Pepino de Cavalieri

Em uma manhã tão comum quanto qualquer outra na vida de Emanuelly, ela se preparava para começar o almoço quando recebe a visita de Giovanna, sua sobrinha por consideração. Ela estuda em um dos campus do renomado Colégio Pedro II, e sabendo que Emanuelly é professora e divulgadora científica de matemática, veio reclamar das suas aulas com ela.

Giovanna estava revoltada, pois embora sempre tenha se considerado uma boa aluna, comportada, que anota tudo no seu caderno, não conseguia entender bulhufas do que escreveu na última aula. Emanuelly curiosa, pede para ver suas anotações, e ela mostra a seguinte afirmação:

“Dadas duas regiões planas incluídas entre um par de retas paralelas, se toda reta paralela ao par de retas e que intersecta as regiões o faz em segmentos cujos comprimentos estão sempre na mesma razão, então as áreas das regiões também estão nessa mesma razão.”

e depois de virar várias páginas de exemplos, contas e representações geométricas, mostra a outra afirmação:

“Dados dois sólidos incluídos entre um par de planos paralelos, se todo plano paralelo ao par de planos e que intersecta os sólidos o faz em seções cujas áreas estão sempre na mesma razão, então os volumes dos sólidos também estão nessa mesma razão.”

após essa afirmação, haviam mais páginas com exemplos, contas e representações geométricas…

Emanuelly pensa um instante, e decide ajudar sua sobrinha, levantando-se, colocando seu avental preto e chamando-a para acompanhá-la enquanto prepara o almoço. Ela vasculha a geladeira e após refletir um pouco, diz sozinha que aquilo servirá, tirando alguns pepinos.

Com o pepino em cima da tábua de corte, e uma faca para tomates, ela chama Giovanna para acompanhar. Diz que vai ajudá-la a entender aquelas duas afirmações, mas prefere começar pela segunda, que é mais fácil de mostrar do que a primeira. Giovanna questiona, se a segunda afirmação é mais fácil de mostrar que a primeira, por que ela não foi mostrada antes? E Emanuelly explica que as vezes no ensino de matemática, se confundem a ordem como as estruturas são definidas com a ordem com que elas são descobertas, mas essa é uma questão mais complexa de se discutir aqui, por enquanto preste a atenção neste pepino, mostrou ela.

  • Esse pepino tem volume, certo?
  • Agora vou cortá-lo em fatias bem finas. Embora não seja possível, imagine que cortarei elas tão finas, que a grossura de cada fatia seja infinitesimal.
  • Até que o pepino todo esteja fatiado.
  • Ajeitando as fatias uma do ladinho da outra, o volume do pepino continua o mesmo.
  • Guarde na memória a imagem do pepino fatiado, e pense que peguei um outro pepino idêntico, e eu fatiei ele em fatias do mesmo tamanho que o anterior, mas em vez de ajeitá-lo de ladinho, eu o ajeitei mais inclinado.
  • Guarde também na memória a imagem do último pepino, e pense que peguei um terceiro pepino idêntico, cortei nas mesmas fatias, mas ajeitei-os de um modo mais esquisito, como estou mostrando aqui.
  • Por fim, veja que se emparelharmos os três pepinos fatiados (isto é, passarmos linhas paralelas pelos três), podemos comparar suas fatias. E veremos (pois fizemos com pepinos idênticos) que cada fatia (de grossura infinitesimal) tem a mesma área.
  • Isto é, minha querida sobrinha, apesar de terem formas diferentes, por este critério (comparar fatias emparalhadas), podemos garantir que se todas essas fatias de grossuras infinitesimais, ainda que uma esteja mais amassadinha que a outra, tem a mesma área, juntas formarão os mesmos volumes. Agora reescreva aquela segunda afirmação do seu caderno, trocando sólidos por pepinos, enquanto eu começo a fazer o arroz.

