A algum tempo atrás, vi um vídeo da Isabela, filha de um primo, desenrolando insaciavelmente  um rolo de papel higiênico no banheiro da casa. Aí vai o vídeo.

 

Uns podem ver como uma atitude rebelde ou até mesmo malcriada. Mas não vamos exagerar. Olhe com mais atenção, e onde você vê uma fofura de apenas 1 ano e meio fazendo uma bagunça colossal, eu vejo uma criança na sua mais pura essência investigativa.

A Bel juntamente com todos nós está em busca de respostas acerca da natureza. No caso dela, sua metodologia de trabalho me leva a acreditar que uma das suas perguntas é se o papel emanando do rolo é ou não infinito. Já sabemos a resposta que ela vai chegar. Enquanto faz isso, a Bel também deve entender um pouco melhor, ainda que qualitativamente, relações entre força, tensão, impulso e velocidade de giro. Vai perceber que seus dedos precisam agarrar o papel com tal afinco, ou se não o papel escapa da sua mão. Também vai notar que suas atitudes acarretam consequências, e será parte da sua criação entender e lidar com essas consequências, principalmente no meio social. Sua forma de lidar com essa realidade muda, de acordo com a forma pela qual as pessoas (neste caso seus pais) encaram “o experimento”.

Parabéns Isabela. Descobrimos que o rolo não é infinito, aprendemos conceitos complicados das exatas e das humanas, bem como descobrimos que talvez a paciência da sua pobre mamãe também não seja infinita. Melhor parar por aqui. Não faltaram oportunidades (só não pode ficar brava). O importante aqui é que você detém em sua mente um modelo de como isso e aquilo funcionam.

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PAPAI NOEL vs. MEUS PAIS vs. Tribo Wayampi

Nossos pais podiam, com absoluto sucesso, fazer-nos acreditar que os presentes na árvore de Natal são deixados pelo Papai Noel (e não por eles mesmos). É de se esperar que, em algum momento, a força das evidências joguem luz sobre a questão, de forma que deixamos de acreditar na existência do bom velhinho barrigudo e carismático. Agora pense comigo: do ponto de vista da criança, o modelo “o Papai Noel deixa os presentes na árvore” é menos real do que o modelo “são meus pais que deixam os presentes na árvore”? Se pensarmos que a nossa realidade depende de modelos, para a criança os dois modelos são perfeitamente válidos.

Hawking, no livro O Grande Projeto, descreve que um bom modelo deve:

  1. Ser elegante;
  2. Possuir poucos elementos arbitrários ou ajustáveis;
  3. Concordar e explicar as observações existentes;
  4. Fazer previsões sobre observações futuras, que poderiam descartar o modelo se não se realizarem.

Imagine você com os seus 5 anos de idade, e vamos comparar os dois modelos citados acima. Elegância é um termo um tanto quanto subjetivo na ciência, e sou obrigado a não me aprofundar muito, até mesmo para não perder o foco do que pretendo discutir. Mas tenho que admitir que imaginar o Papai Noel que percorre o mundo inteiro entrando pela chaminé das casas e deixando presentes ganharia fácil esse quesito quando comparado ao modelo em que meus país fazem todo o serviço (lembre-se, você tem 5 anos).

Os dois modelos também apresentam poucos elementos ajustáveis. Em ambos os casos, o modelo (na cabeça da criança, lembre-se!) não se preocupa de onde vem o presente, nem a que horas ele é depositado na árvore. Tudo o que ele “arbitra” é sobre quem o trouxe. Eu, como criança, poderia propor um novo modelo em que na noite do dia 24/12 sou abduzido por uma espaço nave, cuja tripulação são duendes azuis de três olhos, que me dão uma pílula que me mantém desacordado por toda a noite, enquanto alguns índios da tribo Wayampi do Amapá vão até a minha casa e constroem durante a noite o brinquedo que eu pedi, quer seja uma bicicleta, um carrinho de controle remoto ou um vídeo game. Os duendes me trazem de volta pela manhã, me colocam na cama, e em seguida levam o grupo de índios de volta para o Norte do Brasil. Eu acordo pela manhã e lá está minha caixinha empacotada. Esse modelo explica bem as observações (meu presente estará lá no dia seguinte), mas possuem tantos elementos que muito provavelmente não é bom o suficiente, além de ser “deselegante”.

Ambos os modelos explicam claramente as observações existentes e fazem previsões futuras. No momento oportuno, vou receber meu presente. Com base em algumas observações, vou perceber também que periodicamente, a cada ano, na mesma data, o mesmo ocorre. De certa forma, ambos os modelos fazem previsões bastante precisas, e se em algum Natal eu não recebesse nada, seria obrigado a abandoná-los ou reajustá-los.

Fonte: http://lionsgroundnews.com/
Fonte: http://lionsgroundnews.com/

Obviamente, a medida que crescemos vamos percebendo o Papai Noel já não pode fazer sentido. Ele deixa de ser elegante, e já não concorda nem explica as observações, pois eu já descobri que o videogame que ganhei de Natal estava no armário da mamãe a mais de 3 meses atrás. O modelo deixa de ser válido, e é substituído por outro que se enquadra melhor às observações. Exatamente o mesmo ocorre na Ciência. Em algum momento da nossa estadia aqui na Terra  já acreditamos que a Terra era plana, ou que era o centro do Universo. Tais modelos se encaixam perfeitamente em observações de um tempo remoto, mas aos poucos tiveram que ser abandonados pela força das novas evidências.

Creio que me estendi um pouco na conversa, e oportunamente numa terceira parte sobre a Realidade eu escreva sobre outros aspectos dos modelos.  Deixo meus agradecimentos à Ana Fernandes e Leonardo Fernandes, por disponibilizarem o vídeo e a foto da pequena Isabel para que eu pudesse escrever esse post, e a Maury Vanessa pela revisão do texto.

Finalizo com um apelo importante. Não deixe que as crianças percam esse espírito curioso pelas coisas, muito menos oprimam suas dúvidas. Seja parte desse mundo de descobertas. Também aceite a limitação de que você nem sempre vai ter todas as respostas, mas que será, junto e ao lado delas, um eterno curioso.

Fonte: http://br.guiainfantil.com/
Fonte: http://br.guiainfantil.com/