível não gastar jujuba nenhuma nesse transporte? Nessa situação a turma parece certa de que não, independente da quantidade de postos, haverá sempre consumo de jujubas pelas capivaras. Então ela questiona se é possível que esse gasto seja menor ou igual à quantidade de jujubas transportadas? Isto é, se queremos levar 1.000 kg, podemos começar com 2.000 kg ou menos? Nessa situação a turma começa a se dividir, alguns creem que seja possível, enquanto outros hesitam em afirmar que sim.

A professora então diz que vai ajudá-los, e escreve na lousa as expressões das três situações realizadas:

  • 1 posto de coleta: 1/(1 – 1/2)² = 1/(1/2)² = (2/1)² = 4
  • 2 postos de coleta: 1/(1 – 1/3)³ = 1/(2/3)³ = (3/2)² = 3,375
  • 3 postos de coleta: 1/(1 – 1/4)⁴ = 1/(3/4)⁴ = (4/3)³ ~ 3,160

A turma logo identifica o padrão, e a professora pede que determinem quantos kg de jujuba seriam necessários com 10, 100, 1.000 e 10.000 postos de coletas. Enquanto isso, ela caminha pela sala ajudando os alunos a realizarem esses cálculos em suas calculadoras, e alguns minutos depois, começam a chegar as respostas:

  • 10 postos de coleta: (11/10)^11 ~ 2,853
  • 100 postos de coleta: (101/100)^101 ~ 2,731
  • 1.000 postos de coleta: (1001/1000)^1001 ~ 2,719
  • 10.000 postos de coleta: (10001/10000)^10001 ~ 2,718

A turma começava a perceber que a quantidade inicial de jujubas necessárias para esse transporte, não viria a reduzir, ainda que continuássemos a criar mais postos de coleta. Então, diante desse insight, a professora voltou para a lousa e escreveu uma expressão que generalizava o total de postos de coleta como um número n – 1.

  • n-1 postos de coleta: ((n +1)/n)^n

Depois separou essa fração:

  • n-1 postos de coleta: (1 + 1/n)^n

Por fim, explicou que esse número que apareceu no problema dos transportes das jujubas quando consideramos uma quantidade MUUUUUUUUUUUUUUUUITO grande de postos de coleta, se chamava número de Euler, e na matemática é comum denotarmos ele por “e”.

Então Emanuelly aproveita o final da aula para falar um pouco sobre esse número que deu tanto trabalho aos alunos naquele dia, algumas relações dele com conceitos físicos e também quem foi esse tal Euler (Leonhard Euler).


Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Uma capivara movida a jujubas. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da UnicampVolume 11. Ed. 1. 1º semestre de 2024. Campinas, 14 de maio 2024. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5743/. Acesso em: <data-de-hoje>.

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