    Giovanna então começou a reescrever, com alguma dificuldade e perguntando mais algumas coisas, chegou na afirmação:

    “Dados dois pepinos fatiados em fatias de grossuras infinitesimais, colocados lado a lado, se todas as suas fatias estão emparalhadas e cada uma delas tem a mesma área, então os volumes dos pepinos serão iguais.”

    Emanuelly após colocar o arroz no fogo, para e olha o que sua sobrinha escreveu e logo a questiona, sobre se era isso mesmo que estava no seu caderno? Giovanna vê e fica em dúvida, então Emanuelly pergunta:

    • E se tivessemos fatiado um pepinão e um pepininho, emparelhado suas fatias, e descobrissemos que cada fatia do pepinão tem o dobro da área da fatia do pepininho?

    Giovanna pensa um pouco, e responde:

    • O pepinão então terá o dobro do volume do pepininho.

    Emanuelly a parabeniza, e diz pra ela agora tentar corrigir o que escreveu. Giovanna revê o que escreveu, e percebe que o problema estava na igualdade, pois serem iguais era na verdade um caso específico da razão entre eles, e com isso em mente e mais algumas ajudinhas da Emanuelly, ela reescreve a afirmação:

    “Dados dois pepinos fatiados em fatias de grossuras infinitesimais, colocados lado a lado, se todas as suas fatias estão emparelhadas e a razão entre suas áreas é a mesma, então seus volumes terão essa mesma razão.”

    Emanuelly dá uma olhada rápida e diz que está certinho, agora que ela entendeu a afirmação para os sólidos, vamos ver a afirmação para as figuras planas. Nisso ela pega uma rodela de pepino e coloca na táboa de corte.

    Pede que Giovanna imagine que ela cortará aquela rodela em tirinhas de largura infinitesimal.

    • Seguimos assim com uma rodela de pepino com a mesma área, apenas segmentada em tirinhas.
    • Agora, se mexermos na sua disposição temos outra aparência para essa rodela.
    • E outra.
    • De forma análoga ao volume, se emparelharmos as três rodelas (isto é, passarmos linhas paralelas pelos três), podemos comparar suas tirinhas. E veremos (pois fizemos com rodelas idênticas) que cada tirinha (de largura infinitesimal) tem o mesmo comprimento.
    • Assim, de novo, apesar de terem formas diferentes, por este critério (comparar as tirinhas emparalhadas), podemos garantir que se todas essas tirinhas de larguras infinitesimais, tem o mesmo comprimento, juntas formarão as mesmas áreas. Agora vai lá, e reescreve aquela primeira afirmação do seu caderno, do jeito que você já sabe.

    Dessa vez, Giovanna ficou mais atenta em não confundir o caso específico da razão ser uma igualdade, e reescreveu a afirmação assim:

    “Dadas duas rodelas de pepino, cortadas em tirinhas de largura infinitesimal, colocadas lado a lado, se todas as suas tirinhas estão emparelhadas e a razão entre seus comprimentos é a mesma, então suas áreas terão essa mesma razão.”

    Emanuelly já preparando a mesa para almoçarem, olha sua nova afirmação e a parabeniza, dizendo que parecia realmente ter entendido o princípio de Cavalieri.

    Giovanna fica feliz, e diz que foi esse o nome que ela ouviu na aula, e Emanuelly diz que esse princípio é bastante útil para vários resultados, que ela pode ver em alguns textos de divulgação científica pelo celular enquanto estiver a caminho da escola (O dia que conheci M³. Cavalieri, Princípio de Cavalieri e volumes de sólidos, Essas curvas projetadas ortogonalmente sobre o plano, Calculando o volume deste paralelepípedo).


    Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

    SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Pepino de Cavalieri. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da UnicampVolume 11. Ed. 1. 1º semestre de 2024. Campinas, 11 de maio 2024. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5699/. Acesso em: <data-de-hoje>.

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