Imagine que você está em um jantar romântico à luz de velas em um renomado restaurante da cidade. Depois de desfrutar de um excelente vinho Cabernet Sauvignon, chega o seu tão esperado pedido, um Tropical Kobe Beef com batatas soufflées. Entretanto, antes de iniciar o momento de degustação, você se depara com uma situação desconfortante. Há um fio de cabelo na comida!

Apesar da pouca iluminação do ambiente por conta da luz das velas, foi possível perceber a existência de um fio de cabelo no meio da batata. Neste momento, você faz o que qualquer pessoa sensata faria. Saca o celular do bolso e bate uma foto, esperando ansiosamente chegar em casa para escrever um texto espirituoso no facebook, repleto de lições de moral.

Fonte: Fonte: http://pdabr.com/
Fonte: http://pdabr.com/

Em um primeiro momento, havia pouca luz no ambiente. Em outras palavras, o brilho da luz que chega até a sua mesa é muito fraco, o que significa que você não deverá ser capaz de extrair muita informação. Com o pouco de luz que chegou, tudo o que você foi capaz de fazer foi perceber que havia um fio de cabelo na batata. Após bater a foto, o flash da câmera muda um pouco esse cenário. Com um pouco mais de brilho, agora você se deu conta que não é apenas um fio de cabelo, mas dois!

Prontamente, você liga a lanterna do celular, com o objetivo de investigar mais a fundo a situação. Agora temos uma luz mais intensa, capaz até mesmo quebrar o clima do casal da mesa ao lado. Mas isso não importa.  Com ainda mais luz e com um pouco mais de tempo de exposição da nossa amostra, mais informações se revelaram. Além de perceber a existência de outro amigo do primeiro fio de cabelo, você observa que eles são pequenos em comprimento, são de alguém loiro e são lisos.

O quão longe poderíamos ir nessa busca incessante por informações acerca do fio de cabelo, apenas aumentando o brilho da luz que utilizamos para sondá-lo? E se fossemos capazes de explorar essa amostra de fio de cabelo com outro tipo de luz, por exemplo, a radiação de Raio X?

Como mencionei no post Acelerador(es) de Partículas Brasileiro(s), a luz síncrotron é uma radiação de amplo [simple_tooltip content=’Intervalo completo de todas as possíveis frequências da radiação eletromagnética.’]espectro eletromagnético[/simple_tooltip], indo desde o infravermelho até o Raio X. Por esse motivo experimentos com máquinas que geram a luz síncrotron (como o UVX, a atual fonte de luz síncrotron brasileira) são versáteis, uma vez que o experimentador pode selecionar o tipo de luz e a técnica de análise que melhor lhe convenha segundo o experimento que deseja realizar. Como regra, quanto menor a escala em que se deseja explorar, menor deverá ser o comprimento de onda da luz utilizada. Por exemplo, o infravermelho (comprimento de onda na ordem de 10 micrômetros) é útil para estudar vibrações em moléculas e estruturas eletrônicas; a luz ultravioleta (comprimento de onda na ordem de 10 nanômetros) é adequada para práticas que envolvam reações químicas; e o Raio X, por ter comprimento de onda da ordem de 0,1 nanômetros, acaba sendo o mais indicado para estudar a estrutura atômica dos materiais.

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Espectro eletromagnético. O tipo de radiação é classificado pelo comprimento de onda ou frequência. Fonte: LNLS/Divulgação Projeto Sirius.
Imagem microscópica de um fio de cabelo humano. Fonte: Fabiano Emmanuel Montoro/LNNano, CNPEM.
Imagem microscópica de um fio de cabelo humano. Fonte: Fabiano Emmanuel Montoro/LNNano, CNPEM.

Voltando ao papo do cabelo, mais precisamente à pergunta anterior, se fosse possível utilizar outro tipo de luz para explorar o corpo estranho advindo da cabeça do cozinheiro, certamente mais informações seriam reveladas. Na verdade, foi isso que fez um grupo internacional de cientistas (não necessariamente com o cabelo do cozinheiro apresentado na história acima). Utilizando um feixe extremamente focalizado de luz Raio X, este grupo de pesquisadores investigou a estrutura do fio de cabelo humano na fonte de luz síncrotron UVX, do LNLS.  Além de identificar uma região intermediária logo abaixo da cutícula (região mais externa do cabelo), eles observaram a presença de beta-queratina, uma proteína presente em répteis e pássaros. Um resumo da pesquisa pode ser encontrado aqui.

Se parar pra pensar, uma pesquisa como essa se torna extremamente valiosa para empresas de cosméticos, por exemplo. Não fica difícil imaginar a extensão disso. Manipular a matéria em escala molecular permitiria desenvolver materiais mais leves e resistentes, com aplicações em inúmeros projetos científicos e tecnológicos. Na saúde, pesquisas com luz síncrotron são úteis na identificação de proteínas e unidades intracelulares complexas, servindo assim para a produção de novos medicamentos, mais eficazes no tratamento de doenças. A história não para por aí, mas eu sim.

Acendam as luzes! Meu Tropical Kobe Beef com batatas soufflées chegou.