Ataque ao tronco da pirâmide

No final de uma manhã de terça-feira chuvosa, a professora Emanuelly começa sua aula de Matemática para uma turma do Ensino Médio Técnico. Percebendo a agitação dos alunos ela teve a ‘brilhante’ ideia de dar bexigas para eles encherem, pensando que assim ficariam em silêncio enquanto usam o ar dos pulmões para enchê-las em vez de falar… essa não foi uma boa ideia, pois alguns instantes depois começou uma espécie de sinfonia balônica, com bexigas esvaziando, outras estourando e outras esfregando fazendo sons graves.

Nessa aula ela propôs tratar sobre o Princípio de Cavalieri para Sólidos (alguns textos que podem te ajudar a entender melhor este conceito: Pepino de Cavalieri, O dia que conheci M³. Cavalieri, Princípio de Cavalieri e volumes de sólidos). Até ai não foi muito difícil, pois a algumas aulas ela tratou deste mesmo princípio para figuras planas, assim traçando um paralelo entre a ideia que valia para triângulos de bases e alturas iguais, ela fez para pirâmides com áreas da base e alturas iguais.

No momento seguinte, ela quis introduzir a ideia do sólido ‘tronco de pirâmide’, que é basicamente uma pirâmide com sua ‘cabeça’ arrancada.

Isto fez um pouco de confusão na turma, que associava aquele objeto a um prisma, mas ela tinha massinha na mochila (por algum motivo a massinha estava lá), e decidiu exemplificar isto usando-a para fazer uma pirâmide e depois ‘cortar fora’ sua cabeça, explicando assim que sua estrutura é diferente da estrutura de um prisma (pois este teria arestas laterais paralelas). O próximo passo foi discutir como se calcula seu volume, e os próprios alunos já sugeriram que isto poderia ser feito subtraindo o volume da pirâmide total pela parte removida. Perfeito!

Porém e nas situações em que não nos forem dadas informações sobre como a pirâmide era antes de ser cortada? Isto é, se somente soubermos a medida da sua base inferior, base superior e altura (no caso, distância entre as bases), ainda seria possível determinar seu volume?

A princípio parece que não, pois sem a medida da altura total, não podemos dizer quanto valeria a pirâmide antes de ser cortada… porém há algo que estamos esquecendo de considerar… se o corte for feito muito perto da base inferior, ambas as bases terão quase a mesma área.

Por outro lado, se se o corte for feito muito próximo do topo, a área da base superior será quase igual a 0.

Com isso, ela queria justificar que existe uma relação entre a medida da base superior e a altura do corte… mas essa relação entre as medidas, ainda no aspecto intuitivo da coisa já tomou bastante energia e exemplos empíricos, dos quais ela tentou usar pirâmides de base quadrada para mostrar que se cortarmos ela no meio na horizontal, teremos que a base superior será 1/4 do tamanho da base inferior (já que lateralmente nossa nova base quadrada será 1/2 da base quadrada original… e percebendo que estava difícil de explicar isto na lousa, recorreu novamente para a massinha e contou inclusive com a ajuda de um aluno para montar uma pirâmide de base quadrada enquanto ela refazia a explicação.

‘Convencidos’ parcialmente desta relação, a professora avançou para a dedução de uma fórmula para aquele volume… tentando reescrever a altura total da pirâmide em função da altura do tronco, mas em meio aos cálculos sem roteiro, as coisas não foram saindo tão simples como ela esperava, chegando ao ponto em que seus cálculos travaram em algum erro cometido no caminho, o qual ela não estava conseguindo identificar. Percebendo que a situação não avançaria assim tão rápido, ela se desculpa para a turma dizendo que naquela ocasião não conseguiria fazer aquela dedução, mas que não gosta de “cuspir” fórmulas para os alunos como se elas tivessem vindo do céu, então se comprometia a elaborar melhor esta resolução e apresentar para eles como se chega naquela fórmula.

Em casa, sentou-se para atacar o problema do tronco de pirâmide, e imersa em seus cálculos percebe que diferente das outras deduções de volumes feitas, aquela exigia um toque de sagacidade… como até mesmo uma cruel divisão de polinômios. Uma vez prontos, ela então organiza a dedução abaixo e encaminha no ambiente virtual para seus queridos alunos :3

Utilizaremos uma pirâmide de base quadrada, pois sem perda de generalidade, pelo princípio de Cavalieri, seu volume será equivalente ao de qualquer pirâmide de mesma altura e cuja área da base seja igual à daquele quadrado.

Seja h2 a altura do topo da pirâmide (aquele que foi arrancado do tronco) e b2 a aresta da sua base. Seja h1 a altura do tronco e b1 a aresta da base maior do tronco.

Podemos dizer que o triângulo de altura (h1 + h2) é semelhante ao triângulo de altura h2. Logo:

(h1 + h2)/b1 = h2/b2

Reescrevendo isolando h2, chegamos em

h2 = h1*b2/(b1 – b2)

O volume da pirâmide maior será dada então por

(h1 + h2)*b1²/3

Substituindo h2 na expressão acima, chegamos que seu volume será:

h1*b1³/(3b1 – 3b2)

e o volume da pirâmide menor será dada por

h2*b2²/3

Substituindo h2 na expressão acima, chegamos que seu volume será:

h1*b2³/(3b1 – 3b2)

Assim, subtraindo um volume do outro, obtemos o volume do tronco:

h1*b1³/(3b1 – 3b2) – h1*b2³/(3b1 – 3b2)

Reduzindo esta expressão chegamos em:

(h1/3)*(b1³ – b2³)/(b1 – b2)

Aqui vem a parte mais cruel, pois podemos reescrever o polinômio (b1³ – b2³) como (b1² + sqrt(b1*b2) + b2²)*(b1 – b2), e então voltamos para a expressão anterior:

(h1/3)*(b1 + sqrt(b1*b2) + b2)*(b1 – b2)/(b1 – b2)

Que pode ser simplificada como:

(h1/3)*(b1 + sqrt(b1*b2) + b2)

A expressão da fórmula do volume do tronco da pirâmide!!!!

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Ataque ao tronco da pirâmide. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da UnicampVolume 13. Ed. 1. 1º semestre de 2025. Campinas, 29 de abril de 2025. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/6017/. Acesso em: <data-de-hoje>.

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